Papai Noel deixa home office e deve faturar até R$ 12 mil na noite de Natal com visitas a famílias

Em uma das empresas, a visita do Papai Noel em casas de famílias dura cerca de 30 minutos e custa R$ 1,5 mil por residência

Após o Natal de 2020 ter exigido uma série de cuidados por conta da pandemia da Covid-19 - com Papai Noel em torre, chamadas de vídeo, conversas por WhatsApp, casa e paredes de vidro para evitar contato -, neste ano o Bom Velhinho sai do home office e estará mais presente nos shopping centers e até mesmo nas visitas às casas de famílias. 

O Papai Noel é uma das tradições culturais mais fortes no imaginário das pessoas que permanecem presentes mesmo após séculos e fomenta todo um nicho de mercado. Em Fortaleza, profissionais vestidos de Bom Velhinho chegam a faturar R$ 12 mil na noite do dia 24 de dezembro visitando famílias, segundo apurou a reportagem do Diário do Nordeste.

O aposentado Osvaldo Wagner (76) nasceu em São Paulo, mas foi em Fortaleza que começou a interpretar o Papai Noel. Ele lembra que, em 2003, ao chegar na festinha de Natal da nova escola da filha, as crianças acharam que ele era o Bom Velhinho, mesmo sem a tradicional roupa vermelha e barba mais curta.

No mesmo dia, um empresário que agencia Papais Noéis o convidou para interpretar o papel no ano seguinte, dando início a uma carreira que já dura 17 anos.

A primeira experiência de Osvaldo foi em um supermercado e "já começou a ser sucesso". Em seguida, ele ficou atendendo em um shopping da Capital por dois anos até que ele precisou substituir um Papai Noel em outro shopping tradicional.

"Aconteceu um acidente com a barba do Papai Noel, que vinha de Belo Horizonte. A barba dele caiu toda de um lado e eu tive que substituir. Estou lá desde então e, depois disso, comecei a fazer casas também, escolas, diversas coisas"
Osvaldo Wagner
Papai Noel

Histórico natalino

Apesar de nunca ter pensado em constituir carreira como Papai Noel, Osvaldo parecia estar destinado a esse trabalho. O pai do idoso foi um dos fundadores da fábrica de brinquedos Estrela e ele e os irmãos nasceram dentro da indústria.

"Lá dentro tinha uma casa e, como não tinha segurança ainda, porque estavam começando, meu pai foi morar nessa casa. Eu e meus três irmãos nascemos dentro da fábrica", conta.

Assim como o pai, Osvaldo trabalhou na empresa e se aposentou lá após 34 anos de serviço. Além da Estrela, ele também trabalhou em outra companhia de brinquedos do Rio Grande do Sul, a Xalingo, e até abriu a própria empresa de representações, pela qual importava brinquedos.

Entre os itens que ele trazia de fora estavam Papais Noéis. O então empresário lembra que em um ano chegou a importar 35 mil bonecos do Bom Velhinho.

"Quando estava em São Paulo, fazia diversas coisas sempre voltadas para criança", pontua.

Mercado

O diretor da CriaAção Entretenimento, Marcos Leite, foi quem descobriu o talento de Osvaldo para ser Papai Noel.

Há mais de 30 anos no mercado, a empresa atende shoppings, eventos e famílias de diversas cidades, como Fortaleza, São Luís, Teresina, Belém e Manaus.

Ao todo, o empresário agencia 35 profissionais e trabalha o ano inteiro em torno do Natal.

Apesar de 70% dos contratos da empresa serem referentes aos shoppings, Leite revela que chega a atender de 150 a 200 famílias considerando todas as cidades nas quais a empresa atua.

Ele lembra que algumas famílias já são clientes da CriaAção há 15 anos, passando a tradição para a próxima geração.

"Tem alguns que chegam a nos presentear com álbuns de família da criança pequena, depois casada, com o filho dela. Isso é muito bacana, é gratificante fazer parte desse acompanhamento de gerações e dessa tradição que muitas famílias fazem questão de manter"
Marcos Leite
Diretor da CriaAção Entretenimento

Procura e custos

As famílias que possuem a tradição de ter a presença do Papai Noel na noite de Natal começam a procurar a empresa para fechar o serviço a partir de agosto, demanda que vai crescendo até o dia 10 de dezembro, quando normalmente esgotam as vagas para o dia 24.

Os valores também vão subindo à medida que o Natal se aproxima. Questionado sobre a faixa de preço do serviço, Leite preferiu não entrar em números para preservar os profissionais. Mas garantiu que não são valores exorbitantes como alguns imaginam.

"O que posso falar é que são valores bem acessíveis que as famílias, se planejarem em conjunto, fazem isso (contratar Papai Noel) com facilidade incrível. Em volta do Papai Noel tem ali os irmãos, os tios, os primos, os avós. Então, pelo número de pessoas que ele está atendendo, é um valor bem tranquilo. E a maior remuneração dos Papais Noéis são os sorrisos, os abraços, o carinho", ressalta.

Barba de verdade

Um diferencial da empresa é que todos os profissionais possuem barba de verdade. A exigência se tornou padrão há cerca de 15 anos.

Leite explica que a barba e cabelo brancos naturais ajuda a manter a magia em torno do personagem. No passado, ele lembra que ocorreram situações em que as crianças puxavam e arrancavam a barba postiça, deixando o profissional em uma 'saia justa'.

"Nossa empresa não trabalha com Papai Noel que não seja com barba natural. Não desmereço quem faça, só optamos por ter um padrão de Papai Noel com barba natural', afirma.

