'Mega prédios' em Fortaleza: cinco mitos e uma tendência

Como os lançamentos desse produto imobiliário não param, volto ao assunto a fim de evidenciar alguns mitos a esse respeito

Em tom de ironia, ano passado escrevi crítica à construção dos mega prédios no litoral de Fortaleza. Na oportunidade, insinuei que a única serventia para os arranha-céus era, talvez, atrair o Homem-Aranha para um balanço em Fortaleza, assim como ele faz nas megaconstruções de Nova Iorque. Pois bem, como os lançamentos desse produto imobiliário não param, volto ao assunto a fim de evidenciar alguns mitos a esse respeito.

Mito 1: tais construções tornam a cidade de Fortaleza mais moderna e alinhada aos exemplos de cidades globais.

Essa é das justificativas mais frágeis. Primeiro porque a cidade moderna é aquela capaz de resolver seus problemas sociais, manter viva sua história, associar-se à agenda ambiental e garantir qualidade de vida aos seus habitantes. Segundo porque a modernização é um conceito em processo de vulgarização e, por vezes, vem sendo utilizado para justificar a destruição dos marcos históricos das urbes, em benefícios de supostos ícones de vanguarda.

Mito 2: as novas construções residenciais vão ao encontro da cidade compacta e densamente ocupada.

Totalmente, falso. Não necessariamente construções verticais elevam a densidade demográfica de áreas urbanas. Apartamentos de centenas de metros quadrados são construídos para habitação de famílias de 4 pessoas (no máximo!), enquanto que zonas mais pobres e horizontais da cidade alcançam as maiores densidades demográficas da metrópole, superiores a 7mil habitantes/km².

Mito 3: graças à verticalização, aproveita-se cada vez mais das infraestruturas de uma dado bairro e evita-se o espraiamento da cidade.

Não há qualquer padrão de verticalização capaz de oferecer tais vantagens urbanísticas. Pense comigo, qual o percentual de famílias em Fortaleza capaz de adquirir um imóvel avaliado em, pelo menos, 5 ou 6 milhões de reais? A verticalização é válida quando se prevê uma multiplicidade de formas, modelos e preços sendo possível criar na área de heterogeneidade social. Os impactos desses prédios no tecido urbano não foram suficientemente estudados, não sendo claro se os cofres públicos no futuro serão chamados a corrigir problemas na infraestruturas do entorno.

Em resumo, nesse modelo de imobiliário restrito menos pessoas se valem de um espaço urbano deveras assistindo de amenidades naturais, infraestrutura e serviços públicos e privados.

Mito 4: as construções de tais prédios embelezam a paisagem, “cartão postal” da capital.

Não sei exatamente quem acredita nisso. Conversei com colegas da arquitetura e a maioria é categórica ao avaliar o quanto esses prédios são pasteurizados, homogêneos e pouco acrescentam em termos artísticos e estéticos ao patrimônio da cidade. Pelo contrário, seus volumes recobertos por vidro tornam-se monumentos ao mau gosto esnobe e extravagante, sem diálogo com as características históricas de Fortaleza.

Mito 5: com aplicação da outorga onerosa, há mais recursos públicos disponíveis para zonas menos afortunadas da cidade.

De fato, o instituto urbanístico da outorga onerosa é previsto na lei federal conhecida como Estatuto das Cidades e sua aplicação deve servir aos interesses coletivos, evitando que o mercado imobiliário se valha, sem contrapartidas, das áreas mais valorizadas e com maior rentabilidade econômica para novos projetos de reprodução vertical do solo urbano. Em Fortaleza sua regulamentação foi estabelecida em setembro de 2022, antes da atualização do Plano Diretor da cidade.

Em Fortaleza, esse instrumento tem sido banalizado e aplicado não como exceção, mas como regra. Assim, tem-se permitido verdadeira mutilação das normas de zoneamento e de uso e ocupação do solo. Por outro lado, parece-me que os recursos captados são muito incipientes frente aos valores totais de vendas dos prédios. Também não estão claros se, conforme o Estatuto das Cidades, os recursos advindos da outorga onerosa são aplicados nas prioridades impostas por lei. A título de curiosidade, gostaria de saber o quanto do arregrado foi aplicado em projetos de regularização fundiária ou mesmo Zonas de Interesse Social.

Lastimavelmente, outros institutos urbanísticos como as Zeis, o IPTU progressivo e as contribuições de melhoria não ganharam a mesma prioridade na regulamentação no executivo e no legislativo de Fortaleza.

O que não me parece mito é a força dos players do mercado imobiliário na produção da cidade. Mesmo para os pesquisadores envolvidos que discutem cotidianamente a cidade, é estarrecedora a percepção de como esses agentes econômicos impactam nos rumos das aglomerações urbanas, mais ainda em áreas economicamente valorizadas.

O plano diretor está em processo de revisão, veremos como esse tema será tratado na nova lei. Mesmo com todo o debate, atuação do Ministério Público e de entidades favoráveis à Reforma Urbana, tendo a acreditar que o novo modelo de verticalização avançará, para a felicidade de punhado de construtoras e de famílias afortunadas.