Sem gás, térmicas no Ceará podem parar produção em meio à crise energética

Fornecimento de GNL vindo da Petrobras por navio até o Porto do Pecém foi interrompido para abastecer operação de terminais na Bahia. Especialistas avaliaram a decisão como "absurda"

Um rearranjo operacional feito pela Petrobras nos últimos meses surpreendeu o setor de energia cearense. No meio de uma das maiores crises hídricas da história do País, a Estatal decidiu interromper a rota de um navio de abastecimento de gás para utilização em usinas térmicas no Ceará e no Rio Grande do Norte. A decisão pode ter afetado o fornecimento da energia já contratada para utilização dos consumidores locais. 

Sem o insumo, as térmicas nordestinas estariam com a capacidade de produzir energia prejudicada desde o primeiro semestre deste ano.

Desde março, a Petrobras redirecionou um navio que estava usando o Píer 2 do Terminal Portuário do Pecém como Terminal de Regaseificação de GNL (Gás Natural Liquefeito) para operar uma rota até a Bahia. A embarcação ficou responsável por abastecer o Terminal de Regaseificação da Bahia (TRBA), em Salvador. 

Segundo terminação da própria Petrobras, a disponibilidade de dois navios regaseificadores da frota ficou atrelada ao processo arrendamento do TRBA. Contudo, segundo a Estatal, a operação no terminal do Pecém deverá ser reestabelecida após a conclusão do processo.

"Conforme previsto no processo, em havendo um vencedor, é esperada a alocação de um novo navio regaseificador pela empresa arrendatária, e a Petrobras poderá deslocar o navio ora posicionado no TRBA de volta para o Terminal do Pecém (TRPECÉM), momento em que os três terminais de regaseificação estarão operacionais", diz a Petrobras em nota. 

"Até que haja a assunção de posse do TRBA pela empresa arrendatária e considerando o atual patamar de despacho termelétrico, a manutenção dos navios regaseificadores no terminal da Baía de Guanabara (TRBGUA) e no TRBA assegura uma operação para o sistema com maior disponibilidade total de gás para o sistema brasileiro, o que, juntamente com a operação da UTE Termoceará a diesel (por ser uma usina bicombustível), já oferecida pela Petrobras, provê a máxima oferta total de geração de energia", completa a nota da Estatal.

Produção prejudicada

Apesar da versão de que os estoques de gás natural deverão ser reestabelecidos no Ceará, a interrupção  de fornecimento não foi vista com bons olhos por Jurandir Picanço, consultor de energia da Federação das Indústrias do Estado do Ceará (Fiec) e presidente da Câmara Setorial de Energias Renováveis do Ceará. 

Ele comentou que a situação é "absurda", já que a energia que seria produzida pela Central Geradora Termelétrica Fortaleza S.A. (CGTF), por meio de uma usina térmica no Estado, já havia sido contratada pela Enel Distribuição Ceará

"Desde 2009, a Petrobras tem esse abastecimento de gás com esse navio, que vem e fica aqui para atender a demanda das térmicas daqui do Estado. Em março, quando estava começando o movimento da crise hídrica, a Petrobras tirou o navio daqui e ele não voltou. E é um absurdo porque nesse momento a gente precisa dessas térmicas a gás nessa crise", disse Picanço.

Impactos ao consumidor 

A expectativa é que a questão não atinja, pelo menos por enquanto, o bolso dos cearenses. Procurada pela reportagem, a Enel Distribuição Ceará afirmou, através de nota, que "o contrato de fornecimento de energia com a CGTF está sendo cumprido, sem nenhum custo adicional para o consumidor". 

Para Picanço, no entanto, a decisão da Petrobras é controversa, por não ser favorável durante a crise hídrica que atravessa o País. Como a energia produzida pela térmica já estava contratada pela Enel, e pela eficiência do equipamento, a produção dessa energia não deveria ter maiores impactos nos preços da bandeira vermelha. 

O patamar de cobrança pela energia foi estabelecido pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) por conta dos baixos níveis dos reservatórios no País. 

Para o consumidor não muda nada, agora para a crise hídrica tem muito a ver porque poderíamos estar produzindo essa energia quando mais precisamos dela. O Sistema está comprando energia de todo tipo de térmica e é por isso que temos a bandeira vermelha", disse.
Jurandir Picanço
consultor de energia da Fiec
 

Esclarecimento ministerial

Sobre a operação de navios de abastecimento de gás da Petrobras, a reportagem apurou que o Ministério de Minas e Energia (MME) havia discutido e requisitado diretamente à empresa para que o fornecimento de gás ao terminal do Pecém fosse reestabelecido até o fim do mês de setembro. 

Contudo, ao ser questionado sobre o assunto, o MME evitou tocar no assunto, enviando apenas uma lista de iniciativas mantidas pela Pasta para Garantir a segurança energética do País durante a crise hídrica. 

"O Ministério de Minas e Energia (MME) esclarece que as instituições do setor energético continuam trabalhando, incessantemente, para o provimento da segurança energética no ano que se deflagrou a pior hidrologia de toda a série histórica de 91 anos. A quantidade de chuvas afeta a geração de energia no Brasil porque 65% da produção de eletricidade do parque gerador brasileiro é composta por hidroelétricas, o que tem a vantagem de prover uma energia limpa, barata e com confiabilidade, quando a água é abundante", diz parte da nota do MME. 

Situação no Estado 

De acordo com o secretário de desenvolvimento econômico e trabalho do Estado do Ceará, Maia Júnior, em entrevista ao colunista Egídio Serpa, o Ceará poderá ter problemas de abastecimento de energia caso a operação de transporte de gás pela Petrobras não seja reestabelecida. 

Maia comentou que, caso as térmicas, de fato, tenham de ser paralisadas por falta de gás, o preço da energia pode acabar aumentando nos próximos meses.

“Outro aspecto é o da garantia do sistema de geração de energia elétrica do Estado do Ceará. Isso (se se confirmar) terá consequências muito grandes, se as térmicas forem paralisadas pela falta de gás. E qual será o preço da energia, se ela tiver de ser – e não é o caso do Ceará, neste momento – trazida de locais mais distantes, com alto custo da transmissão, o que onerará as nossas tarifas", comentou Maia. 

Maia ainda comentou sobre o impacto dessas operações para empresas que mantém as térmicas operando no Ceará. 

“Ninguém dá uma satisfação sobre como ficam as tarifas cearenses, ao abrir mão de uma disponibilidade como essa (do navio regaseificador, que há vários anos operava no Pecém). Este é outro aspecto, sem se falar no investidor que investiu em termelétricas no Ceará, que não está despachando (gerando energia) em função da falta de suprimento de gás”, explicou. 
Maia Júnior
secretário de desenvolvimento econômico do Estado do Ceará