Salário Bruto, Líquido ou Gasoso?

A economia brasileira precisa vencer questões conjunturais e estruturais. Com o objetivo de jogar luz nos caminhos a serem trilhados, busquei levantar, na semana passada, os desafios do novo ministro da Fazenda.

No mesmo sentido, desejo reforçar a discussão da estabilidade de preços, pois além da inflação, os juros nas alturas, se revestem de combinação para deterioração do poder de compra.

SALÁRIO E RENDA INSUFICIENTES

O salário (ou a renda) auferida nos últimos anos, de forma geral, mas principalmente das famílias de menor poder aquisitivo, está cada vez menos suficiente para honrar os compromissos financeiros básicos, muito menos para destinar ao lazer e fazer reservas financeiras.

No Brasil, segundo a Confederação Nacional do Comércio (CNC), no último de mês de outubro, 79,2% das famílias estão endividadas e 30,3% estão com contas atrasadas. No Ceará, 73,0% das famílias possuem dívidas e 41,9% estão com atraso nas contas.

No ranking de dívidas em atraso, o Ceará está em 4º. Lugar com as famílias em situação inadimplente.

SALÁRIO E A INFLAÇÃO

De forma a entender de forma mais detalhada a perda do poder de compra, que repercutem no nível de endividamento, fiz o levantamento histórico do salário mínimo e da inflação. Como sabemos, atualmente o salário mínimo é reajustado a partir da inflação, mais especificamente pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC).

Contudo, a inflação, seja medida pelo IPCA, indicador oficial de inflação, ou pelo INPC, que é a referência para os reajustes salariais, representam uma média dos grupos inflacionários: Alimentos e bebidas; Habitação; Artigos de residência; Vestuário; Transportes; Saúde e cuidados pessoais; Despesas pessoais; Educação; e Comunicação.

Aqui temos problema. O índice de inflação é uma média destes grupos, e embora seja ponderada, pode escamotear a realidade financeira e atingir em cheio o orçamento das famílias.

SALÁRIO E INFLAÇÃO DE ALIMENTOS E BEBIDAS

No caso do grupo Alimentos e Bebidas, que é o de maior peso do INPC, tem apresentado números bem significantes. Nos alimentos, por exemplo, temos os itens tradicionais como arroz, feijão e carne, enquanto nas bebidas, temos café, sucos e água.

Caro leitor, nos últimos 10 anos*, você sabe em quantos a inflação de Alimentos e Bebidas foi maior que o INPC?

- Em 8 anos.

E nestes últimos 10 anos*, os alimentos e bebidas apresentaram elevação de preços superior a variação do salário mínimo em 7 anos.

SALÁRIO NA FORMA GASOSA

Com um olhar mais de curto prazo, quando tomamos o ano de 2017 como referência, o salário mínimo até hoje foi elevado em 29,35%. Por outro lado, a inflação do grupo de Alimentos e Bebidas, no mesmo período, medida pelo INPC, já registra 52,50%.

A inflação do grupo de maior relevância para o orçamento das famílias, de 2017 até hoje, avança mais de 23% em relação ao salário mínimo.

O salário bruto, ou líquido, que as famílias receberam nos últimos tempos, em razão das políticas econômicas no período recente, sobretudo para as famílias de menor renda, parece ter transformado o salário em outro estado físico da matéria: gasoso.

O reajuste do salário mínimo e das aposentadorias somente pelo INPC, na prática, vêm se demonstrando insuficiente. Além da correção inflacionária, é necessário incluir variável que permita ganho real, preferencialmente, em política estabelecida constitucionalmente, para assegurar o restabelecimento do poder de compra das famílias.

O debate de uma política robusta de reajuste do salário mínimo precisa urgentemente voltar a pauta de discussão, sobretudo pela sua capacidade de ajudar no equacionamento do orçamento das famílias, impulsionar a economia e realizar distribuição de renda.

Grande abraço e até a próxima semana!

Este texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.

*Até outubro de 2022