Primeira safra de figo de produtores japoneses no Ceará deve atingir 100 toneladas

Apesar da plena adaptação da cultura ao clima e solo cearense, produtores ainda enfrentam dificuldade para escoar a fruta

Vindo do interior de São Paulo há três anos, o casal de japoneses de 89 anos Takeo e Nobue Kimura irão colher pela primeira vez a produção de todos os 10 mil pés de figo que plantaram no Sertão cearense, mais especificamente na zona rural de Tabuleiro do Norte.

Os anos de pesquisa pelo tipo ideal de muda e de solo vão ser finalmente recompensados com uma safra estimada em 100 toneladas do fruto a ser colhida nos próximos meses.

A estimativa é apontada por um dos filhos do casal, Ricardo Kimura. Segundo ele, as condições de solo e clima favorecem a cultura, que tem demonstrado produtividade em cerca de metade do tempo que outras regiões do País.

"Como no Nordeste é muito quente e a gente coloca os nutrientes na água da irrigação, a planta desenvolve muito mais rápido. Enquanto em outros lugares demora um ano, aqui é metade do tempo, cinco, seis meses", detalha.

O projeto, inovador no Estado, gera atualmente dez empregos diretos, dos quais seis para mulheres, que atuam principalmente nas atividades de colheita e processamento.

A família também avalia o melhor momento para implantar mais 5 mil pés de figo que já foram comprados. A intenção inicial era ter acrescentado a segunda leva entre 2021 e 2022, mas devido à extensão da pandemia e as dificuldades e incertezas econômicas agregadas a ela, a expansão ainda não ocorreu e segue sem uma data certa para acontecer.

Dificuldades

Apesar da total adaptação da cultura ao clima cearense, os produtores ainda enfrentam gargalos para escoar a produção. Ricardo aponta que, por ser uma fruta praticamente desconhecida do nordestino, ainda há dificuldade de inserção do produto em estabelecimentos locais.

Há poucos meses do início da colheita, ainda não há contratos firmados para a compra das 100 toneladas que são esperadas.

Ricardo pontua que, a princípio, a família planejava levar o figo produzido no Ceará para ser comercializado em São Paulo, maior mercado consumidor da fruta no País, caso não houvesse demanda suficiente no Estado.

No entanto, a cultura precisa ser transportada resfriada e, com os recentes aumentos exponenciais do diesel e do frete rodoviário, a alternativa ficou inviável economicamente.

"O meu quebra-cabeça é que a gente fica pertinho de Fortaleza, porém o nordestino não conhece o figo. Eu estou tentando dialogar, abrir canal de negociação com o mercado, com alguns empresários, mas a gente não tem nada concreto, justamente porque o pessoal não conhece", desabafa.

Um plano C para a produção seria o beneficiamento e a fabricação de doces, como o figo ramy e a figada, receitas que a família Kimura já domina. Entretanto, a pandemia mais uma vez tornou as condições desfavoráveis, já que os próprios produtores são os financiadores do projeto.

Se não fosse pela pandemia e alguns empecilhos no ano passado, a gente já teria construído uma agroindústria. Seria uma maneira de escoar de uma maneira mais aceitável aqui em Fortaleza, porque ele (doce) lembra a goiabada, o doce de banana, e dá para fazer utilizar de várias maneiras, como sobremesa, como sorvete, pra polpa"
Ricardo Kimura
Sócio-diretor da Kimura Agrofarm

Processo de colheita

Ricardo explica que, assim como a uva e a goiaba, o figo é uma cultura que necessita da poda para dar frutos. Ele lembra que no ano passado o pai, ansioso, quis se adiantar e realizar a poda de 2 mil pés enquanto ainda não havia estrutura e equipamentos para a colheita e armazenagem.

"Como ele está muito idoso, 89 anos, está muito ansioso, não sabe se vai viver mais um ano, dois anos. E ele quer ver a produção", conta o filho.

Com o adiantamento da colheita parcial, a família perdeu parte da produção, utilizada para fazer adubo, e doou uma outra parcela às famílias vizinhas. O restante, cerca de 2 mil caixotes, foi vendido a um empresário de Pernambuco que trabalha com exportação e dispõe de estrutura agroindustrial que prepara a fruta, desde a higienização à embalagem, para ser comercializada.

A solução, contudo, só foi possível a preços muito abaixo da média, que não deram para suprir nem a mão de obra, conforme Ricardo.

Foi uma experiência pra aprender mesmo, porque não teve planejamento, e o mais importante é a saúde do nosso pai, a saúde mental, emocional dele. Só de ver o caminhão levando as colheitas ele já ficou com um brilho no olhar, de escorrer lágrima, e ele dizia 'nossa, ainda bem que eu vim pra cá'. Não deu dinheiro, não deu nada, mas só de ver a alegria dele já valeu".
Ricardo Kimura
Sócio-diretor da Kimura Agrofarm

Promoção da fruta

O secretário executivo do agronegócio do Estado, Sílvio Carlos Ribeiro Vieira Lima, afirma que toda cultura nova precisa passar por um processo de promoção para ser introduzida no mercado local, exatamente para quebrar a barreira do desconhecimento.

Ele lembra que outros produtos agrícolas estão passando pelo mesmo processo, como o cacau, o mirtilo, a pitaya, e o avocado, todas culturas de alto valor agregado que estão sendo incentivadas pelo Governo do Estado.

"O caso dos Kimura é uma iniciativa que prova o potencial importante de produção, que já está validado. Agora, a gente vai ter que abrir mercado, começar a promover, assim como foi feito com o atum, com a tilápia também", afirma.

Lima garante que o Estado tem se preocupado com a inserção dessas novas culturas e deve incluir o figo nas ações de promoções a redes de supermercados locais, que são fortes o suficiente para garantir o escoamento.

Questionado sobre o tempo que leva para uma nova cultura se firmar no mercado local, o secretário executivo não cravou uma média geral, mas ressaltou que depende da divulgação do produto e exemplificou o cacau, que começou a ser produzido em meados de 2017 e hoje recebe grandes investimentos.

O presidente da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado do Ceará (Faec), Amilcar Silveira, argumenta que as dificuldades enfrentadas pela família Kimura são naturais do pioneirismo.

Apesar das adversidades, ele revela que a federação já visitou a fazenda e se colocou à disposição para auxiliar nas necessidades do produtor. Ele também pontua que um dos caminhos de escoamento da produção a ser encontrada pode ser a exportação. 

"Às vezes, quebrar paradigmas tem suas dificuldades. Esse é o caso do figo. Eu, particularmente, acho que um dos caminhos que ele vai encontrar, e que vai ser muito salutar, é a exportação. É um mercado grande lá fora, a produtividade aqui é imensa, então é só uma questão de tempo. É um pouco de paciência e persistência para se chegar ao resultado", garante Silveira.