A história da Paquetá Calçados, que possui elevado impacto socioeconômico no Interior e que demitiu 1.938 pessoas entre novembro de 2023 e janeiro deste ano, tem mais um capítulo revelado.
O Governo disse que empenhou-se no apoio à empresa que esteve em recuperação judicial até novembro do ano passado. "Ela (a Paquetá) não chegou a essa situação por causa do Governo do Estado. Ao contrário, baseados no seu bom histórico, mantemos um apoio a mais, inédito. Para preservar os empregos", afirmou o secretário do Desenvolvimento Econômico (SDE), Salmito Filho.
Já o grupo gaúcho falou com exclusividade ao Diário do Nordeste e apontou a ajuda do Governo do Estado como "tardia e insuficiente", diante do quadro financeiro crítico da empresa do setor coureiro-calçadista, para a manutenção da produção e empregos no Ceará.
O fato é que, além dos empregos perdidos, a saída da Paquetá reverberou nos pequenos negócios das cidades do interior cearense que dependiam da movimentação de trabalhadores das fábricas, como comércio local e vendedores de alimentos, por exemplo.
Paquetá diz que procurou o Governo
Segundo o diretor financeiro da Paquetá, Eurico Tatsch Nunes, ainda no primeiro trimestre de 2023, quando do agravamento da crise, a empresa procurou o Governo do Ceará e apresentou um plano para a recuperação dos negócios e a manutenção dos empregos nas seis unidades no Estado.
Ele relata que o plano tinha como alicerce principal a liberação dos recursos do antigo incentivo fiscal chamado Programa de Incentivo às Atividades Portuárias e Industriais do Ceará (Proapi), que a Paquetá teria por direito. Os valores, segundo a empresa, seriam diretamente injetados na produção dentro do Estado, mantendo os empregos e preservando os clientes. Na reunião com o Governo, também foi apresentado um cronograma necessário para a liberação desses recursos.
“A realidade não ocorreu conforme precisávamos e tivemos mantidos os problemas de desabastecimento (de material) das fábricas e como consequências, as paradas de forma definitiva. Chegou um momento que não conseguimos mais cumprir com a manutenção dos empregos, por absoluta falta de clientes e faturamento, cujos motivos foram o fomento tardio e em necessidade insuficiente”, diz Eurico.
O que Governo do Ceará diz sobre Paquetá
Em nota, a SDE disse que "o Governo do Ceará, por meio da Secretaria do Desenvolvimento Econômico (SDE), monitora a situação da Paquetá desde o início de 2023, quando a empresa anunciou que estaria enfrentando dificuldades e empenhou-se ao máximo para apoiar a empresa, visando à manutenção dos empregos e à sua recuperação. Tudo que estava ao alcance do Governo para apoiar a Paquetá foi feito. Infelizmente, a empresa descumpriu o acordo, resultando em demissões. Simultaneamente, trabalhamos para que outras indústrias absorvam a mão de obra qualificada da Paquetá. Adicionalmente, o Governo do Estado está tomando todas as medidas necessárias para iniciar uma ação de ressarcimento dos valores acordados".
Em complemento, o secretário do Desenvolvimento Econômico (SDE), Salmito Filho, reafirmou que o Governo do Estado monitora a situação da Paquetá desde o início de 2023.
"Nós lamentamos quando uma empresa por alguma razão ingressa numa situação de dificuldades ao ponto de ter que fechar ou diminuir alguns setores ou mesmo fechar, chegando a demitir seus colaboradores. Infelizmente, essa não é uma situação exclusiva da Paquetá. Já aconteceu com inúmeras empresas no Ceará, no Nordeste, no Brasil, no mundo e não será a última."
Tentando estimular a manutenção dos empregos, segundo o titular da pasta o governo fez algo inédito em relação ao caso específico da Paquetá.
"Ela (a Paquetá) não chegou a essa situação por causa do Governo do Estado. Ao contrário, baseados no seu bom histórico, mantemos um apoio a mais, inédito. Para preservar os empregos. Nós lamentamos, compreendemos quando as empresas entram em uma situação dessas. Não queremos fazer nenhum tipo de avaliação da empresa. Não nos compete o julgamento."
Salmito ainda explica que o termo de acordo entre o Governo do Ceará e a empresa gaúcha foi para repassar valores em duas parcelas. "Queremos tratar com o máximo de cuidado e a devida segurança jurídica. Nós temos a obrigação de cumprir a lei, mas não queremos complicar, mas sim, apoiar as empresas. E estamos tento todo o cuidado e respeito pelo bom histórico da Paquetá."
