Agricultura urbana e o desafio de alimentar as populações metropolitanas

A produção de alimentos é tema caríssimo ao planejamento do país, conforme nos alertava Josué de Castro desde os anos 1940. Daquele momento para cá, a novidade do contexto brasileiro é a necessidade de alimentação de uma população vulnerável, cada vez mais urbana e que habita em metrópoles ou aglomerações de médio porte.

Como parte da solução desses problemas socioeconômicos, mudanças de paradigmas são estratégicas para as pessoas e para o meio ambiente urbano. Para este último caso, a cidade, além de espaço consumidor ou absorvente da produção, é capaz de gerar quantidade expressiva de alimentos baratos e saudáveis.

A Organização das Nações Unidas ratificou essa percepção e elencou, entre os objetivos do milênio, a construção de cidades e comunidades sustentáveis e, ao mesmo tempo, capazes de erradicar a pobreza.

Mundialmente, pesquisas demonstram a existência crescente de práticas, ações e modelos de produção alimentar no centro e nas franjas metropolitanas. Em Fortaleza, por exemplo, bairros como Barra do Ceará, Lagoa Redonda, Sabiaguaba, Parque Dois Irmãos e José Walter são produtores de alimentos em quintais e sítios, baseados na organização familiar.

Para entender melhor essas possibilidades, compartilho com os leitores entrevista que realizei com a professora Iara Gomes, coordenadora do Núcleo de Pesquisa e Extensão em Geografia da Alimentação (NUPEGA), do departamento de Geografia da Universidade Federal do Ceará.

Qual é o objetivo central do NUPEGA?

Iara Gomes: Nossas atividades têm foco na temática da alimentação por compreender sua importância e indispensabilidade para sociedade. Há diferentes temas relacionados à questão alimentar, como agronegócio, segurança/soberania alimentar, formas de produção de alimentos e a questão da fome, que é um assunto que tem voltado a ocupar espaço de prioridade na lista de preocupações das sociedades do mundo todo, inclusive no Brasil.

Sabedores da elevação dos indicadores de pobreza e insegurança alimentar, que projeto ou ações de agricultura urbana contribuíram para solucionar essas calamidades?

I.G: Primeiro considero fundamental, perceber a viabilidade econômico-financeira da agricultura sustentável nas regiões metropolitanas, depois é muito importante termos conhecimento das variáveis as quais ela depende para comercialização em cadeias mais curtas, investir nessas cadeias é valioso, ampliar a capacidade de financiamento os agricultores urbanos, e ao mesmo tempo do acesso à terra, para os agricultores urbanos, para ampliar o papel da agricultura no sistema alimentar metropolitano, contribuir com a conservação e preservação do seu meio ambiente e, sobretudo, alimentar um número cada vez maior de pessoas.

Na sua avaliação e nas suas pesquisas, já há avaliação acerca das ações das municipalidades na produção de ambiente favorável ao fortalecimento da agricultura urbana?

I.G: Sim, no Brasil, temos municípios com um avanço, um bom exemplo é Belo Horizonte, que tem uma longa trajetória de trabalhos em torno da agricultura urbana. Ainda na década de 1990, implantou-se quatro Centros de Vivência Agroecológico (CEVAE) equipamentos públicos sobre a gestão da Secretaria Municipal de Meio Ambiente. A Secretaria Municipal de Políticas Urbanas (SMURBE) e a ONG Rede de Intercâmbio de Tecnologias Alternativas (REDE), no período de 2005 a 2008, assumiram o Programa Cidades Cultivado para o Futuro (CCF).

Aqui no Nordeste, algumas metrópoles tem encaminhando suas políticas, em Fortaleza, a Secretaria de Desenvolvimento Econômico de Fortaleza, possui a Comissão em Agricultura Urbana; em Recife, a Secretaria Executiva de Agricultura Urbana; em Salvador, as Secretarias de Sustentabilidade e Resiliência (SECIS); Saúde (SMS) e Promoção Social (SEMPRE). Destaques para Recife e seu Plano de Agroecologia Urbana em elaboração e Natal com aprovou recentemente da Lei n.º 7.018, de 16 de março de 2020, que institui a Política de Apoio à Agricultura Urbana e Periurbana do Município do Natal, integrada à política urbana e de segurança alimentar e nutricional da população.

Ainda de acordo com a pesquisadora, resultados de estudos recentes apontam que Fortaleza vai na contramão do desejado. Entre os anos de 2009 e 2019, mapeamentos demonstram que em Fortaleza a área destinada à produção diminuiu cerca de 50%. A professora Iara Gomes avalia: “Este resultado revelou uma situação bastante preocupante relativa à perda dos espaços produtivos de Fortaleza, evidenciando, mais uma vez, a situação de vulnerabilidade na qual estes espaços se encontram, ainda subjugados pela força da lógica hegemônica de produção do urbano”.

Na revisão do Plano Diretor de Fortaleza, esperamos atenção e prioridade a esse tema. Se há intenção de modernizar a cidade para as próximas décadas, o caminho não seria a redução das áreas verdes ou aquelas destinadas ao plantio. Apoiado nos bons exemplos citados, o incentivo à agricultura urbana representaria mais emprego, maior oferta de alimentos frescos e elevação da qualidade de vida dos citadinos.

*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.