Urânio no CE: projeto Santa Quitéria é retomado com US$ 400 mi de investimento e deve atender agro

Indústrias Nucleares do Brasil e a Galvani retomaram parceria para exploração de mina em Santa Quitéria. Apoio do governo cearense deve ser oficializado hoje

O projeto de exploração de urânio no Ceará deve ganhar um novo impulso nos próximos meses, quando o consórcio Santa Quitéria, formado pelas Indústrias Nucleares do Brasil (INB) e a indústria de fertilizantes Galvani, deve enviar o primeiro grupo de biólogos e zootecnistas para iniciar novos estudos na mina de Itataia.

O projeto foi remodelado e visa explorar a maior reserva de urânio associado ao fosfato do planeta, com previsão de investimentos de US$ 400 milhões, tornando o Brasil autossuficiente no concentrado de urânio (ou yellow cake) – insumo base para geração de energia nuclear – e elevando o País à categoria de exportador do produto.

Na fase de estudos ambientais, o projeto promete ser mais “amigável” e prevê operação plena dentro de seis anos. Com o início dos estudos ambientais no último trimestre de 2020, o próximo ano tem como meta a conclusão de todo o projeto base e a estrutura financeira e societária, na qual a Galvani pretende captar stakeholders – mas mantendo o controle societário do consórcio. 

Entre 2022 e 2023, a previsão é de que as duas plantas de operação estejam em construção, quando atingir o pico de 1,5 mil operários no canteiro. Se não houver atrasos, em 2024, a exploração deverá ser iniciada. Atingindo a plenitude dois anos depois. Ao todo, a perspectiva é de 2,5 mil empregos gerados na fase de operação, dos quais 500 serão diretos.

“Santa Quitéria mais Caetité (mina da Bahia já em operação) insere o Brasil entre os grandes produtores mundiais. E a meta é de ser exportador com urânio enriquecido”, projeta o presidente do Indústrias Nucleares do Brasil (INB), o cearense Carlos Freire Moreira. 

No entanto, o caminho até lá ainda é longo e começa pelo reinício do projeto Santa Quitéria, cujo potencial somado à mina de Caetité deve atender a demanda das usinas de Angra 1, 2 e 3, e mais um complexo dessa mesma amplitude, segundo ele. 

Ciente deste potencial, o governo cearense deve assinar um acordo de apoio com a Galvani e a INB ainda nesta segunda-feira (28). Os termos, segundo a assessoria de imprensa da empresa, devem ser anunciados pelo próprio governador Camilo Santana. A expectativa é de que o Estado apoie o projeto, considerado um dos mais robustos planejados para o Ceará desde a instalação da Companhia Siderúrgica do Pecém

Cadeia produtiva

A exploração do urânio e fosfato em Itataia demanda duas plantas industriais, segundo explica o presidente da Galvani, Ricardo Neves de Oliveira. A primeira para dissociação dos minerais e preparação do fosfato, e a segunda para a produção de yellow cake, ambas construídas nos arredores da mina, em território cearense.

Os processos resultarão em cerca de 50 mil carretas saindo e entrando de Santa Quitéria na operação, que devem aquecer a região de diversas maneiras e, sobretudo, fortalecer modais importantes do Estado. Além das rodovias, os portos do Pecém e do Mucuripe devem ser utilizados.

No Pecém, a meta da INB é que o concentrado de urânio embarque em contêineres e navios específicos para o exterior, onde será enriquecido, e volta direto para o Rio de Janeiro, onde é usado como combustível nas usinas nucleares.

“O Pecém já dispõe de uma área que se adequa perfeitamente para esses contêineres especiais. O embarque desse material é feito de forma expressa, direto da carreta para os navios. Isso acontece no Rio de Janeiro, em Salvador e já existe um protocolo bem definido em relação a isso”, destaca o presidente da INB, acrescentando que o porto cearense ainda é mais adequado ao envio para o exterior.

Já o Mucuripe será porta de entrada de insumos e de saída dos derivados do fosfato. O mineral tem tanta importância quanto o urânio no Projeto Santa Quitéria e é o foco dos trabalhos da Galvani, que mira um setor em plena expansão no Brasil: o agronegócio.

