Cuidem dos rios urbanos!

Semelhante ao padrão brasileiro, o “urbanismo” da nossa cidade teimou em eleger os rios, os riachos e as lagoas como adversários ao progresso

Rios e cidades, cidades e rios; é difícil separar esse par e, mais ainda, listar seus papéis e hierarquizar suas contribuições à história e à civilização. Há cinco mil anos o berço da urbanização mundial foi construído nas terras entre rios no Oriente Médio. Passados os milênios, muitas outras "mesopotâmias" surgiram e a relação rio e cidades ficou mais íntima, porém não menos conflituosa.

Na verdade, é bem fácil identificar as cidades ou rios ao lembrar das tessituras e imaginários e simbolismo. A maioria lembrará Lisboa, o Tejo e a poesia de Fernando Pessoa. Os românticos rapidamente mencionarão Paris e o Sena. Os economistas apontarão as cidades industriais alemãs e o vale do Ruhr. Os amantes da história ficarão atentos ao caso do imenso Nilo, suas cidades e ruínas. Os místicos abrirão a lista com o Ganges e toda a espiritualidade das populações hindus.

E o que acontece na maior bacia hidrográfica do mundo, a nossa Amazônia? A vida urbana é deveras condicionada pelo regime dos rios, por seus meandros e suas dimensões. Manaus e Belém são grandes metrópoles brasileiras e maiores estandartes de uma hierarquia urbana fluvial. A elas estão associadas muitas outras médias e pequenas cidades, da mesma forma ou até mais, condicionadas pelos cursos d’água. É o universo amplo e multiforme das cidades ribeirinhas.

Legenda: Rio Nilo
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Legenda: Rio Ganges
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Legenda: Rio Sena
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Legenda: Rio Tâmisa
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Legenda: Rio Ruhr
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Legenda: Rio Tejo
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Legenda: Rio Eufrates
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Legenda: Rio Amazonas
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Legenda: Rio Tietê
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Legenda: Rio Pinheiros
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Legenda: Riacho Pajeú
Foto: Helene Santos
Legenda: Rio Cocó
Foto: José Leomar
Legenda: Rio Cocó
Foto: José Leomar
Legenda: Rio Maranguapinho
Foto: José Leomar

Maltratados em nome do progresso

Nessa estreita relação, há da mesma forma o que lamentar. No período da primeira Revolução Industrial, fundamentado no avassalador processo de mineração e na mecanização, os rios foram maltratados, devastados; quase mortos. Tornaram-se rios tristes para que a civilização industrial florescesse. As populações urbanas os transformaram em latrinas correntes. Encarado enquanto condição insustentável, a situação fluvial precária, em alguns países e cidades, foi gradualmente revertida. Está aí o caso do Tâmisa em Londres para nos lembrar de como é possível reverter tal degradação.

Lamentavelmente, no Brasil nossos rios urbanos continuam tristes. Quem nunca ouviu falar das espumas contaminantes a flutuar sobre as águas do tão modificado rio Tietê, em São Paulo? e o terrível odor exalado pelos dejetos misturados às águas do Pinheiros? Sim, a capital econômica do Brasil é exemplo de transformação urbana baseada na canalização, nos aterros e na retilinização dos rios. Um verdadeiro atentado à natureza face aos objetivos da modernização econômica. 

O que falar da relação de Fortaleza com os rios?

E de Fortaleza, o que temos a falar? Semelhante ao padrão brasileiro, o “urbanismo” da nossa cidade teimou em eleger os rios, os riachos e as lagoas como adversários ao progresso. A história da cidade é marcada assim pelo aterro constante, ocupação das margens, supressão e a canalização de tudo que é corpo hídrico superficial.

Além de ambientalmente incorreto (lembre-se das inundações), isso tudo enfeia nossa Capital. Pra mim, não há coisa mais desastrosa na paisagem urbana do que nossos canais artificiais, riachos cercados por paredes de concreto. 

O riacho Pajeú, marca natural e condicionante importante da ocupação da vila de Fortaleza, foi praticamente escondido entre ruas e galerias. Muito raramente, ele aparece na paisagem como algo a lembrar o que fora há séculos. Só é lembrado popularmente durante o período chuvoso e mais ainda pelas imagens da avenida Heráclito Graça, seu antigo curso, tomadas pelas águas pluviais. 

O Rio Ceará e, principalmente, o Maranguapinho, seu principal tributário, são os casos mais emblemáticos. Suas margens, transformadas pela desigualdade urbana, apresentam-se como áreas de risco e de habitação precária. Os projetos de alocação de infraestrutura são infindáveis e, da mesma forma, ineficientes na preservação do pouco de natureza que resta.

Por fim, resta falar do Cocó. É, sem equívoco, o mais lembrado por conta do Parque Urbano homônimo. Inclusive, a delimitação clara do Parque é fato a comemorar e tende a resguardar o grande patrimônio ecológico que nos resta. Ressalte-se, porém, que o Cocó não começa exatamente no trecho mais protegido.  No seu médio curso, persistem males tão comuns e predatórios como os detalhados no caso do Maranguapinho.

Para concluir, lembro que na semana passada usei este espaço para tratar das mudanças climáticas e dos possíveis efeitos no meio urbano. Nesta semana, descortino uma das prioridades para uma agenda de mudanças. Aí está o primeiro desafio! Vamos começar a cuidar muito mais dos nossos rios. Eles são como veias a encher de vida e verde o tecido urbano. Sem eles, a vida na cidade é insuportavelmente cinzenta.

*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.