Taxa do Lixo e Lei de Responsabilidade Fiscal

A Lei Ordinária Federal nº 14.026, de 15.07.2020, instituiu o novo Marco Legal do Saneamento Básico

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Nos termos do art. 145, II, da Constituição Federal, União, Estados, Distrito Federal e Municípios podem instituir taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis prestados ao contribuinte ou postos à sua disposição. 

A Lei Ordinária Federal nº 14.026, de 15.07.2020, instituiu o novo Marco Legal do Saneamento Básico. Referida Norma respalda os municípios a criarem taxas de serviços de gestão de resíduos sólidos do lixo produzidos pelos contribuintes.

O art. 35 da referida Lei prevê a cobrança da taxa de coleta de lixo domiciliar, bem como estabelece que a não proposição do instrumento de cobrança configura renúncia de receita, de modo a exigir comprovação de atendimento pelo titular do serviço, do disposto no art. 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), sujeitando-lhe as penalidades constantes na referida norma, que poderá incorrer em crime de responsabilidade.

Oportuno também lembrar que a norma retrocitada abre a possibilidade aos municípios de não tributarem os contribuintes, desde que se demonstre a sustentabilidade econômico-financeira e a existência de recursos suficientes para arcar com custos dos serviços de coleta, tratamento e adequada destinação dos resíduos sólidos, situações essa que deverão ser confrontadas com estudo elaborado pela Confederação Nacional dos Municípios (CNM) em 2023, ao alertar que metade dos municípios brasileiros apresentavam déficit financeiro.

Alertamos que a justificativa de alguns gestores, em caso da não implementação da referida norma de cobrança, é que eles seriam punidos com o não recebimento de transferências voluntárias. Tal afirmativa não procede, em face do que prevê o artigo 11, parágrafo Único da Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar n◦ 101/2000), que somente estabelece a cessação das transferências voluntárias Constitucionais nos casos da não instituição e cobrança da espécie tributária ‘imposto’, não se tratando, portanto, do presente caso (taxa).

Sequencialmente à Lei Ordinária Federal, os estados editaram normas infralegais. É o caso do Estado do Ceará, através do Decreto nº 35.051, de 15.12.2022, assinado pela então governadora Izolda Cela, que tão somente alterou a metodologia de cálculo do índice municipal de qualidade do meio ambiente aos municípios, índice utilizado para cálculo do repasse do ICMS, assim como índice da educação e valor adicionado das empresas. É silente referido decreto em referência à obrigatoriedade de criação/cobrança da taxa do lixo, em face de já ter sido previsto na Lei Ordinária Federal, até porque decreto não pode criar tributo, em face do que estabelece o princípio da legalidade (art.150, I, da Constituição Federal).

Voltando-nos à Lei de Responsabilidade Fiscal. Em seu art. 14, incisos I e I I, ela obriga união, estados e municípios, em caso de renúncia de receita, a demonstrarem alternativamente que a mesma foi considerada na estimativa de receita da lei orçamentaria, e que não afetará as metas de resultados fiscais previstas na Lei de Diretrizes Orçamentarias. Do contrário, deverão ser previstas e adotadas medidas de compensação no exercício em que deva iniciar a vigência da renúncia e nos dois seguintes, por meio de aumento de receita.

Assim sendo, nos municípios em que a taxa do lixo já foi instituída, os novos gestores eleitos ou reconduzidos para 2025 somente poderão extingui-la – mediante lei – em 2026, pois, caso não tenham demonstrado e previsto o impacto dessa renúncia nas metas fiscais para 2025 (o que dificilmente os atuais gestores fizeram), a extinção somente poderá ocorrer com a vigência das medidas de compensação, conforme prevê o parágrafo segundo do artigo 14 da LRF. Da mesma forma, por acarretar provavelmente o aumento de carga tributária (para compensar a perda de receita decorrente da taxa extinta), deverão ser obedecidos os princípios da anterioridade do exercício e anterioridade “nonagesimal”, previstos no art. 150, III, “b” e “c” da Carta Maior.

Por fim, não menos importante de mencionar, é que a referida taxa já foi considerada constitucional pelo STF – Súmula Vinculante 19: A taxa cobrada exclusivamente em razão dos serviços públicos de coleta, remoção e tratamento ou destinação de lixo ou resíduos provenientes de imóveis não viola o artigo 145, II, da Constituição Federal. 

A mesma sorte não teve a taxa de limpeza urbana, cuja a inconstitucionalidade já foi reconhecida pela Corte Suprema.

Resumidamente, concluímos com as seguintes afirmações:
a) A possibilidade da cobrança da taxa lixo está respaldada pela Constituição Federal, por edição de Lei Ordinária Federal e decisão já sumulada pelo STF;
b) Os municípios somente poderão extinguir a taxa do lixo se demostrarem que a renúncia foi considerada na estimativa de receita da Lei Orçamentaria, na forma do art.12 da LRF, e que não afetará as metas de resultados fiscais previstas no anexo próprio da Lei de Diretrizes Orçamentárias, ou, alternativamente, através de medidas compensatórias, obedecendo, de todo modo, ao disposto no art. 14 da LRF, assim como o art. 150, I, III, “a”, “b” e “c” da Constituição Federal; neste caso, a norma que irá extinguir a cobrança não poderá irradiar efeitos jurídicos de imediato, somente com vigência no exercício seguinte;
c) Municípios que apresentarem ineficiência na coleta de lixo, e que não tiverem implementadas as condições previstas no item “b” acima, seus respectivos prefeitos poderão ser interpelados para apresentarem justificativas perante o Ministério Público.