Pode não ser tão comum nas regiões mais centrais de Fortaleza, mas na periferia não é difícil ouvir quem passe na rua oferecendo algum produto. E a oferta vem geralmente acompanhada de uma musicalidade ou de um gracejo, na tentativa de conquistar o cliente e garantir mais um dia de boas vendas.
O ofício, que ajuda a garantir o sustento da família - ou muitas vezes é a única garantia que há, é mais conhecido como venda de porta em porta ou venda direta.
Quem mora, por exemplo, nas proximidades da primeira etapa do Conjunto Prefeito José Walter, em Fortaleza, pode desfrutar do cheiro-verde e outras hortaliças na porta de casa vendidos pelas mãos da Maria do Socorro Ferreira. Há 10 anos, de terça a sexta, ela percorre as ruas do bairro e também no Mondubim oferecendo os produtos que ela busca em uma horta de Fortaleza.
De lá para cá, muitas amizades foram construídas e se mantiveram. “Criatura, aqui eu sou querida por todo mundo! Quando eu não venho trabalhar, todo mundo fica preocupado comigo, todo mundo me quer bem. Me chamam para tomar café, eu entro nas casas. A amizade é muito grande. Lá no Mondubim é a mesma coisa”, conta.
Com o dinheiro das vendas das hortaliças de porta em porta, ela sustenta a casa na qual mora. “Graças a Deus, dá para comprar o que comer dentro de casa, dá para pagar o que eu devo… ainda dá para eu viajar e ver minha filha, que mora em Cascavel. Faço muitas coisas com a minha venda”, diz, com orgulho.
O que mudou, e para melhor, garante Maria do Socorro, é que, com o avanço tecnológico acelerado pelo isolamento social nos últimos dois anos, além do dinheiro, os seus clientes podem usar o Pix - sistema de pagamento instantâneo do Banco Central. É só perguntar e em poucos segundos ela está com papel e caneta na mão para anotar a chave para transferência do valor.
Talento para vender
A venda direta de produtos também foi o que garantiu e garante o sustento da família de Sayonara Queiroz. Ela trabalha há 24 anos no ramo, sendo 14 na Avon. “Já ganhei quatro carros”, diz.
Hoje, ela possui quatro lojas de revenda dos cosméticos das empresas com as quais trabalha, mas nem sempre foi assim. Ela lembra que, antes da venda direta, era dona de um açougue. “Quando os clientes chegavam no açougue, eu ia mostrando a revista. Aí eu ia alternando o açougue com a venda direta e chegou uma hora que acabei com o açougue e fiquei só com a venda direta”.
No começo, antes das lojas, eu ia vender em colégio, em empresa, dentro de casa fazendo reunião de demonstração de produtos, de porta em porta com caixas, bolsas cheias de produtos”
Para ela, o sucesso com a venda direta está ligado à estratégia: Sayonara sempre observava os produtos que cada cliente mais gostava e comprava antes que eles pedissem. Quando ia visitar, já levava o que a pessoa precisava. “E todo dinheiro que eu ganhava, eu reinvestia, aproveitava as promoções e fazia o meu estoque”.
Para ela, o WhatsApp e as outras redes sociais se tornaram ferramentas cruciais nas vendas. “As vendas pelo Instagram e WhatsApp cresceram muito, as redes sociais ganharam muita visibilidade. E o Pix, então, nem se fala, facilitou muito para nós”.
Complemento na renda
Além do talento para as vendas, a revendedora Maria Paiva tem em comum com Sayonara a opinião de que as redes sociais e o sistema de pagamento instantâneo facilitaram muito o trabalho com a venda direta.
A venda direta de cosméticos e utensílios para a casa é um complemento para a renda da família de Maria. Ela conta que o Pix é “uma bênção na vida de todo mundo”. “Você vende rapidinho. Não precisa ir à casa da pessoa cobrar”, diz.
Além do pagamento à distância via Pix, Maria Paiva também apresenta todos os seus produtos aos clientes sem precisar sair de casa. “Eu mando o catálogo para um, mando para outro no WhatsApp. Hoje é difícil eu deixar revista com alguém. Facilita demais”, diz.
Antes da pandemia, era comum Maria deixar os catálogos de produtos no salão para que as clientes folheassem entre um procedimento e outro. E assim elas acabavam comprando. Agora, ela pontua que as vendas já não dependem mais da movimentação do salão.
Isso porque, apesar de já ser possível fazer as divulgações pelo WhatsApp antes da pandemia, foi com o isolamento que as vendas pelo aplicativo de mensagens se tornou habitual. “Eu acho que está mais fácil porque se eu não tiver cliente no salão, mesmo assim não deixo de vender. Mando para a pessoa e ela compra, fica fácil para ela e para mim”, diz Maria.
“Tudo que eu vendo para complementar uma conta, comprar alguma coisa pras minhas filhas, é válido. O que não vale é ficar de pernas para o ar. Isso (as vendas) é algo que preenche… e eu amo vender!”, arremata Maria Paiva.
Indústria bilionária
Maria do Socorro, Sayonara e Maria Paiva fazem parte de uma categoria de profissionais que movimentou, em 2020, cerca de R$ 50 bilhões, de acordo com os números mais recentes da Associação Brasileira de Venda Direta (ABVED). As mulheres são maioria nessa categoria (57,8%, enquanto os homens correspondem a 42,2%).
De acordo com o professor e consultor Christian Avesque, a venda direta foi potencializada durante a pandemia graças à evolução do que ele chama de “jornada do consumidor digital”.
Nessa jornada, ele explica que os clientes estão cada vez mais ávidos por conveniência. “Ele não quer perder o tempo dele, não quer preocupação ou insegurança. Esse consumidor quer tudo próximo, a um toque ou a uma mensagem de WhatsApp de distância”.
“O consumidor está cada vez mais alfabetizado nas plataformas digitais, como Instagram, WhatsApp, Facebook, buscadores de preços e tem acesso mais facilmente a meios de pagamento remoto, está mais bancarizado, então ele tem condições de fazer a compra no universo digital ou junto aos vendedores autônomos com suas maquininhas, também via Pix”, detalha Avesque.
Indústria da venda direta
Na avaliação do professor, a venda direta deve crescer pelo menos dois dígitos a cada ano. “As empresas que trabalham nesse segmento investiram fortemente em plataformas digitais, em estratégia de SEO, de clusterização de clientes, tráfego pago, para que pudessem chegar diretamente a esses consumidores”, diz.
Veja cinco tendências para a indústria da venda direta
- Empresas do setor apostando em mini Centros de Distribuição nas capitais;
- Investimento em cartões próprios e sistemas de pagamento próprios (private label);
- Recompensas para os consumidores que aderirem a esses cartões próprios;
- Venda de serviços agregados a esses produtos vendidos
- Ofertas personalizadas a partir dos dados do consumidor;
- Clube de benefícios.
Fonte: Christian Avesque
“Elas também investiram fortemente em rede de logística para recebimento e separação de produtos para uma entrega mais rápida. Essas empresas de venda direta também têm uma pegada muito forte de promoções de vendas. Todo mês tem sorteio, combo, kit, oferta… são vários gatilhos que fazem o consumidor adquirir”.