O agronegócio tem evoluído bastante nos últimos anos e não sofreu tanto os efeitos da pandemia do novo coronavírus, já que a produção de alimentos e outros insumos não poderia ser paralisada. Contudo, o setor não tem agido sozinho, contando com um papel de articulação da Secretaria de Desenvolvimento Econômico e Trabalho do Estado (Sedet) para manter diálogos constantes e focados em elevar a eficiência de produção.
A perspectiva foi apresentada pelo secretário executivo do agronegócio da Sedet, Silvio Carlos Ribeiro, nesta edição do Diálogo Econômico.
Graduado em Engenharia Agronômica pela Universidade Federal do Ceará (UFC), Silvio Carlos revelou que o grande gargalo para o agronegócio cearense ainda é a questão da água. Ele, no entanto, detalhou as iniciativas da Sedet para tentar otimizar a gestão dos recursos hídricos, além de destacar o papel de articulação da Pasta junto aos empresários.
Focado em elevar o valor bruto de produção cearense até o fim de 2022, o secretário executivo detalhou a forma de trabalho da Sedet, que mantém contatos constantes com empresários e entidades de pesquisa para gerar os melhores resultados e buscar novos investidores para os segmentos da agropecuária no Ceará.
Ele ainda comentou a importância de se prospectar novas oportunidades com os agentes locais e a influências internacionais nos preços do mercado interno e nas estratégias de crescimento.
Confira a entrevista completa:
O MERCADO DE FRUTAS E FLORES GANHOU MUITO DESTAQUE A PARTIR DE PARCERIAS E NOVAS ROTAS COMERCIAIS. COMO O SENHOR AVALIA O CRESCIMENTO E A IMPORTÂNCIA DESSES SEGMENTOS PARA A ECONOMIA DO ESTADO ATUALMENTE?
O Ceará tem praticamente 1,5 milhão de hectares sendo cultivados e 95% é agricultura de sequeiro, que não tem irrigação, os outros 5% são agricultura irrigada, mas esse 5%, quando você vai para valor bruto de produção ele vira 50%, e os 95% acaba virando os outros 50%. Desses 5% temos a banana, o melão, o mamão, as flores, tomates, hortaliças, pimentão, que são culturas de alto valor agregado. No sequeiro, 80% é milho e feijão, que serve de subsistência, alimentação para o gado e isso depende da chuva para ter boa produtividade. Mas temos baixo valor agregado. E o que tentamos fazer na Sedet é agregar valor e puxar esses 5% para que ele cresça mais e que a gente consiga produzir culturas de maior valor agregado.
Boas empresas estão chegando no estado para estimular a produção de tomates hortaliças porque elas encontram condições boas para se produzir.
O setor agropecuário no Estado é dividido em agricultura, pecuária, aquicultura e a pesca, mesmo a pesca sendo economia do mar. Todos setores têm sua importância e geram muito emprego, tendo uma função social muito grande, porque geram emprego no Interior, e, além disso, temos um setor primário muito forte quando se envolve uma agroindústria, sendo indústria de suco, de leite e outros setores em que se pode agregar valor na produção.
Temos um case interessante do algodão, que foi muito forte no passado, mas perdeu um pouco do espaço no Ceará, mas ainda é forte em outras regiões. Mas o algodão precisou de mais áreas e acabou voltando para o Ceará.
Como temos uma indústria têxtil muito forte, isso acaba sendo positivo. Só uma indústria têxtil consome 25 mil hectares de algodão de campos fora do Ceará, e dando certo as condições aqui tivemos um experimento para cultivar alguns hectares e foram agregando valor na matéria-prima ao passo que reduziam custos de frete e etc. As indústrias de laticínio também tem produzido muito da própria matéria-prima, e a qualidade dos produtos melhorou muito.
Temos buscando a questão da melhora de qualidade e a produção de itens orgânicos, porque existe um mercado muito grande nesse segmento, mostrando um caminho muito bom. Então estamos trabalhando muito na questão de aumentar valor agregado.
HÁ ALGUNS ANOS, TAMBÉM, O CEARÁ INICIOU UM PROJETO PARA AUMENTAR A PRODUÇÃO DE TRIGO PARA DIMINUIR A DEPENDÊNCIA DO MERCADO INTERNACIONAL. COMO ANDA ESSE PROJETO E O ESTADO POSSUI CAPACIDADE PARA FAZER PROJETOS SEMELHANTES COM OUTROS PRODUTOS OU A SITUAÇÃO É MAIS LIMITADA?
