Estamos em pleno processo de transição das bases energéticas da economia mundial. Os relatos datados do final dos anos 1970 sobre as condições ambientais e os limites do crescimento econômicos, hoje, são mais incisivos, a julgar por todos os efeitos do aquecimento global e pela possibilidades de desajuste rápido, e já em curso, das condições climáticas, situação que tende a levar à catástrofes e à extinção da humanidade.
Diante de tal cenário, os governos, a indústria, as cidades e os cidadãos encontram-se diante de grandes desafios, principalmente para mudanças de paradigmas e com isso tornar a vida nas cidades menos impactante nos sistemas naturais-climáticos.
Nesse contexto, além das novas práticas de consumo, as transformações nos atuais padrões tecnológicos são a aposta das corporações e dos governos. No campo da geração energética, os avanços são notórios.
Mais companhias têm reorientado seus investimentos para a produção de energia por fontes renováveis. Os painéis solares, as turbinas eólicas e, lá na frente, a produção de hidrogênio verde, estão a produzir uma nova geopolítica das energias, com forte participação do Sul Global, onde estão os países mais pobres e os emergentes.
Se a produção de energia tende a ser menos dependente da queima de combustíveis fósseis, para a complementação dos circuitos de sustentabilidade, as cidades e seus componentes estão em processo conflitivo de adequação. Não há uma velocidade única, pois enquanto nações engatinham nos processos, outras já criaram legislações proibitivas.
Na União Europeia firmou-se acordo para até 2035 não mais circular em carros movidos a combustíveis causadores do aquecimento global, sendo grande aposta os carros elétricos. Na China, antes reconhecida unicamente pelas cidades hiper poluídas, as corporações do país investem bilhões de dólares na produção de automóveis eletrificados ou híbridos.
No Brasil, os automóveis elétricos ainda são artigos excepcionais no compito geral da frota. É certo que dificilmente, nas próximas décadas, nossas cidades mudarão de perfil no que se refere a mobilidade urbana. Ou seja, mesmo mais sustentável, o automóvel continuará como principal sujeito nas ruas e avenidas da cidade. Todavia, o processo não é simples e cheio de controvérsias. Para especialistas, nosso carro movido a biocombustível é muito mais sustentável do que os elétricos, pois não dependem das baterias de lítio e funcionam à base de biomassa.
Outro aspecto complicador diz respeito às medidas tomadas pelo governo federal a fim de aumentar as vendas da indústria automobilística a partir de carros populares não necessariamente dotados dos itens de fato sustentáveis. Em complementação, vale mencionar que os automóveis elétricos são bem mais caros do que os convencionais, fato que limita o consumo por camadas sociais de renda média.
No quesito eletrificação da frota e planos para isso, a nossa metrópole não é exceção ao caso das demais cidades brasileiras. Em 2016 até foi lançado um projeto de carros elétricos compartilhados, no entanto a ação não ganhou escala e tampouco se fez prática cotidiana dos fortalezenses. Atualmente, percebo que não é mais prioridade nas ações da municipalidade.
Com mais carros elétricos, o que mudaria? As ruas de Fortaleza seriam mais silenciosas e o ar da cidade menos poluído. Por desdobramento, os negócios e as habitações passariam por mutações, pois os postos de combustíveis caducariam e seriam necessárias diferentes estruturas de abastecimento elétrico dos veículos. Contudo, um grave problema não seria resolvido: as ruas continuariam congestionadas.
Para que pensemos o impacto estruturante da descarbonização na mobilidade urbana de Fortaleza (e de outras cidades), precisamos de forte investimento na eletrificação dos modais de transporte público. Precisamos avançar no sistema de trilhos, VLT e metrô, e integrá-los e assim constituir uma rede de transportes verdadeiramente eficiente para a metrópole. Essa rede de trilhos não abdica de conjuntos de ônibus mais modernos e, da mesma forma, eletrificados ou a utilizar biocombustíveis.
A mudança dos ônibus também seria uma ótima deixa para outras alterações no tecido urbano e na paisagem das cidades. Primeiro, a reforma do sistema poderia vir acompanhada da adaptação de nossas calçadas e dos pontos de parada, facilitando o embarque e desembarque dos passageiros. Ao melhorar as calçadas, também aumentaríamos os níveis de acessibilidade e caminhabilidade.
Segundo, a construção de bolsões de estacionamento em zonas próximas a eixos de transporte público seria possibilidade capaz de incentivar o uso do coletivo em detrimento do automóvel. A modernização da frota de caminhões, com limitação do grandes e prioridade aos pequenos, também contribuiria para alterações nos fluxos urbanos de pessoas e mercadorias. Os fabricantes de veículos de carga têm apostado em elétricos ou naqueles movidos a combustíveis renováveis.
Terceiro, a eletrificação deveria vir acompanhada da regulação dos modais individuais, como o uso da bicicleta ou outros equipamentos elétricos. Nesse caso, cabe um cuidado redobrado. Cidades como Paris vivem grande problema pelo uso de patinetes elétricos. Lá instalou-se verdadeiro caos provocado pelo estacionamento irregular desses equipamentos e pelos inúmeros acidentes, tombos e atropelamentos.
Longe do reino das possibilidades, as grandes cidades brasileiras, dentre elas Fortaleza, andam longe de estar preparada para essas transformações. Além das dificuldades tecnológicas e culturais, é importante arquitetar a origem do financiamento para todo esse processo, pois são necessários grande volume de recursos públicos e privados para promover adequações como as mencionadas (basta lembrar o caso do saneamento básico!).
Na nossa cidade somos atropelados pela velocidade dos processos, assim, chegaremos em um dado momento cuja eletrificação/descarbonização não será uma alternativa, mas uma obrigação. Dada essa ocasião, sem recursos e sem um plano com metas a médio e a longo prazo, Fortaleza se manterá como metrópole da modernização incompleta marcada pelas atuais e futuras deficiências na mobilidade, em geral, e, em específico, no sistema de transporte coletivo.