Layoff: tentativa frustrada de conseguir investidores para as unidades
O diretor financeiro da Paquetá explica que a empresa optou por lançar mão da prerrogativa legal de layoff, no meio do ano passado, para “ganhar um pouco mais de tempo para pôr em marcha outra estratégia, que era a de atrair investidores para cada unidade fabril”.
Com isso, a intenção era que fossem repassados o acervo de máquinas e instalações e que, em contrapartida, a nova empresa assumiria a integralidade da mão de obra em cada localidade. “Pois esta sempre foi a preocupação desta diretoria”.
Assim, a Paquetá afirma que foi ela quem fez o acordo com a empresa Arezzo, para o repasse das unidades de Uruburetama e Tururu. “Exatamente nos moldes que comentei, tudo feito a partir de autorização judicial, sem que houvesse quaisquer embargos ou questionamento de credores”.
Eurico ainda comenta que assim como foi com a Arezzo, no Ceará, o grupo gaúcho está em negociação avançada para o repasse de sua fábrica localizada na Bahia. A ação está protocolada no processo de recuperação judicial da Paquetá, aguardando autorização.
“Diante de nossa incapacidade de fomentar as unidades, ainda não encontramos alternativas viáveis para as unidades de Pentecoste e Apuiarés, embora venhamos mantendo conversas com investidores.”
Nos bastidores, empresários procuram o Estado
O secretário Salmito Filho revela que quando a crise financeira da Paquetá se tornou pública, empresários e executivos que pretendiam investir no setor calçadista do Estado do Ceará, começaram a procurar a secretaria com a intenção de saber sobre possíveis demissões de mão de obra qualificada.
"O que eu disse? 1) O governo está fazendo tudo o que pode para a Paquetá não demitir. 2) se vocês quiserem investir em novas plantas, o governo está à disposição para apresentar incentivo e tudo o que está ao alcance para ampliar ou iniciar empreendimentos. Porque, claro, interessa muito ao Ceará receber novos investidores."
Ele ainda comenta que o sigilo é sempre pedido em movimentações de empresas e que só se permitiu falar deste assunto agora porque algumas empresas que o procuraram lá atrás, como a Arezzo, já assumiram. "Guardamos informações em respeito ao acordo, em respeito à Paquetá, em respeito a todos. Os movimentos foram feitos com muito cuidado."
O titular reforça que o Estado conversa com quatro empresas que se interessam em assumir a mão de obra cearense do setor coureiro calçadista. Além disso, o governo estaria buscando atrair empresas que compõem a cadeia de fornecimento do setor calçadista.
"Esse é um trabalho para consolidar e aumentar a competitividade das indústrias do setor que já estão aqui e para atrair mais", revela Salmito, ponderando que esta busca seria para o estado como um todo e não para a região específica onde a Paquetá estava instalada.
Empresa dava sinais de fechamento
O Grupo Paquetá ficou em recuperação judicial de abril de 2019 até novembro de 2023. Com isso, era de conhecimento público o enfrentamento de uma severa crise financeira que teve seu agravamento no início do ano passado, o que culminou com o desabastecimento das fábricas e as sucessivas falhas nas entregas de produtos. “Que ocasionaram, ao fim e ao cabo, a perda de pedidos e de clientes”, reforça o diretor financeiro da empresa, Eurico Tasch Nunes.
No reflexo para os colaboradores, a empresa, desde meados de março do ano passado, vinha atrasando salários. Em abril o pagamento ocorreu, pela primeira vez em 30 anos de existência no Ceará, de forma parcelada.
Em meados de junho o Governo do Estado adiantou R$ 23 milhões referentes a parcelas de incentivos fiscais. A intenção era manter os 3,1 mil postos de trabalho no Ceará. Porém, o acordo firmado entre o Grupo Paquetá e o Estado do Ceará, de em troca do adiantamento a empresa manter as unidades fabris do Estado abertas por 31 meses, com a manutenção de todos os empregos, foi descumprido.
Por conta disso, o Governo afirmou, ainda no fim de 2023, que estudava uma forma de reaver parte dos valores. Porém, o montante não foi divulgado na oportunidade.
Uruburetama vive um recomeço
Os impactos da saída da Paquetá das cidades do Interior são sentidos até hoje. Em seu carrinho, Nazaré Souza, 60 anos, carrega, além dos lanches, o sonho de voltar a vender tudo o que produz sozinha em frente ao portão da fábrica que antes era Paquetá, e agora é Arezzo.
