Lançada pela Geração Z, a demissão silenciosa (quiet quitting), ganhou mais força no pós-pandemia. Vista por alguns como uma estratégia para se resguardar do burnout e preservar a vida pessoal, esse movimento pode trazer prejuízos para empresas e profissionais.
Afinal, saúde mental e bem-estar são importantes para o ambiente de trabalho; a transparência na relação profissional é fundamental; e o “senso de dono” é um comportamento desejado pelas organizações. E agora?
Por onde começar?
Antes de escrever este texto, refleti sobre por qual ótica abordaria este tema que ganhou notoriedade no mundo. Compreendo a necessidade de mantermos o equilíbrio entre vida pessoal e carreira, porém, penso que um movimento “silencioso” dessa natureza prejudica quem silencia e quem “não ouve”.
O profissional fica mais fragilizado e sua carreira vulnerável; a produtividade e a performance das organizações ficam comprometidas e as lideranças, mais uma vez, ficam perdidas sobre como devem lidar com este cenário.
O que é demissão silenciosa e como chegamos a esse ponto?
Diferente do que o nome sugere, este movimento não é sobre se demitir do trabalho ou continuar até conseguir nova posição em outra empresa. Trata-se de se resguardar e executar somente atividades que estão no seu escopo de trabalho, fazendo-as com qualidade.
É a decisão de não assumir atividades que extrapolem suas atribuições formais. Algo que não podemos confundir com desengajamento.
O objetivo principal desses profissionais é não se submeter a longas jornadas de trabalho, evitar fazer muito mais do que foi contratado formalmente, prevenir o burnout e cuidar da qualidade de vida.
De acordo com a International Stress Management Association (ISMA-BR), o Brasil é o segundo país do ranking de trabalhadores afetados pela Síndrome de Burnout ou Síndrome do Esgotamento Profissional (classificada como doença ocupacional em 2022 pela Organização Mundial da Saúde).
Durante a pandemia, pessoas viram-se mergulhadas em um ambiente dentro do qual demandas profissionais e pessoais se confundiam e os limites de horário não existiam mais. Todos ficaram imersos em uma longa jornada de trabalho/atividades domésticas que terminava quando as “luzes da casa” apagavam.
Além disso, o acúmulo de atividades também contribuiu para que chegássemos a esse momento. Com demissão em massa, muitos profissionais acumularam atividades para dar conta das demandas da organização e garantir seus empregos.
O que pesquisas já sinalizavam?
A 20ª edição, publicada em 2021, do relatório da pesquisa Carreira dos Sonhos, que é realizada pela Cia. de Talentos, teve como tema central o Sentimento de Pertencimento. A amostra contou com 98.355 participantes no Brasil, dentre eles: 78.684 de jovens; 12.786 de média gestão; e 6.885 de alta liderança.
Segundo a pesquisa, o sentimento de pertencimento impacta a percepção de vida significativa, o bem-estar, saúde física e mental; e para construí-lo e cultivá-lo, a empresa precisa ter uma cultura inclusiva, engajamento e ambiente de aprendizagem.
Dessa forma, é possível estimular a produtividade e o desempenho em equilíbrio com a saúde mental e bem-estar dos trabalhadores. Dos que afirmaram na pesquisa já terem tido algum transtorno, a ansiedade foi a mais citada pelos jovens de 17 a 26 anos.
Além dos desafios emocionais, a pandemia trouxe também novas perspectivas para as relações de trabalho. O horário flexível e os espaços de trabalho corporativos, tipo phygital (físicos e digitais, ao mesmo tempo), trouxeram mais autonomia para o trabalhador, especialmente na organização do seu tempo e no estabelecimento de prioridades pessoais e profissionais. Pais e mães tinham mais flexibilidade para alinhar carreira e família.
Um levantamento realizado pelo Linkedin, em maio de 2022, constatou que 78% dos profissionais desejam políticas flexíveis. Entre os principais motivos para a flexibilidade estão o equilíbrio entre o trabalho e a vida pessoal (49%), a maior produtividade (43%) e a melhora na saúde mental (40%).