Por conta do trabalho, Osvaldo só tira a barba e corta o cabelo uma vez por ano, logo após o Natal, quando não há mais nenhum trabalho como Papai Noel.

Segundo ele, manter o visual do Bom Velhinho o ano todo tira um pouco da magia do período.

Ainda assim, algumas pessoas chegam a reconhecê-lo mesmo descaracterizado.

Natal em Família

Desde que começou a visitar a casa de outras pessoas na noite de Natal, incluindo cantores famosos e grandes empresários locais, a família de Osvaldo não se reúne. Há alguns anos, o aposentado passa a meia-noite com um dos clientes.

"Tem uma senhora que já atendo há mais de 10 anos e ela sempre pede pra ficar por última pra eu passar a meia-noite com eles. Então chego por volta das 23h30 e fico até 1h30, depois venho pra casa", relata.

Esse ano, porém, um dos netos terá quase três anos e a filha pediu para que o avô, vestido de Bom Velhinho, estivesse presente na noite do dia 24.

"Então, esse ano, não importa a hora, nós vamos ter que ir lá", afirma.

Atendimento personalizado

A Cia Mix da Alegria trabalha com animação de festas infantis há 27 anos e há mais de 20 com espetáculos natalinos e visita de Papais Noéis na noite de Natal.

O diretor-geral e proprietário da empresa, Márcio Cavalcante, conta com um elenco de quase 100 profissionais ao todo, entre bailarinos, cantores e atores.

Neste ano, quatro profissionais irão representar o Bom Velhinho nas casas, um a mais que o ano passado quando 13 famílias foram atendidas.

A ampliação do número de Papais Noéis foi necessária para atender toda a demanda que a empresa vem recebendo, tendo em vista a fidelização dos clientes antigos e a chegada de novos.

Os atendimentos consistem na visita do Papai Noel com uma assistente que canta durante a chegada. O Bom Velhinho ainda interpreta uma mensagem de esperança preparada previamente baseada no que cada família vivenciou durante o ano. 

Ao todo, o serviço dura 30 minutos e custa R$ 1,5 mil.

Atores e relação com as famílias

Os Papais Noéis da Cia Mix da Alegria são representados por atores e utilizam barba e cabelo postiços. Márcio detalha que os profissionais entregam um vigor que idosos com barba real não teriam.

"Noto que quando são idosos eles têm certa limitação. Têm as características do Papai Noel, mas falta interação, falta oratória, e acaba sendo frio às vezes", argumenta o diretor-geral.

Cavalcante lembra que alguns dos clientes começaram contratando a Cia Mix da Alegria para o aniversário dos filhos, depois passaram a levar o Papai Noel para o Natal da família e hoje as crianças já são casadas.

"Tenho uma cliente que faço há anos e ela e a amiga ficam disputando o horário da meia-noite. Ano passado, quando a gente saiu de lá, ela já deixou reservado pra esse ano"
Márcio Cavalcante
Diretor-geral da Cia Mix da Alegria

Tradição de esperança

A empresária Kelly Nobre passou a ser cliente da Cia Mix da Alegria contratando palhaço para animar a festa de aniversário dos filhos.

Quando o personagem do Papai Noel começou a ser disponibilizado pela empresa, ela também aderiu a essa tradição, que já dura mais de 10 anos.

"Eu resolvi contratar o Papai Noel pela primeira vez quando meus filhos eram pequenos por causa deles e se tornou tradição, porque a figura, não só para as crianças, mas para nós adultos também, traz uma simbologia muito especial, com a troca de presentes, com a mensagem de amor em família"
Kelly Nobre
Empresária

Atualmente, os filhos de Kelly já estão com idade entre 20 e 26 anos, mas não deixam de presar pela presenta do Bom Velhinho na noite de Natal.

"É uma figura esperada por todos à meia-noite. A cada ano a gente só renova o contrato. E o investimento, não chamo nem de curto, vale muito a pena, por todo o amor que ele traz, por toda a beleza, toda a simbologia, porque é um referência pra gente", relata.

Dificuldade na retomada

O crescimento da demanda e a facilidade na retomada após a pandemia, no entanto, não veio para todos os Papais Noéis.

O proprietário do Marcelo Fest Arte e Produções, Marcelo Freitas, trabalha com buffet móvel e animação, incluindo Papai Noel para eventos e reuniões familiares.

Por conta da crise sanitária, ele precisou vender todos os figurinos que tinha e ainda não conseguiu fechar visitas para este ano.

"Algumas pessoas já estão procurando Papai Noel, pedindo orçamento, mas não fecharam ainda", afirma.

O empreendedor, que também é ator, costumava trabalhar com atores representando o Bom Velhinho. Caso o cliente pedisse que a barba fosse de verdade, ele também atendia, mas o valor do serviço subia cerca de 50%.

Na noite do Natal, ele costumava atender cerca de oito famílias divididas entre ele e outro ator.

Além do comprometimento da renda durante a pandemia, Freitas avalia que a crença no personagem está diminuindo e comprometendo o mercado.

"O mercado de Papai Noel diminuiu não só pela crise, mas também pelo modismo atual. Hoje em dia, as crianças já sabem que não existe. Só as famílias mais tradicionais obedecem o espiríto do Natal"
Marcelo Freitas
Proprietário da Marcelo Fest Arte e Entretenimento

Sem as roupas próprias, caso ele consiga fechar algum contrato, irá precisar alugar a vestimenta. O valor de cada atendimento varia de acordo com o tempo do evento, mas tem diminuído nos últimos anos exatamente pela desvalorização da tradição.