Filmes, fotografias e textos nos apresentam paisagens incompletas e, por isso, carecem de vivências sensíveis cuja presença nos lugares nos consentem. Dada a premissa anterior, as pesquisas em campo, como tecnicamente as chamamos, correspondem à insubstituível possibilidade de imergir na realidade das cidades.
Para um geógrafo urbano, circular pelas ruas, percorrer os bairros, visitar os espaços públicos e conversar com as pessoas são práticas imprescindíveis. Essas técnicas nos permitem apreender o significado das distâncias desenhadas nos mapas, dos volumes captados nas fotografias e da intensidade dos movimentos roteirizados nos filmes e documentários.
No momento que escrevo este texto, encontro-me em viagem no/pelo litoral da região metropolitana de Salvador para o desenvolvimento de pesquisa. Atividades como essa são comuns aos estudiosos interessados em compreender as razões de uma cidade, ou seja, decifrar as circunstâncias históricas, econômicas, sociais e ambientais que explicam as formas e as funções de um espaço urbano.
Diferentemente de viagens com fins unicamente turísticos ou de lazer, os trabalhos de campo requerem distintas prioridades durante a estadia. O circular nas principais avenidas, nas zonas centrais ou periféricas serve, acima de tudo, para identificar os fluxos e o cotidiano, as concentrações da riqueza e da pobreza.
Ao lembrar do caso de Salvador, por exemplo, não há como desprezar o seu sítio urbano inscrito numa baía e seu relevo marcado por colinas ocupadas, em muitos casos, por assentamentos precários. Da mesma forma, é impossível não distinguir as áreas de ocupação de patrimônio histórico colonial ou os modernos eixos de expansão imobiliário e econômico cravados ao longo da Avenida Paralela.
E não só do que os olhos captam vive a pesquisa em campo. Para entender os processos metropolitanos, buscamos os “experts” locais. Abrimos o ouvido e aguçamos a audição. Entrevistamos técnicos e cientistas e, durante horas e horas, apreendemos informações e impressões de profissionais envolvidos no planejamento e regulação dos espaços nas áreas adjacentes à capital baiana.
Com isso, saímos da capital soteropolitana e nos dirigimos às cidades de Camaçari e Mata de São João, ambas atravessadas pela Estrada do Coco (BA-099), divisor de águas para a expansão da região metropolitana.
De Camaçari, talvez o leitor tenha ouvido falar do importante Polo Petroquímico ou, então, da fábrica de automóveis Ford, fechada recentemente. Porém, dificilmente saberá das características do seu litoral, resguardado por restrições ambientais, mas intensamente ocupado por condomínios residenciais horizontais que servem ao lazer de um população sazonal de origem local, nacional e internacional.
E Mata de São João!? Existe? Sim! O nome da cidade é pouco conhecido, no entanto, muito provavelmente o leitor já pensou em gozar férias na Praia do Forte ou na Costa do Sauípe. Pois bem! Esse município é um dos principais destinos turísticos do nordeste do Brasil visitados por brasileiros e estrangeiros.
A primeira vista parecem paraísos, sem nenhum problema, todavia as pesquisas em campo nos fizeram descobrir inúmeros problemas sociais e ambientais, como impedimentos ao livre acesso às zonas de praia e ocupações intensivas (hotéis e condomínios) em áreas naturais frágeis.
Estou fechando o texto, contudo a viagem de pesquisa ainda não acabou. Tenho outros três dias para corroborar o que li nos textos ou o que ouvi dos experts. Há muito a descobrir. Assim funciona a prática científica fora dos escritórios. Ela se aprimora no processo e transforma a viagem pelas cidades em instrumento de produção do conhecimento.
Em breve compartilho os resultados finais. Não se preocupem, dividirei com todos vocês. Agora, me deem licença que preciso continuar o mergulho nessas realidades.