Vida

Num domingo, Dam Square, principal praça de Amsterdã, sorria. Holandeses e turistas celebravam a vida. Todos a alguns metros abaixo do nível do mar, e muito acima do pesar. Lá estávamos Jaque, minha esposa, e eu, com a missão de levar a filha Hildete a estudos em Roterdã. E recebi a triste notícia: a quarta mulher a integrar a Academia Cearense de Letras, docente da UFC Noemi Elisa Soriano Aderaldo, havia partido para sempre. Era imortal, porém não imorrível. É a vida! Além de notória crítica literária, Noemi era diretora de publicações e presidente da Comissão de Redação da Revista da ACL desde 1995. É a vida! Uns a alegrar-se por iniciar um curso no exterior, como minha filha, outros a chorar pela ausência de Noemi Elisa. É a vida. Lágrimas derramadas por saudades perpétuas. Sorrisos a comemorar nascimentos. 

Com alegria e tristeza a entrelaçarem-se, lembrei-me da resposta do grande filósofo Raimundo de Farias Brito ao pensador Jackson de Figueiredo, quando este o indagou sobre o momento mais feliz de sua vida. Farias Brito respondeu com estas palavras, entre outras.
“[...] os nossos momentos de felicidade, os meus, pelo menos, são em geral tão incertos, tão passageiros e instáveis, que apenas passam, são logo esquecidos [...] passam quase sem deixar lembrança. São como leves murmúrios numa sinfonia em que predominam as notas fortes e ásperas. E o prazer e a dor em geral se misturam nas nossas sensações [...] ‘como a água e o álcool no vinho que bebemos’. [...] Tenho, não obstante, nos momentos difíceis, uma resistência extraordinária. Neste ponto sinto que não sou comum. Parece-me até que a coragem cresce em mim quando as dificuldades aumentam. E quando o perigo chega ao último limite, já não me abala. Torno-me assim insensível a toda a desgraça, revelando-se-me, em certas ocasiões, no fundo do ser, energias que me surpreendem.” 

Marcelo Gleiser, ao citar Pasteur, nos diz que “não existe uma força vital misteriosamente no ar. A vida vem da vida”. Neste mistério, que é a nossa existência, continuaremos, talvez para sempre, sem saber com certeza de onde viemos e para onde iremos. Sigamos, pois, o exemplo dos notáveis e deixemos um legado, como o fez Noemi Elisa.

Tales de Sá Cavalcante é educador