Prefeito de Aquiraz é investigado por desvio de verba da merenda escolar em contrato de R$ 4 milhões

Processo foi aberto pela Câmara Municipal após aprovação em votação por 9 a 3. Vereadores foram contra o parecer inicial de arquivar a investigação

O prefeito de Aquiraz, Bruno Barros Gonçalves (PL), está sendo investigado na Câmara Municipal e pode ter o mandato cassado nos próximos meses por fraude no fornecimento da alimentação escolar. O processo, que envolve compras milionárias de alimentos para abastecimento das escolas da cidade, foi aberto após denúncia apresentada em junho deste ano por infração político-administrativa. 

A investigação sobre a atuação da gestão do prefeito Bruno Gonçalves foi aberta na última segunda-feira (3) após votação favorável (9 a 3) na Câmara Municipal. 

Atualização: Procurada pela reportagem do Diário do Nordeste ainda na semana passada para comentar a investigação, a Prefeitura de Aquiraz se pronunciou, por meio de nota, apenas na manhã desta segunda-feira (10), após a publicação desta matéria. Segundo a gestão, o processo "tem como motivação a perseguição política, visto que a oposição é maioria na casa legislativa".

A prefeitura ressaltou "que um dos principais investimentos da gestão foi na qualidade da merenda escolar". O texto da administração municipal reforçou ainda que este é o "terceiro processo de cassação aberto pela oposição contra nossa gestão em menos de dois anos de mandato, e acreditamos que nem será o último". A gestão também informou que colabora com as investigações e irá provar estar correta (veja abaixo a nota na íntegra).

Os vereadores votaram contra o parecer inicial da comissão responsável que pedia o arquivamento do processo. 

A denúncia trata sobre desvio de recursos relacionados a uma licitação aberta em 2021 (13.014/2021) sobre "registro de preços para aquisição de gêneros alimentícios, visando à execução dos programas: PNAE-Fundamental, PNAC-Creche, PNAP-Pré-escola, EJA, Quilombolas, Mais Educação-Fundamental e Alimentação Especial para os Alunos da Rede Municipal de Ensino de Aquiraz. 

O certame teve como vencedora a empresa "A Cavalcante de Assunção Alencar Eireli ME", de CNPJ 38.246.722/0001-0. 

A empresa se comprometeu a entregar lotes de produtos de hortifrutigranjeiro, totalizando pagamentos de R$ 674.854,95; carne bovina moída, carne charque, carne bovina isca, carne suína em cubos, peito sem osso, coxinha de asa e sobrecoxa de frango, totalizando R$ 1.865.417,72; e leite desnatado e integral, e composto lácteo sem lactose, no valor de R$ 1.527.966,02. Os pagamentos totalizariam R$ 4.068.238,69, pelo contrato N. 2022/2501.01. 

Desde a última segunda-feira (3), a Câmara Municipal de Aquiraz confirmou que irá investigar os indícios de irregularidades no contrato, que vão desde diferenças entre as quantidades supostamente compradas e efetivamente recebidos nos estabelecimentos de ensino, até o fato de todas as cargas terem sido recebidas pela própria coordenadora de Alimentação Escolar do Município de Aquiraz. 

Com os demais fornecedores da Prefeitura, os alimentos foram recebidos pelos próprios estabelecimentos de ensino de destino registrados nas notas fiscais. O procedimento ainda feriria o edital lançado pela administração pública. 

O iten 11.2.2. do documento afirma que "o detentor do registro/contratado deverá entregar os itens solicitados na ordem de compra oportunidade em que receberá o atesto declarando o fornecimento. Os itens serão entregues nas seguintes condições: a) conforme termo de referência nos locais determinados pelas secretarias municipais de Aquiraz, indicado na ordem de compra". 

Notas duplicadas

Além disso, há registros na Câmara Municipal de Aquiraz de notas fiscais duplicadas sobre o fornecimento de alimentos da "A Cavalcante de Assunção Alencar Eireli", como a N. 000.000.981 e N. 000.001.053. A desconfiança sobre possível desvio de verbas veio pelo fato dos produtos e quantidades, maioria de frutas e vegetais in natura, serem apresentados na mesma quantidade e peso, tendo, portanto, o mesmo valor, de R$ 15.705,20.

O recebimento dos produtos da nota N. 000.000.981 pela EMEF Juscelino Kubitschek foi registrado apenas no dia 21 de março de 2022, seis dias após a entrega das mercadorias marcada na fiscal pela Coordenação de Alimentação Escolar, com data de 15 de março de 2022. 

Já para a nota fiscal N. 000.001.053 não há registro de entrega nenhuma de produtos, indicando um pagamento sem comprovação do serviço prestado. 