No artigo 'Futuro do trabalho: 18 tendências que irão mudar nossa realidade', publicado em março de 2022, a Forbes traz um estudo realizado pela Microsoft, que revelou como as prioridades dos funcionários mudaram nos últimos dois anos: 53% deles estão mais propensos a priorizar a saúde e o bem-estar em vez do trabalho, ao se estabelecer a relação com o que pensavam antes da pandemia. E 47% estão mais propensos a priorizar a família e a vida pessoal do que o trabalho.
Quatro aspectos, além do salário, foram citados pelos entrevistados como “muito importantes”: Cultura positiva (46%); Benefícios de saúde mental e bem-estar (42%); Senso de propósito e significado (40%); e Horários de trabalho flexíveis (38%).
Grande Resignação – um movimento subsequente à demissão silenciosa?
As demissões voluntárias (Great Resignation – movimento em que pessoas pedem demissão por não se sentirem conectadas ao negócio) – tiveram destaque nos Estados Unidos e Reino Unido e já chegou ao Brasil.
Um levantamento da LCA Consultores, junto aos dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados – Caged, que contabiliza as vagas com carteira assinada no país, constatou que, nos últimos 12 meses, até julho de 2022, acumulamos 6,467 milhões de pedidos de demissão, ou seja, 32,4% do total de desligamentos de trabalhadores no período, dos quais 1 a cada 3 desligamentos foi voluntário.
Segundo o mesmo levantamento, no Ceará, o acumulado dos últimos 12 meses, até julho de 2022, é de 453.505 desligamentos, dos quais 103.052 foram voluntários, o que representa aproximadamente 23%.
Seria este um movimento subsequente à demissão silenciosa?
Não necessariamente, mas pode acontecer! O fato é que empregadores, líderes e trabalhadores precisam estudar esses movimentos e traçar estratégias que atendam aos interesses das partes envolvidas.
Como reduzir os prejuízos?
O quiet quitting pode comprometer a empregabilidade do profissional que optar por este movimento, especialmente em empresas de grande porte, onde se valorizam a gestão ágil, a rapidez e a qualidade da entrega, a alta performance, o engajamento e a inovação.
Para evitar ser percebido como um trabalhador que só faz o “básico”, mesmo que bem-feito, é importante alinhar as expectativas com o líder imediato.
Os líderes, por sua vez, precisam fortalecer a cultura do feedback, deixando claras as regras do jogo. Em meio à atual competitividade, é comum encontrarmos nas organizações profissionais que fazem questão de não tirar férias ou folgas.
O líder precisa ter cuidado para não institucionalizar o burnout. Até para esse perfil profissional, é importante definir e alinhar as diretrizes que envolvem a relação profissional e não extrapolar as linhas da vida pessoal.
Os comportamentos dos liderados devem observados e, com base nesse diagnóstico, o líder deve criar um ambiente dialógico que promova transparência, engajamento e proposição de melhores práticas de trabalho. Ao perceber um movimento de demissão silenciosa, é importante dialogar e realinhar expectativas.
Em resumo, quero falar diretamente para vocês...
Empregador, não ignore a importância da saúde mental e do bem-estar dos seus funcionários no ambiente corporativo. Pensar na criação de uma cultura mais inclusiva e nas estruturas de trabalho mais flexíveis, vale a pena!
Líder, observe para entender! Seja situacional! Alinhe expectativas, deixe claras as regras do jogo (prazos, indicadores, recompensas, critérios de avaliação etc.), conheça e apoie a sua equipe. Forneça feedbacks, mostre como fazer, comunique-se com clareza e honestidade e faça com que as pessoas se sintam importantes no que fazem.
Trabalhador, não se demita silenciosamente! Seja transparente, alinhe expectativas, entregue resultados de alta performance, mas não negligencie a sua saúde mental e as demais áreas da sua vida. É possível ter senso de dono e equilibrar a vida pessoal.
Nesta coluna, trarei para você assuntos relacionados a carreira, liderança, coaching e tendências sobre os assuntos. Contribua deixando sua pergunta ou sugerindo um tema de sua preferência, comentando este post ou enviando mensagem para o meu instagram: @delaniasantoscoach
Será maravilhoso ter você comigo nesta jornada. Até a próxima!
*Este texto reflete, exclusivamente, a opinião da autora