Por que empresas lideradas por mulheres recebem menos investimentos do que as encabeçadas por homens

Pesquisas globais e nacionais mostram que empresas lideradas por mulheres recebem menos cheque de investimentos, dificultando aos negócios ganhar escala

As mulheres que querem empreender têm uma dificuldade a mais para conseguir tirar a ideia do papel. Em menor número nesse universo, as iniciativas lideradas por mulheres recebem menos investimentos do que as encabeçadas por um homem. 

De acordo com estudo conjunto da Distrito, B2mamy e Endeavor, startups fundadas apenas por mulheres representam apenas 4,7% do ecossistema nacional. Essas iniciativas receberam apenas o equivalente a 0,04% de todo o valor investido em startups em 2020. 

Essa realidade é parecida em todo o mundo. Dados da plataforma Crunchbase mostram que as mulheres receberam o equivalente a 2,3% dos investimentos de capital de risco em 2020, uma queda considerando que em 2019 o número era de 2,8%. O volume também caiu consideravelmente, de US$ 6,2 bilhões em 2019 para US$ 4,9 bilhões em 2020. 

Menor presença nos investimentos 

A diretora vogal do Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças Ceará (Ibef-CE), Ana Flávia Chagas, explica que muito da dificuldade de as mulheres conseguirem crédito para investir vem da menor presença feminina também dentro dos investimentos, principalmente em posições mais arrojadas. 

“Historicamente, as mulheres nunca estiveram tão à frente de funções de liderança nem recursos financeiros para serem mais arrojadas e investir. Dentro do mundo dos investimentos, tem investimentos com maior risco. O investidor anjo, que investe em startups, é um investidor mais arrojado”, destaca. 

Conforme pesquisa da Associação Anjos do Brasil, as mulheres compõem apenas 14% dentro dos investidores anjo do país. A falta de diversidade entre os que têm o poder de apostar nos empreendimentos se reflete na dificuldade de crédito para as empreendedoras femininas. 

A investidora anjo de mulheres empreendedoras e fundadora do grupo de investidoras Sororité, Flávia Mello, afirma que muitos investidores não conseguem ver a relevância ou a necessidade de negócios voltados para a resolução de problemas femininos.  

Para ela, não investir em mulheres hoje é um posicionamento “antiquado e meramente preconceituoso”.  

Se existe algum investidor assim [que discrimine mulheres], tem que ver que o mundo não permite mais, não cabe mais esse tipo de cultura. Com mulheres democratizando esse cheque, em fundos de investimentos, em times de análise de crédito, a gente vai ver essa mudança acontecendo tanto do lado do investidor tradicional como de mulheres tomando o lugar de decisão
Flávia Mello
investidora anjo

Organização e planejamento 

CEO de da Hermoney, uma das startups investidas pela Sororité em Fortaleza, Andrezza Rodrigues reconhece que uma das maiores dificuldades que a mulher encontra ao se colocar no empreendedorismo é a organização, sobretudo financeira. 

Ela conta que encontrou dificuldades para conseguir financiamento para criar a HerMoney, mas que ter conhecimentos na área financeira foi um diferencial que permitiu que a empresa pudesse ir mais longe.  

“Em 2020, quando a gente começou a buscar investimento, eu não tinha nenhum amigo que tivesse investimento, meus pais não tinham condições de me emprestar um real. Hoje em dia eu enxergo que o que foi muito vantagem para gente foi que meu conhecimento em finanças deixou a gente mais preparada e mais bem vista. Essa não é a realidade da maioria do mercado”, percebe. 

É justamente nessa questão que a startup atua. A HerMoney possibilita a gestão financeira de pequenas empresas de forma automatizada pelo Whatsapp, uma facilidade importante para as empreendedoras que também são mães, filhas, amigas, companheiras, donas de casa e exercem diversas outras funções. 

Ela chama atenção que muito do motivo de mulheres não conseguirem crédito é por elas não conseguirem comprovar ganhos financeiros, justamente pela falta de gestão nessa área.  

“A facilidade de elas terem um crédito é elas estruturarem a capacidade financeira. Os negócios de mulheres têm muita capacidade, mas se elas não comprovam isso para financeira não vale de nada”, reforça. 

Andrezza reitera que essa organização é essencial para que as empreendedoras consigam investimentos ainda nas fases iniciais e, assim, consigam escala para crescer. 

“A gente tem que investir nas mulheres quando elas estão pequenas, porque elas não têm dinheiro próprio para investir como os homens”, diz. 

Apresentação e networking 

Outra questão que coloca empecilhos entre as iniciativas femininas e os investimentos é a organização e o planejamento. Segundo Ana Flávia, culturalmente as mulheres são mais inibidas e a falta de experiência atrapalha no momento de conseguir apresentar as ideias do negócio de forma objetiva e atraente. 

“Eu como empreendedor ou empreendedora tenho que ter uma boa estratégia, bom marketing, alto poder de comunicação, objetividade. E, para isso, o empreendedor precisa estar preparado. A questão é que tem pessoas com boas ideias que não se preparam para colocar ideias em prática”, reforça. 

Para ela, o que aprofunda a desigualdade de gênero no universo do empreendedorismo é o fato de as mulheres ainda não terem confiança nas próprias ideias. 

“Existe uma demanda reprimida de mulheres com pouca coragem de ampliar. As mulheres tem que ter mais autoconfiança no potencial delas. Não tem nenhum empreendedor que não seja visionário de otimista e pelo perfil histórico, as mulheres não se reconhecem como essa potência”, lamenta. 

Ana acrescenta que as mulheres devem desenvolver o chamado netliving, uma “evolução” do networking em que as relações se estreitam para além do meramente profissional, possibilitando laços que gerem empatia.