Humilde, ela relata que fazia o trajeto a pé da sua casa até o portão de entrada do local há cinco anos, levando pastel, bolo, sanduíche e café. A idosa revela que nunca contou quantos lanches vendia por dia para os trabalhadores da fábrica de calçado, mas afirma que de lá, sempre voltava sem nada no carrinho.
"Eu nunca contei o quanto eu levava, mas era muito lanche que eu vendia. Essa volta do trabalho lá é Deus que ouviu o nosso clamor".
Nazaré ainda comenta que foram meses difíceis e de sobra de material, desde o início do layoff, em abril do ano passado. "Eu ia para o centro da cidade, mas não vendia igual e voltava com lanche para casa."
Em Uruburetama, a reportagem tentou conversar com diversos colaboradores absorvidos pela Arezzo, mas com medo de possíveis represálias, todos preferiram não se manifestar. Porém, ao presenciar o processo de recepção e entrega de kits de boas-vindas para as equipes, era visível um misto de felicidade e alívio no semblante das cerca de 600 pessoas que participavam do evento.
As cerca de 1,4 mil pessoas, somando os funcionários das unidades de Uruburetama e de Tururu, foram recebidos em dois grupos na Escola Estadual de Educação Profissional Maria Auday Vasconcelos Nery.
O porta-voz da prefeitura e secretário administrativo de obras de Uruburetama, Francisco Paulino, relatou que a marca de calçados de luxo pagou as verbas rescisórias devidas pela Paquetá Calçados, incluindo férias, 13º salário e cestas básicas, conforme acordado durante a negociação para assumir o parque fabril.
A Arezzo também assumiu o galpão da antiga Central de Abastecimento (Ceasa) do município, afirmou o secretário. Conforme relatos, quando houve a confirmação das recontratações, há cerca de um mês, os funcionários rezaram para agradecer à manutenção dos empregos.
Arezzo confirma operação fabril no Ceará
Por meio de nota, a Arezzo afirma seguir a estratégia de negócios e missão de garantir produtos e experiências com qualidade e sustentabilidade na hora certa. “Integramos ao nosso portfólio a unidade de Uruburetama do antigo parque Paquetá. Com 100% dos colaboradores absorvidos, teremos cerca de 1,2 mil novos profissionais experientes dedicados à produção de calçados femininos. Com isso, a Arezzo&Co terá ainda mais recursos, capacidade operacional e sinergias para impulsionar o crescimento do seu negócio”.
Após diversas demandas e pedidos de confirmação feitos pela reportagem, esta é a primeira vez que o grupo de moda assume iniciar os trabalhos no Ceará.
Como está a situação em Tururu
Questionada sobre a unidade de Tururu, a Arezzo não confirma a absorção do espaço físico e dos 140 funcionários. Porém, em conversa com o prefeito Antonio Bernardo, ele revelou um alívio sentido no início deste ano, com a confirmação de que a empresa também assumiria a unidade fabril do município - considerada um ateliê que realiza parte do processo de produção para a unidade de Uruburetama.
"Já tivemos uma reunião com o chefe-geral da Arezzo e eles já estão equipando e preparando o local para que os 140 funcionários que trabalhavam aqui voltem. Para nós, é uma grande alegria."
Segundo ele, a nova empresa, inclusive, tem a intenção de ampliar o espaço em mais dois galpões, abrindo cerca de 70 novos posto de trabalho. Este mesmo movimento também era prometido pela Paquetá antes da crise, reforçou Bernardo.
Raimundo Carneiro de Souza, 64 anos, trabalhava na unidade da Paquetá de Tururu há seis anos, como auxiliar de limpeza e afirmou que só acreditou que o emprego está salvo quando pegou o novo uniforme, agora da Arezzo.
Assim como os 1,2 mil funcionários da unidade de Uruburetama, no dia 2 de fevereiro, os 140 colaboradores de Tururu também participaram do processo de integração da nova empresa.
"Antes, a gente estava assim, como se diz, em um mato sem cachorro. Ninguém sabia o que realmente ia acontecer. Mas agora temos certeza que o emprego está garantido, já que o único emprego que tem aqui é essa fábrica, mesmo."
Esta é a primeira reportagem de uma série que fala dos impactos da crise do grupo Paquetá no Ceará. Na próxima edição, o Diário do Nordeste trata do impasse na ocupação dos galpões no município de Itapajé.