Paulo Gustavo não perdeu a luta contra a Covid

Ator morreu no auge da carreira, admirado por seus personagens de humor e por sua história de amor em família

Há 14 meses, parecem se repetir histórias doídas, de gente que adoece, é internada e morre em decorrência da Covid-19. Ansiedade, medo e esperança se misturam, do início ao fim. As mortes pela doença já superam as 400 mil no Brasil, mas a cada novo caso há sempre quem insista em acreditar. Desta vez não será assim. Esse poderia ter sido o mantra que acompanhou os últimos dias de Paulo Gustavo

O humorista foi internado no dia 13 de março e, até ontem, as mudanças em seu quadro de saúde foram acompanhadas quase em tempo real. Outras figuras famosas e queridas do grande público passaram maus momentos devido à Covid-19, mas, com Paulo Gustavo, a situação transcendeu o drama particular e mesmo a esperada comoção de fãs. O ator virou um símbolo. Com ele não seria assim

Não era preciso rir do humor de Paulo Gustavo para se estar atento às notícias. Primeiro, o agravamento progressivo do quadro: intubação, traqueostomia, ECMO. Sinais de melhora, boas reações às medicações e tratamentos, então, alimentavam às esperanças. Assim se foram quase dois meses, até o baque da notícia de uma embolia e, por fim, de sua morte na noite de terça-feira (4).  

A doença de Paulo Gustavo coincidiu com os dias mais duros da pandemia no Brasil, com as mortes diárias superando os 2 mil, 3 mil, 4 mil casos. Quem tentou dimensionar o horror que se registrava certamente se viu assombrado pela angústia.

Nessas horas, não adianta só tentar desviar a atenção, evadir-se mentalmente. É preciso de algo que contradiga o que os números superlativos dizem, sem que se apele para o cinismo da negação do real. Ver o humorista recuperar-se da doença era uma espécie esperança redentora.

Por que ele?

Em parte, porque, desde o princípio, parecia errado que Paulo Gustavo morresse assim. Não lhe faltavam condições favoráveis para sair-se dessa: era um sujeito jovem, saudável e rico. Via-se nele, também, uma figura inspiradora, que estava onde tantos querem estar. Era o artista já consagrado, mais inquieto e pulsante, com fôlego para ascender ainda mais. 

Contudo, nada disso fazia de Paulo Gustavo único. Muito mais original foi a combinação do que entregou ao público.

No palco e nas telas, cenas de humor; e, fora deles, histórias de amor, como no comercial de margarina (com sal, mas sem preconceitos). Ao lado, a mãe, que inspirou uma de suas personagens mais famosas, Dona Hermínia; e, mais recentemente, a família que formou com o marido e dois filhos ainda bebês. 

“O humor cura, transforma, faz a gente refletir”, disse Paulo Gustavo em dezembro. ”Eu recebo muitas mensagens de pessoas que dizem que eu as ajudei de alguma forma com os meus vídeos. É o poder do humor. E existe também uma questão neurológica, de que o humor faz você realmente se sentir melhor. Eu sempre escutei coisas muito lindas por ser comediante".

A dor em comum  

Num Brasil tão carregado de ódio, violência e mortes estúpidas, Paulo Gustavo parecia encarnar a lembrança de que sabemos ser engraçados, que as pessoas se apaixonam e as coisas também dão certo. Quando alguém se transforma em símbolo, quando traduz a esperança, parece errado que a morte seja um destino inevitável, como o é para todos.

É de se adivinhar que apareça quem queira desconstruir a comoção e a dor pública pela morte do ator, alegando ser ela uma entre tantas. Falso argumento.

Não é preciso que se sequestre a dor alheia para se fazer refletir. A morte de uma figura querida, por milhões, não encobre os milhares de lutos de 4 de maio de 2021, nem aqueles dos 14 meses de pandemia. Ao contrário, a aproxima: torna experiência comum. 

Diante de tanta insensibilidade, da ignorância voluntária, precisamos tanto pensar como termos a consciência de que sentimos o mesmo. É isso que move as pessoas.

Não faltará quem, na melhor das intenções, fale que o ator perdeu a luta para a doença. Mas não é justo com quem morre assim tratar seu fim como uma derrota. Se precisássemos personalizar a doença como um rival sobre o ringue, teríamos que reconhecê-la como uma combatente traiçoeira e covarde, que prefere não atacar de frente. Não poderia, portanto, jamais ser vitoriosa, mesmo que fizesse tombar quem buscava sobreviver a ela. 

Paulo Gustavo morreu sem ser derrotado pela Covid-19. Sua vitória veio muito antes dela. As expressões de amor, de quem com ele esperou até o fim, e o choro de tantos pelo riso interrompido são testemunhos desse triunfo.