Itens fora de contrato

Outra possível irregularidade no fornecimento de alimentos para merenda foi apontada pela Câmara Municipal na nota fiscal N. 000.000.875, no valor de R$ 123.147,27, que se refere à entrega de carnes, leites e produtos de mercearia. 

Esse lote, segundo os documentos oficiais da administração pública, foram pagos utilizando três cheques somando R$ 123.136,82. O total representa um valor R$ 10,45 menor do que a nota emitida pela empresa. 

Além disso, o contrato (2022/2501.01), segundo relatório protocolado na Câmara, foi assinado para o fornecimento de produtos hortifrutigranjeiro (lote 01); carne bovina moída, carne de charque, carne bovina isca, carne suína em cubos, peito sem osso, coxinha de asa e sobrecoxa de frango (lote 04); e leite desnatado e integral, composto lácteo sem lactose (lote 07). Os itens de mercearia estavam de fora da demanda assinada pela Prefeitura no edital. 

Os itens de mercearia fariam referência, segundo consta na prestação de contas do Conselho de Alimentação Escolar, ao contrato 2021/0809.03. Contudo, o contrato anexado difere do indicado, sendo registrado como N. 2021/1503.01, também vencido pela "A Cavalcante", para fornecimento de kits de merenda escolar. 

Contudo, pelos recibos de entrega de merenda escolar, os produtos dos kits não foram entregues "em sua totalidade". A Câmara deverá apurar os relatos de que alunos estariam comendo lanches improvisados, "feitos com produtos distribuídos pela própria Coordenadora de Alimentação Escolar nas escolas, usando carros e servidores do município"

Possíveis impactos

Caso as investigações comprovem todos os indícios apontados na denúncia registrada na Câmara Municipal, o prefeito Bruno Gonçalves poderá ter o mandado cassado por infrações político-administrativas.

Além de não atender as convocações por esclarecimento dos vereadores, o prefeito poderá ser imputado de praticar ato de omissão ou negligência na defesa de bens, rendas, direitos ou interesses do Município sujeito à administração da Prefeitura. 

Defesa na Câmara Municipal 

Em nota enviada à Câmara dos Vereadores, o prefeito Bruno Gonçalves afirmou que a investigação teria um caráter político. Além disso, o chefe do Executivo de Aquiraz alegou não ter conhecimento de possíveis ilegalidades envolvidas no processo e que as secretarias da administração municipal funcionam em modelo descentralizado, tendo autonomia para definir modelo de atuação para  as políticas públicas, além de serem responsáveis por atestar e reportar irregularidades aos níveis superiores.

"No âmbito da autonomia municipal do Município de Aquiraz, as secretarias são órgãos descentralizados que detêm autonomia para planejar, organizar, dirigir, coordenar e controlar as ações de políticas do poder Executivo municipal, visando  a integração das políticas públicas e das atividades dos órgãos e entidades da administração pública. Importante ressaltar que o Prefeito pratica atos de gestão financeira, administrativa, e orçamentária, dispondo de toda uma estrutura administrativa, composta por órgãos internos de assessoramento técnico, jurídico e demais. As secretarias têm autonomia para delegar aos seus subordinados ações administrativas, em geral", disse a nota lida em sessão da Câmara dos Vereadores.

"O dever de fiscalizar recai sobre o secretário municipal, não sendo razoável exigir que o prefeito usurpe referida competência de seu secretariado", completa a administração municipal.

Reposta da empresa 

A reportagem também tentou contato com A Cavalcante de Assunção Alencar Eireli ME para comentar o caso, mas não obteve resposta da empresa.

Resposta da Prefeitura de Aquiraz

O processo de investigação aberto pela Câmara Municipal de Aquiraz tem como motivação a perseguição política, visto que a oposição é maioria na casa legislativa.

Inclusive, a comissão processante da própria Câmara Municipal de Aquiraz decidiu, por 3 votos a 0, a suspensão da investigação por falta de documentos e provas que liguem a investigação ao prefeito de Aquiraz

Ressaltamos ainda que um dos principais investimentos da gestão foi na qualidade da merenda escolar, na qual todos os produtos são da mais alta qualidade disponível no mercado.

Esse é o terceiro processo de cassação aberto pela oposição contra nossa gestão em menos de dois anos de mandato, e acreditamos que nem será o último. Sempre colaboramos com as investigações, pois fazemos uma gestão limpa e transparente. E como em todos os outros, iremos provar que estamos corretos e não vamos ceder aos políticos do passado que assombram o desenvolvimento da nossa cidade.

Aquiraz segue em um ritmo de progresso nunca visto antes, mesmo com uma oposição que só atrapalha. Com fé em Deus e o apoio dos aquirazenses vamos continuar, incansavelmente, trabalhando para cuidar da nossa cidade.