Dependência emocional, baixa autoestima, vínculos abusivos, inseguranças. De onde vem tudo isso? Por que as pessoas repetem esses padrões comportamentais, mesmo percebendo que são tão prejudiciais?
A maioria dos comportamentos, principalmente os que se repetem ou trazem angústia, têm raizes nas primeiras experiências, aquelas vividas nos primeiros anos. Desde os mais simples, como a desorganização, até comportamentos mais complexos, como a dependência emocional.
Quase ninguém sai ileso de traumas da infância. E não me refiro só a temas mais graves, como abuso sexual, bullying, violência física ou psicológica, mas sobre todas as experiências que absorvemos como marcantes e que ficaram gravadas como uma inscrição mnêmica, uma marca das primeiras experiências de vida.
Tudo é muito complexo. O abandono afetivo parental, a rigidez na disciplina, presenciar agressões na família, a negligência, as comparações, tudo isso causam cicatrizes particulares que delineiam as bases da nossa vulnerabilidade mental e determina nossos comportamentos do presente.
Especificamente sobre os relacionamentos amorosos, o que ocorre é que transferimos a relação com nossas primeiras referências de amor, nossas figuras parentais, para nossos parceiros amorosos na vida adulta.
Sejam experiências positivas ou negativas, transferimos os padrões, as dinâmicas emocionais, os vínculos afetivos ou a falta deles.
Uma infância difícil impacta diretamente nos relacionamentos adultos. Se quisermos entregar ao mundo adultos saudáveis, seguros e equilibrados, precisamos cuidar de nossas crianças.
O amor, carinho, diálogo, disciplina, limites, atenção e principalmente exemplos e atitudes saudáveis darão um norte para vivenciar esses comportamentos no futuro.
Reflexos da infância na vida adulta
Pessoas inseguras: um ambiente estressor e conflituoso afeta o cérebro e todo o seu desenvolvimento. O estresse crônico na infância pode resultar em um adulto com respostas exageradas ao estresse ou dificuldades em regular as emoções e o humor. A falta do amor, compreensão, validação, constrói pessoas inseguras, e afeta a construção de uma identidade forte, confiante e otimista.
Relacionamentos abusivos: a pessoa que sofreu abandono afetivo ou alguma marca de falta na infância pode apresentar dificuldades para manter um relacionamento saudável, pois para preencher esse vazio mal resolvido, acaba tolerando amores ou amizades que machucam, manipulam, decepcionam ou traem, desde que tenha alguém por perto.
Inconscientemente eles estão se alimentando e preenchendo seus vazios emocionais e acabam ficando dependentes desse tipo de relacionamento. Isso explica a dificuldade de algumas pessoas, conseguirem sair desses relacionamentos abusivos.
Pessoas frias e com falsa independência: há ainda aqueles que em função do sofrimento da infância, preferem se manter distantes e evitar relações mais próximas. Desconfiam dos outros e se fecham totalmente, se tornam frios como estratégia inconsciente para não sofrer mais. Mesmo desejando ter alguém, preferem manter a “independência” como uma forma de defesa.
Freud explica
Sabe aquela pessoa que apanhou muito quando criança e que sofreu, mas quando adulto apesar de não gostar, bate em seus filhos e não entende porque faz isso? Freud explica. Ela está retornando ao conteúdo recalcado. A pessoa está inconscientemente repetindo dinâmicas não resolvidas ou não compreendidas da infância como uma tentativa do inconsciente de lidar e elaborar essas experiências passadas.
O conceito de “retorno ao recalcado”, que tem sua origem na teoria psicanalítica desenvolvida por Freud, refere-se ao retorno de conteúdos reprimidos do inconsciente para a consciência.É um mecanismo de defesa do ego, que para proteger nossa psique, jogou para o inconsciente, tudo aquilo que foi traumático, e insustentável de lidar em certos momentos da vida, principalmente fatos ocorridos na infância. Porém, como foi algo que ficou mal resolvido, temos a tendência a retornar e repetir na tentativa de elaborar.
Esse retorno, pode manifestar-se de diferentes maneiras, como padrões de comportamento repetitivos, sintomas psicológicos ou emocionais intensos que parecem desproporcionais à situação atual.
A psicanálise acredita que ao trazer essas experiências para o consciente, a pessoa tem a oportunidade de compreender, processar e integrar emocionalmente esses eventos, e mesmo parecendo estranho, pode levar a uma resolução e alívio.
Esse conceito explica porque repetimos alguns padrões de comportamentos, mesmo sabendo que não são saudáveis e facilita nosso processo de autoanálise desses comportamentos e relacionamentos disfuncionais.
Cuidar da criança interior
Adultos precisam cuidar da criança interior, que já fomos, observar onde nos faltou o colo, a atenção, o diálogo e a partir disso, procurar estratégias para ressignificar nossas percepções e comportamentos.
No momento em que entendemos de onde vêm nossos comportamentos e tudo se torna consciente, já não precisamos apenas responder a tudo que vivemos, mas podemos agir, mesmo que de forma lenta, para mudança que desejamos.
Precisamos nos utilizar de todo o incômodo e dor da repetição, como um impulso para permitir que o novo sempre venha.
É necessário o silêncio e o olhar interior, para entendermos quem realmente somos e o porque somos assim. Mesmo que não encontremos uma “cura”, mas que ao menos esse autoconhecimento nos traga autoaceitação, e com isso a paz.
*Este texto reflete, exclusivamente, a opinião da autora