A Sedet tem trabalhado a interlocução entre o setor produtivo e a pesquisa. Temos o projeto Cientista Chefe em que estimulamos o setor produtivo de testar novas tecnologias de produção, e esse projeto tem parcerias com universidades e a Embrapa para buscar esse trabalho, que é fazer pesquisa e levar isso ao produtor.
Temos um trabalho do trigo, que começou com um empresário da área de moinhos que nos procurou pedindo ajuda para ter interlocução da Embrapa e das universidades, e nós abrimos espaço para fazer pesquisas e testes para tipos de trigo e, ao passo que isso deu resultado, o empresário se interessou, financiou a pesquisa e, com o resultado, ele teve essa possibilidade de produzir trigo aqui e até mesmo processar. E nós fazemos um processo de agregação de valor. O cearense gosta do que é produzido no Estado então o nome Ceará em um produto, dá mais valor ao item. E nós temos feito esse trabalho com o setor produtivo.
Mas temos um exemplo do polo moveleiro, onde, há 10 anos a Adece fez uma interlocução com a Embrapa para espécies florestais que deram bons resultados. E hoje uma indústria já planta vários hectares de espécies florestais para abastecer a própria indústria. Isso tudo agrega valor e dá novas oportunidades ao Estado.
A gente faz essa articulação com os setores para promover isso, porque temos feito um trabalho de atração de investimento e de atração dos setores. Temos de promover porque podemos atrair investidores, mas podemos incentivar os empresários daqui a investir em novas culturas.
COMO O SENHOR ANALISA A IMPORTÂNCIA DA CHEGADA DAS ÁGUAS DO RIO SÃO FRANCISCO AQUI NO CEARÁ PARA O DESENVOLVIMENTO DO AGRONEGÓCIO CEARENSE?
A transposição é um projeto que já deveria ter sido finalizada há mais tempo, mas demorou muito tempo na obra. Esse ano recebemos 64 milhões de metros cúbicos, e esperamos que venha muito mais porque isso foi um teste.
O setor agropecuário foi beneficiado porque você trazendo água permite que recursos sejam direcionados à produção. Mas esperamos uma outorga maior nos próximos anos, até porque essa água ainda está muito cara. Isso deve ser reduzido com obras relacionadas à energia e com canais para que a água não percorra o rio todo, que gera perdas e retiradas da água sem permissão.
Com uma transferência de água mais eficiente poderemos ter resultados melhores. A Cogerh tem feito um trabalho muito bom aqui no Ceará, e a Sedet tem um canal aberto com a Cogerh, levantando a importância do setor agropecuário.
Fizemos um levantamento de que o rebanho leiteiro precisava de mais água, além de mais ração animal. Pleiteamos essa água junto ao Comitê de Bacias e isso foi permitido porque foi um trabalho muito técnico. O setor do leite é um dos mais importantes do Estado, pois gera muitos empregos e riquezas no Interior.
Nosso maior gargalo no setor é água, e esse canal de negociação tem sido muito interessante, tanto com os empresários quanto o setor de gestão de recursos hídricos.
A SEDET E A SDA TÊM ELABORADO UM TRABALHO HÁ ALGUNS ANOS PARA OTIMIZAR E AUMENTAR O PERÍMETRO IRRIGADO NO ESTADO. COMO É FEITO ESSE PLANEJAMENTO E QUAIS OS PRINCIPAIS PONTOS CONSIDERADOS PELOS TÉCNICOS PARA MONTAR ESSE TRABALHO?
Os perímetros irrigados são federais e pertencem ao Dnocs. O Governo do Estado tem algumas ações, mas a distribuição de terras pertence ao Dnocs, mas temos estimulado os produtores a produzir mais e dar oportunidade. O principal gargalo ainda é água, então temos feito uma defesa do setor agropecuário junto à Cogerh e temos feito um trabalho de otimização do uso desses recursos hídricos.
O Dnocs faz essa distribuição de terras, então a gente tem buscado uma interlocução boa e a gente tem notado que os distritos têm evoluído bem, com uma gestão mais profissional e temos uma reunião periódica com eles, buscando algum apoio do Estado, seja ação de assistência técnica ou apoio na logística da produção de frutas ou defesa agropecuária.
