Embora a herança africana esteja firmemente enraizada no “quilombo” cultural do Brasil, manifestando-se nos batuques, nos gingados, nos dendês da culinária, no axé das religiões e nas caçambas da linguagem, os debates sobre sua valorização muitas vezes permanecem apenas na muvuca das discussões e nas dissimulações, ou seja, é muito furdunço e lenga-lenga, mas pouca reparação histórica. Dito isso, o tema da redação do Enem 2024, “Desafios para a valorização da herança africana no Brasil”, à primeira vista, parece um golpe de banda no djambê, ou apenas um convite para rompermos o silêncio sobre o assunto. No entanto, esta proposta destaca, acima de tudo, a necessidade urgente de interrompermos os mecanismos de exclusão e apagamento cultural que tentam constantemente retirar todos os balangandãs da nossa ancestralidade africana.
Segundo o Portal Intercept Brasil, “para a esmagadora maioria dos 54% de brasileiros negros, a origem africana é ainda um mistério.” Frank B. Wilderson é uma referência no campo do afropessimismo, e ele argumenta que o apagamento cultural africano ocorre porque o próprio sistema social ocidental é estruturado de forma a não lidar de modo correto com essa questão. Um exemplo disso encontramos no sincretismo religioso brasileiro. Sinceramente, você acredita que essa “colcha de retalhos” promoveu realmente a coexistência entre as tradições religiosas africanas e europeias?
Durante o período da escravidão, muitos africanos foram obrigados a se batizar, uma verdadeira bruaca de maracutaias que não igualou direitos e tratamentos, mas promoveu dessocialização. Na literatura, nota-se, em alguns exemplos, uma preferência por representações idealizadas de “lactescência”; na música, o samba, por exemplo, enfrentou perseguição e marginalização desde o seu surgimento. Finalmente, na política segundo o jornal O Globo, a Lei 10.639, sancionada há 21 anos para tornar obrigatório o ensino da história afro-brasileira nas escolas, ainda apresenta aplicação insuficiente. Assim, promover a valorização da herança africana no Brasil passa, antes de tudo, pelo fim das moldagens, do silenciamento e da negligência.