Após aprovação na Câmara dos Deputados da Medida Provisória 1017, mais de 300 indústrias cearenses com dívidas em atraso no Fundo de Investimento do Nordeste (Finor) poderão quitar os débitos com até 80% de desconto. A negociação poderá manter cerca de 5 mil empregos.
O gerente do Observatório da Indústria do Sistema Fiec, Guilherme Muchale, ressalta que a medida permitirá a quitação das dívidas, bem como o retorno dos investimentos, resultando na ampliação da operação e dos postos de trabalho gerados.
"São indústrias que vão ter maior grau de certeza nas suas atividades, vão poder voltar a fazer investimentos, e poder buscar, entre outros pontos, investimentos estrangeiros, ter uma capacidade de expansão muito maior, e inclusive ampliar os mais de 5 mil empregos gerados atualmente", afirma.
Apesar de beneficiar um número considerável de empresas, cerca de um terço delas não está mais em operação, em parte, por conta da taxa de juros cobrada no Finor, explica Muchale.
"É esperada uma elevação forte do investimento por essas empresas, a manutenção e expansão dos empregos gerados por essa indústria e, óbvio, um cenário de muito mais previsibilidade, um cenário positivo que corrobora com a própria recuperação econômica do Estado, pensando no avanço da vacinação, na melhoria das condições de saúde pública"
Conforme o texto da MP aprovada, que aguarda sanção do presidente Jair Bolsonaro, as empresas terão de 75% a 80% de desconto para quitação e de 70% a 75% de abatimento para renegociação dos valores.
As condições também valem para o Fundo de Financiamento da Amazônia (Finam). Juntos os programas acumulam uma taxa de inadimplência de 99%, totalizando R$ 43 bilhões em dívidas.
Negociações
A proposta teve relatoria do deputado federal cearense Danilo Forte, que tomou conhecimento do assunto em 2014 e, desde então, negociou as condições para que descontos maiores fossem concedidos. Forte ressalta que a medida não se trata de perdão ou anistia das dívidas, mas de uma forma de fomentar a retomada do crescimento na Região.
"O momento que nós vivemos é de pandemia, de retração da atividade economia. É sabido no mundo inteiro que para enfrentar e construir uma retomada é preciso induzir de forma eficiente a consolidação das empresas que geram empregos e dão dinamismo à atividade economia. Seria equivocado continuar punindo empresas que acreditaram no desenvolvimento de regiões menos favorecidas".
Ele pontua que, assim como os empregos já existem devem ser preservados a partir da renegociação dos débitos, novos postos de trabalho devem ser gerados a partir da volta das empresas beneficiadas a um novo patamar de atividade. Conforme Forte, o segmento de fruticultura em Juazeiro da Bahia deve dobrar a capacidade produtiva.
"Além do que essa medida deve contribuir sensivelmente para a redução das desigualdades regionais. Temos que acabar com sina do Nordeste de produção de gente e migração de mão de obra. Precisamos fortalecer a atividade econômica na nossa região. E não tenho dúvida que uma medida como esta irá contribuir muito", garante.
Como funcionava o Finor
O economista Alex Araújo explica que o Finor foi uma política de desenvolvimento industrial forte nos anos 1970 e 1980. Pela modalidade, o Estado concedia financiamento para as empresas se instalarem no Nordeste e, em contrapartida, podia participar da companhia como sócio.
Segundo ele, muitos dos distritos industriais da Região foram constituídos e consolidados a partir do programa, incluindo o de Maracanaú, por exemplo.
"Grande parte do crescimento da indústria têxtil foi com base no Finor. Então, o programa tinha como objetivo acelerar a industrialização do Nordeste"
Ele lembra que outro objetivo da iniciativa era ajudar as empresas a entrarem no mercado de capitais. Tendo isto em vista, os empréstimos eram concedidos em debêntures, que poderiam ser convertidos em ações das empresas.
"Mas isso foi muito atrapalhado pela crise de inflação em 80 e pela própria crise da Bolsa em 90. Não foi bem-sucedido. Só agora a gente vê empresas regionais indo para a bolsa. O próprio Governo abandonou essa ideia de participar das empresas. Depois, só o BNDES continuou e hoje está vendendo essa carteira", pontua.
Impacto dos descontos
O economista também ressalta que, com a descontinuidade do programa na década de 1990, boa parte dos financiamentos foi paga normalmente, restando apenas aqueles que estão irregulares.
"Na verdade, o que a gente tem hoje é o saldo dessas operações daquele período. Preponderam situações irregulares que necessitam de negociação, porque o grosso do que foi pego já foi quitado, liquidado", avalia.
Ainda assim, ele revela que há empresas no Estado, principalmente da indústria têxtil e metalmecânica, que permanecem em atividade e podem ser beneficiadas pela decisão.
"Audará aqueles casos em que ainda há capacidade operacional a tirar amarras para que essas empresas cresçam. Porque o Finor deixava amarras de capacidade de negociação, como venda para concorrente maior", indica.
Outro ponto que dificultou a regularização dos débitos em aberto foi a necessidade de alteração da lei para ampliar as possibilidades de negociação com as instituições financeiras.
Araújo detalha que, por se tratar de recursos do Tesouro Nacional, as instituições financeiras responsáveis pela operação dos fundos só poderiam negociar dentro dos parâmetros previstos em lei.
."Essa era uma grande amarra para que empresas buscassem uma saída. O limite de negociação era o que tinha na lei, e muitas vezes não era suficiente"
Problemas operacionais
O vice-presidente da Federação das Indústrias do Ceará (Fiec), Carlos Prado, elenca erros na operacionalização da política pública que criou o Finor que foram decisivos para o endividamento das empresas participantes. O primeiro seria a maior aprovação de projetos do que o orçamento disponível.
"Quando se apresentava um projeto, havia um cronograma que previa os desembolsos de recursos. Como a oferta era menor que a demanda, na hora da liberação, não havia recurso suficiente"
Ele lembra que, para que houvesse a liberação da parcela referente ao Finor, o programa exigia que as empresas realizassem e comprovassem a aplicação própria antes.
"Então, se fosse tivesse um investimento de R$ 100 mil, você tinha que aplicar sua parte primeiro, os R$ 50 mil, para que o Finor liberasse dos outros R$ 50 mil", afirma.
Um segundo agravante desse modelo é que, na época, o País vivia a crise inflacionária, de forma que os recursos do programa, quando liberados, não era mais suficientes para cobrir o investimento previsto ou se igualar ao realizado pela própria empresa.
Prato ainda aponta um terceiro agravante que teria contribuído para criar um buraco financeiro nas empresas participantes do programa. Segundo ele, quando a Superintendência para o Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) atrasa a liberação dos recursos, o Banco do Nordeste (BNB), operador do Finor, oferecia financiamento para as empresas se sustentarem até a chegada dos valores governamentais.
"Empresários acabaram tendo de ir ao mercado em busca de financiamento, mas eram cobrados juros abusivos, e aí afundavam mais ainda. Essa (renegociação) é uma oportunidade rara para regularizar essa situação que prejudicou demais as indústrias nordestinas", acrescenta.