Os perímetros irrigados podem crescer a produção porque parte deles está ociosa, por falta de água, e pela falta de produtores que busquem atividades agrícolas. Então fazemos um trabalho de atração de investidores para que as áreas possam ser ocupadas. Às vezes se faltam atividades agrícolas para se produzir.
Já as áreas fora de perímetros também têm potencial para crescer. O Ceará já irrigou mais que faz hoje, mas o grande problema é água, mas com a transposição, melhoria de oferta hídrica, a gente espera poder crescer nos próximos anos.
A chave é discutir a melhoria da eficiência do uso. A gente estima poderíamos melhorar a eficiência dentro do distrito, da fazenda, em até 20%, com melhoria nos sistemas, na gestão e manejo, e nas culturas que teriam menor consumo de água e poderiam produzir maior valor agregado. Com a mesma água de hoje, poderíamos aumentar 20% da eficiência da água, e aumentaria muito mais o nosso valor bruto de produção. E para isso temos um programa do Banco Mundial que nos ajuda a instalar sensores, estações meteorológicas com a Funceme, desenvolvendo um software com o Ipece, e isso vai aumentar a nossa eficiência em 20% da área e possivelmente 10% ou 20% do valor bruto da produção.
A PANDEMIA AFETOU MUITO A VIDA E A ATUAÇÃO DE EMPRESAS, MAS COMO ESSE IMPACTO OCORREU PARA O AGRONEGÓCIO, JÁ QUE O SETOR NUNCA PAROU PELA NECESSIDADE DE MANTER O ABASTECIMENTO NO ESTADO E NO PAÍS?
Tivemos um impacto de produção, de preocupação com o trabalhador no campo, mas não foi tão grande como em outros setores porque a alimentação é fundamental. O mundo passou a procurar mais alimentos saudáveis e a gente produz muito a questão das frutas e isso é muito atrativo. O mundo demandou mais frutas, mas também tivemos problemas de logística.
Tivemos dois setores bem afetados no início, mas que estão se recuperando, que é de flores e de plantas ornamentais. Os comércios fecharam e tivermos um impacto grande, mas depois isso foi sendo absorvido porque o setor cresceu de novo. O ambiente do lar voltou a ser o foco pelo apego do lar que o brasileiro teve na pandemia, e isso gerou uma tendência de crescimento para as plantas ornamentais e flores, que está vendendo bem também.
Outro setor impactado foi o do camarão porque esse tipo de alimento se come muito em restaurantes, mas com o tempo o delivery cresceu e voltamos a regularizar questão do camarão no Ceará.
ATUALMENTE, A CHINA VEM REALIZANDO UM TRABALHO EM PAÍSES NA ÁFRICA PARA REDUZIR A DEPENDÊNCIA DO MERCADO BRASILEIRO PARA ALGUNS PRODUTOS, ENQUANTO OS ESTADOS UNIDOS TÊM FORTALECIDO A PARCERIA COM A ARGENTINA NA AMÉRICA DO SUL. COMO O SENHOR ENXERGA ISSO? O AGRONEGÓCIO BRASILEIRO PODE PERDER MUITO ESPAÇO NO CENÁRIO MUNDIAL?
Eu vejo que temos um mercado muito grande a ser trabalhado. A China tem investido na África, mas tem investido no Brasil e nós temos uma interlocução boa com empresários da China, que até estão buscando áreas aqui no Ceará. E os Estados Unidos têm buscado outros investimentos no Brasil. Outros países têm investido na produção da África, mas não vejo como uma ameaça porque a China tem investido aqui também, e eu vejo que no futuro precisaremos de mais áreas para produzir.
O Brasil tem muito espaço para crescer sem desmatar ainda, e essa questão de desmatamento é mais uma falta de conhecimento e insesatez de empresários que não representam o setor do agronegócio moderno, que busca a melhoria do ambiente, das certificações, da produtividade. Só no Ceará ainda temos um potencial muito grande de crescimento sem desmatar.
Logicamente que China e Estados Unidos estão investido em alguns setores que podem gerar conflitos em alguns segmentos aqui, mas não deve criar problemas grandes.
Outro segmento que temos estimulado muito é de cultivo protegido, onde se tem uma série de vantagens e, para se ter uma ideia, ela tem uma tecnologia muito usada na Espanha, Holanda e Israel, que tem crescido muito nessa nova tecnologia. Ela pode possibilitar esse aumento da produção aqui no Ceará porque com pequenas áreas podemos ter um valor alto bruto de produção.
