“Aos meus avós. Por provarem diariamente ao mundo, em mais de 80 anos de vida, que o amor nos guia por rumos diversos, cria valores que ultrapassam fronteiras, rompem barreiras, correntes, e sempre nos faz retornar ao peito de quem está a nossa espera. Mesmo quando não prometemos chegar..."
Assim diz a dedicatória que escrevi há alguns anos, na página 4 de minha dissertação de mestrado. Lá, eu encerrava apenas um dos meus vários ciclos da vida estudantil e, naquele dia, as memórias levaram-me a lugares que, paradoxalmente, permanecem e já não existem mais - para além da memória. Como a "estante gigante", com uma prateleira de livros, que durante muitos anos esteve postada imponente na sala da casa de meus avós.
Hoje, retorno a essas lembranças enquanto leio (e edito) matérias sobre educação em nosso país. Inclusive lembro-me que, em alguma de minhas colunas, cheguei a falar sobre o quão difícil é se tornar doutora num país como o Brasil que, “rico de nascença”, sofre as dores de ver muitos dos seus não alcançarem nem a alfabetização.
Enquanto muito penso, rememoro as tantas mãos - e olhos, corações e investimentos, tanto de dinheiro quanto de energia - as quais se fizeram incentivo e ação na minha vida escolar. Desde o antigo maternal, naqueles idos do fim da década de 1980, são muitos os envolvidos. Mas, nesses últimos dias, enquanto eu lia, escrevia e refletia sobre a educação, pensei muito neles, meu avós.
Um casal que pouco frequentou a escola mas é, sem dúvida, um dos maiores responsáveis pela aventura inenarrável que tem sido minha trajetória na educação. Duas mentes ativas em minha história, dois corações abarrotados de boas energias quando o assunto é a nossa educação.
E como se feito magia ou herança de vidas passadas, meus avós sempre souberam o quanto a educação iria fazer a diferença na vida dos netos e, por isso, a rotina perto deles sempre incluiu responder perguntas ligadas à escola e à universidade. "Como é mesmo o nome daquele curso que você fez depois de se formar?". "Por que é que você vai pra escola se você me disse que já terminou os estudos?". "Você ensina que matéria aos seus alunos na faculdade?".
Quando mais tarde eles começaram a não entender as respostas sobre questões ligadas aos meus estudos, mais do que comentários, eu queria fazê-los entender que foi - e tem sido - uma caminhada por eles também impulsionada. E que muitos dos meus percursos até hoje passam pela casa de mãezinha e paizinho, como as tardes de aflição infantil à espera da hora de “tomar a tabuada” antes do jantar.
Outra das inúmeras coisas que muito marca a minha memória é a velha arca, armário antigo, comumente presente nas antigas casas dos nossos avós. Na casa de mãezinha e paizinho, ela tinha uma espécie de passagem secreta que cedo eu descobri - lotada com 2 coleções completas (de capa dura) de José de Alencar e Érico Veríssimo. Não li todos, mas muitas das primeiras descobertas literárias que fiz na vida foram graças ao que guardavam aquelas capas vermelhas e azuis.
Gosto de quando faço essas conexões-memórias porque defendo a educação como uma forte bandeira de conduta, cultura, luta e rotina na vida de quem quer que seja. Entendo-a como um processo coletivo em que muitos precisam estar envolvidos, como referências de sabedoria, afeto - e disciplina também. E que esse trajeto se inicia ainda antes da escola.
Porque eu acredito que a educação transforma pessoas, realiza sonhos. Salva vidas - às vezes gerações inteiras. Mas creio que, em muitos cenários, talvez até inalcançáveis para muitos de nós, é apenas agarrada a muitas mãos que a educação se faz presente. Que as conquistas geram frutos. Que as sabedorias se concretizam. Feito trabalho em equipe, acredito, por fim, que cada diploma por nós alcançado na vida tem as marcas de tantos alguéns.