Com a redução do valor do auxílio emergencial para uma média de R$ 250 por família, as camadas mais vulneráveis da população cearense deverão ser ainda mais impactadas pela segunda onda da pandemia do novo coronavírus. A perspectiva foi defendida por economistas e professores consultados pela reportagem, que, além de questionar o valor atual do programa, sugeriram alternativas para elevar o suporte aos mais pobres durante a crise.
Para o professor da Universidade Federal do Ceará (UFC) e diretor-geral do Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará (Ipece), João Mário França, os valores aplicados pelo Governo Federal ficaram aquém do esperado para a segunda onda da pandemia. De acordo com o ministro da Economia, Paulo Guedes, a nova rodada de auxílio emergencial pagará de R$ 175 a R$ 375, com uma média de R$ 250.
Apesar de enaltecer o retorno do benefício, França disse que sem uma quantia suficiente, parte da população pode ter dificuldades em atender às medidas de isolamento para conter o avanço do coronavírus e das novas variantes.
"São dois pontos. Primeiro, o mais importante é a volta do auxílio para dar suporte nesse período da segunda onda, que está muito forte no Brasil. É importante para que as pessoas tenham algum rendimento para poder manter as medidas de isolamento e terem segurança durante um momento de enfraquecimento da economia. Mas os valores ficam muito aquém do que esperávamos e em relação aos ciclos passados", disse.
Durante o ano passado, o auxílio emergencial pagou um teto de até R$ 1.200, com parcelas de R$ 600 no primeiro ciclo, e benefícios de até R$ 600, com parcelas de R$ 600.
Alimentação
Para o economista e presidente Conselho Regional de Economia Ceará (Corecon-CE), Ricardo Coimbra, a redução do valor do benefício deverá diretamente a capacidade das famílias mais pobres de arcar com os gastos básicos, como alimentação. Ele apontou que nem o valor máximo de pagamento do auxílio cobriria os gastos com a cesta básica no Ceará, por exemplo.
Segundo pequisa do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), a cesta básica, em Fortaleza, custava R$ 523,46 em fevereiro.
"O que a gente pode observar é que esses valores são bem mais baixos do que os ciclos que tivemos no ano passado. Esse recurso deve ser insuficiente até mesmo para garantir os gastos com alimentação, que é para onde ele deve ser direcionado pelas famílias mais vulneráveis. Isso não deve dar para nem a cesta básica aqui no Ceará, o que significa que o valor é apenas para amenizar os impactos da pandemia", explicou Coimbra.
"Além disso, cerca de 70% da população que recebeu o auxílio no ano passado não conseguiu encontrar uma nova fonte de renda, então temos uma população que está fragilizada", completou.
Estudo de gastos
A opinião é corroborada pelo economista Alex Araújo, que prevê um impacto claro para a camada mais pobre da sociedade a partir da redução do valor do auxílio emergencial. Contudo, ele ponderou não ser possível medir o tamanho desse impacto ainda, já que não há estudos voltados a identificar o valor necessário para o benefício.
Como parte dos recursos pagos em 2020 acabou sendo direcionado para a poupança das famílias, Araújo afirmou que há a possibilidade de o impacto da redução não ser tão grande, mas que seria necessário analisar e discutir qual o valor preciso para o caso de haver novas rodadas do benefício.
"Sem dúvidas, a redução afeta os mais pobres, mas infelizmente não temos estudos que dizem qual serio o valor ideal de pagamentos, até porque no ano passado parte dos valores acabou sendo direcionado para a poupança das famílias. O problema é que, hoje, não, conseguimos dizer qual o valor mais efetivo até para acompanhar a inflação que vem alterando a dinâmica de preços em tudo, mas principalmente na alimentação", disse Araújo.
"Mas acredito que os R$ 250 é mais por uma restrição fiscal do Governo do que por um estudo de valor", completou.
Abismo fiscal e estratégias
Em relação ao aspecto fiscal, os economistas foram unânimes, afirmando que a redução do volume de pagamentos se deve à crise fiscal brasileira nesse momento. Contudo, eles comentaram que o Governo Federal pode explorar mais soluções do que fez na Proposta de Emenda à Constituição (PEC) emergencial que garantiu o retorno do auxílio.
Rever incentivos
Para o diretor do Ipece, o Governo Federal precisaria rever os incentivos fiscais dados ao setor produtivo para reduzir os impactos dos benefícios às empresas no orçamento e aumentar a capacidade de pagamento do auxílio emergencial.
"O que está faltando e o Governo Federal não conseguiu fazer nessa PEC é encontrar brechas no orçamento para aumentar esse valor, até pensando na questão dos incentivos fiscais, reduzindo isso para aumentar os recursos do auxílio emergencial. Então eu acho que essa PEC emergencial falha e poderia reservar mais recursos para o auxílio a partir da revisão dos benefícios fiscais", disse França.
Programa permanente
Já o economista Alex Araújo afirmou que o Governo poderia reorganizar todos os programas de transferência de renda e criar um programa permanente de renda mínima.
"No ano passado, um grupo de economistas trouxe uma opção que seria um estabelecimento de um programa de renda mínima ao rever todos os programas de renda que estão sendo pagos hoje. Mas como alguns benefícios foram suspensos ou reformulados, o governo politicamente preferiu não ir nesse caminho, mas existia, sim, essa alternativa, dando uma característica mais permanente", explicou.