O CEARÁ SEMPRE TEVE UM MERCADO DE PRODUÇÃO DE ALIMENTOS MUITO IMPORTANTE, CONSIDERANDO AS FRUTAS E OUTROS INSUMOS, MAS OS SETORES NO ESTADO VÊM PASSANDO POR EVOLUÇÕES MUITO GRANDES ATÉ CONSIDERANDO A INTELIGÊNCIA DE NEGÓCIOS. O SENHOR ACREDITA QUE O PERFIL DOS EMPRESÁRIOS MUDOU MUITO OU TIVEMOS APENAS UM EVOLUÇÃO DA FORMA DE FAZER NEGÓCIOS?
Mudamos muito nos últimos anos, principalmente pela exigência do mercado, que exige um empresário moderno e uma produção tecnológica, certificada, com qualidade e com rastreamento. Ele precisa disso tudo para chegar lá fora e ser aceito. Esse trabalho gerou uma evolução do nosso setor agropecuário, e hoje em dia tudo é certificado, rastreado, e tendo passado por uma série de protocolos.
O nosso empresário que exporta tem essa referência, seja usando defensivos agrícolas ou os orgânicos. Temos empresas de nível internacional no Ceará. Temos feiras internacionais hoje em dia e o produtor de frutas no Brasil é sempre respeitado, com nosso pavilhão sempre bem movimentado. Teremos uma feira em Berlim também que terá participação dos produtores cearenses e sempre somos bem vistos.
APESAR DE NÃO TER A PRODUÇÃO PARALISADA, A PANDEMIA AFETOU A ATIVIDADE DO AGRONEGÓCIO, QUE VIU UMA ALTA CONSIDERÁVEL DO DÓLAR. MUITOS PRODUTORES TÊM AUMENTADO OS NÍVEIS DE EXPORTAÇÃO ENQUANTO ALGUNS PRODUTOS NO MERCADO INTERNO ESTÃO CADA VEZ MAIS CAROS. QUAL A AVALIAÇÃO DESSA DINÂMICA? O MERCADO INTERNO NÃO SAI PREJUDICADO PELA ALTA DE PREÇOS?
Nessa pandemia, a gente viu o aumento dos preços dos alimentos. Nós exportamos mais, principalmente milho e soja, e arroz antes. As frutas vamos exportar mais, mas estamos produzindo mais, e isso é estimulado pelo câmbio e um mercado consumidor muito grande. Mas tivemos outros impactos. Hoje, compramos fertilizantes que vêm de fora porque nossa indústria é pequena, e precisamos comprar outros insumos que são importados, como sistemas de irrigação, e isso encarece a produção.
Mas essa discussão não é tão grande porque vemos que o mercado vai se moldando com as novas tecnologias, e estamos produzindo muito mais do que produzíamos no passado, e a pesquisa tem ajudado muito em relação a isso, além de termos uma gestão muito melhor da propriedade rural. Mas ainda estamos esperando como o mercado internacional vai se comportar e isso vai se regulando ao longo dos anos. O que a gente vê é que o agro brasileiro está em evidência no mundo e os investimentos estão ficando maiores porque temos uma possibilidade de produzir muito.
Estimulando uma maior produção, até porque precisamos produzir mais, poderemos atender o mercado externo e o mercado interno. E o estímulo do Governo Federal é fundamental, que já está fazendo, mas é preciso um estímulo maior.
O QUE VOCÊ GOSTARIA DE VER REALIZADO NO AGRONEGÓCIO CEARENSE NOS PRÓXIMOS ANOS COMO UMA VISÃO PESSOAL?
Eu vejo que a Sedet tem alguns objetivos, que é gerar mais riquezas e mais empregos, e gerar mais empregos com maior qualidade. Hoje temos empresas que pagam melhor em empregos rurais do que o que se paga na área urbana. A nossa meta é que ao final de 2022, quando formos avaliar os números, tenhamos crescido o valor bruto de produção porque temos estimulado novas culturas, de alto valor agregado e tenhamos aumentado o número de emprego.
Hoje, um hectare de melão, em produção, gera até 1,5 emprego. Uma atividade agrícola em cultivo protegido gera, falando até sobre uma empresa de tomate, quase 8 empregos por hectare. Então eu quero que tenhamos várias empresas desse tipo no Estado, que gerem empregos de qualidade e aumento de valor bruto de produção. Meu desejo pessoal é que tenhamos, em 2023, crescido no PIB a partir de mais empregos e empregos de maior qualidade e produtos de maior valor agregado.