Agro beneficiado

Líder no mercado de fertilizante fosfatado na região do Matopiba (área de cultivo de grãos formada pelas divisas entre Maranhão, Piauí, Tocantins e Bahia), a Galvani concentra os interesses dela em Santa Quitéria neste setor. “Nós vamos produzir da ordem de 500 mil toneladas – 50% do fosfatado de toda a região Nordeste – e vamos ser um player bastante forte”, ressalta o presidente da empresa.

A meta é atender os mercados do Nordeste e do Norte, além de atender outra demanda do agro: a produção de rações animais a base de fosfatado bicálcico. Neste segmento, a expectativa é de 250 mil toneladas. “E quando estivermos entre 2024 e 2025, vamos ser 20% do mercado brasileiro em relação à ração animal”, destaca Oliveira.

A proximidade com as salinas do Rio Grande do Norte também é mencionada pelo executivo como vantagem para que o Ceará se torne um centro de produção de ração animal no Nordeste, vide que o sal é o outro principal componente dos produtos.

“A região Norte vai ser bastante beneficiada, com nossa entrada pelo Matopiba, e calha norte. E ainda vamos trabalhar forte com Pará e região leste de Mato Grosso”, acrescenta sobre os planos para a produção de ração animal e fertilizantes à base de fosfato que o Ceará deve oferecer com o projeto Santa Quitéria.

Inclusão no PPI 

Nesta retomada do Consórcio Santa Quitéria, uma nova vantagem: a inclusão do projeto no Programa de Parceria de Investimento (PPI) do Governo Federal. Ao entrar para o Pró-Brasil, Itataia ganha status de “projeto de Estado em termos de relevância, importância e prioridade”, segundo o presidente da INB. 

A ascensão aconteceu após reuniões com ministros. Primeiro com Bento Albuquerque (Minas e Energia), em maio no Rio de Janeiro. Em seguida, em julho, ele levou os estudos de impacto econômico à Brasília para outros ministérios. O investimento previsto, as projeções para o agronegócio e geração de energia e a parceria já fechada com um agente privado fizeram o Governo Federal, segundo diz o presidente da INB, destacar o projeto de Itataia como um dos que devem colaborar no processo de retomada econômica do Brasil no pós-pandemia. 

Moreira explica ainda que a inclusão na carteira do PPI deve agilizar processos dentro do próprio Governo Federal, dando mais celeridade ao andamento do projeto, uma vez que a captação de parceiro privado já foi feita. 

Licenciamento 

A Galvani, inclusive, demonstra mais interesse em Santa Quitéria após a retomada do controle da companhia no Nordeste pelos proprietários no fim do ano passado, quando a joint venture com a norueguesa Yara teve fim. Com isso, o projeto de Itataia voltou para a prancheta. Segundo revela o presidente da empresa brasileira, as mudanças no modelo que vinha sendo pensado para o Ceará envolvem menos água e a exclusão da barragem de rejeitos.

“Temos algumas características que o distingue em nível global. O processo de calcinação, onde se separa o fosfato de outros minerais é de grande porte e sem barragens de rejeitos. Todo o material separado vai ser empilhado”, adianta Oliveira, que classifica o projeto como “bastante amigável” e “competitivo”. 

A próxima etapa do planejamento é o licenciamento ambiental. Por isso, biólogos devem chegar ao Ceará no último trimestre do ano para conferir as características da área local e prever o impacto sobre os animais e as plantas da região ao longo dos períodos de seca e chuvosos. Eles vão preparar o Estudo de Impacto Ambiental/Relatório e Impacto Ambiental (EIA-Rima), que deve ser submetido ao Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama). 

“Vamos também começar a fazer contatos com pessoal de universidades para mostrar o lado positivo do projeto, mostrar a nova linha – que é tecnologia bastante única de separação de fosfato por calcinação. Só existe um no mundo e nós vamos ser o segundo”, destaca o presidente da Galvani. 

Indagado se o tráfego de cargas de yellow cake pela região necessitaria de mais licenças pelos órgãos de meio ambiente, o presidente da INB afirma que não, lembrando que o mesmo trabalho já é feito na mina de Caetité, na Bahia, onde o pó extraído é levado por carretas até o terminal portuário de Salvador. 

“Nossa postura é procurar atender de forma expressa todas as demandas que são aportadas pelo Ibama e vem funcionando”, assegurou.