Vivemos em um país que havia saído do mapa da fome, em 2014, e retornou no ano passado, ou seja: há milhares de pessoas sem comida ao nosso lado. Estamos em grandes cidades onde há muita gente vagando pelas ruas sem moradia (e sem dignidade), apanhando dos sacos de lixo que colocamos em nossas calçadas nossos restos para alimentar crianças que também perambulam sem roupa, sem escola e sem perspectivas.
Estamos neste país em que as filas de espera para cirurgias não conseguem, muitas vezes, priorizar nem idosos, porque nunca há vaga suficiente. Uma Nação que é absolutamente rica e diversa, em muitos aspectos (povo, educação, ciência, cultura, economia), mas está de mãos atadas sem saber como dar conta de tanta gente com problemas de saúde mental, esses que impactam sujeitos, mas também o seio social, seja na educação, na economia e em tantas perspectivas coletivas.
Vivemos um cenário de tanta carência que aqui seria preciso um longo pergaminho de lamentações - mas também de ideias para suprir essas demandas - e ainda assim a prioridade de uma parte dos parlamentares que estão em uma das principais instituições do país realmente seria acabar com o casamento homoafetivo?
Essa ideia voltou à discussão no Congresso Nacional, por meio por meio de audiências e reuniões para debater o PL 5167/09, apensado ao PL 580/07, que inclui no Código Civil a proibição da união homoafetiva. O Supremo Tribunal Federal (STF) reconhece, desde 2011, essa forma de união, equiparando as relações entre pessoas do mesmo sexo às uniões estáveis entre homens e mulheres.
Então, diante desse cenário conturbado, nos perguntamos, por que a Câmara não prioriza suas energias, recursos e pleitos para - em vez de fomentar esse tipo de desrespeito contra pessoas homoafetivas e suas famílias - tratar do que realmente são problemas em nosso país? Como a fome, mortes por enchentes, deslizamentos, falta de emprego, avanço do tráfico e drogas, disputa de territórios. Feminicídios. Assassinatos diários nas periferias tantas vezes invisibilizadas.
Violências que se espalham nos territórios físicos e também nos extremismos que têm tomado conta das redes ocultas na internet, interferindo em ataques a escolas, além de tantas violências, no corpo e na alma.
Ainda assim seria prioridade proibir o direito das pessoas casarem-se com quem querem? De onde saiu essa cultura de inversão que temos vivido todos os dias em que amar alguém do mesmo gênero assusta mais que ouvir relatos de violência doméstica?
Inverter valores é aceitar ser violentado por olhares, palavras e atitudes de desrespeito. Um país que quer combater a violência nas ruas precisa também batalhar contra os ataques contra crenças, raças e gêneros. Contra dignidades.
Por que incomoda tanto as pessoas quererem amar e serem amadas fora de padrões criados e impostos há séculos por quem está nos diferentes espaços de poder?
Não é interesse coletivo atrapalhar a rotina de quem está vivendo a própria vida, desde que atue feito cidadão, com suas obrigações em dia, assim como seus direitos.
Opinião é uma coisa. Desrespeito é outra. Nós, eleitores assíduos às urnas, cidadãos cumpridores de deveres e detentores de direitos, esperamos de nossos representantes políticos que trabalhem em prol das demandas realmente necessárias, como a manutenção da vida de quem está sem nenhum tipo de assistência que garanta, inclusive, condições físicas, emocionais e conhecimento para discutir a preservação dos seus próprios direitos, porque antes de tanta coisa querem comida e remédios pra suas feridas.