O que é energia por assinatura e por que a Aneel está de olho na modalidade?

Comercialização da energia gerada em pequenas usinas é proibida; TCU identificou alta vertiginosa em subsídios a essa forma de geração

Com promessa de economia na conta de luz e oferta de energia renovável sem instalação de nenhum equipamento, as empresas de energia 'por assinatura' ganharam notoriedade entre consumidores residenciais. Após denúncias de irregularidades, contudo, essa modalidade será fiscalizada com maior afinco pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).

O Tribunal de Contas da União (TCU) recebeu uma representação sobre eventual omissão da Aneel na fiscalização de atividades da micro e minigeração distribuída de energia elétrica (MMGD)

Conforme resoluções normativas da agência, a energia da micro e minigeração é voltada para consumo dos próprios produtores e não pode ser comercializada. O que indica o caso no TCU, entretanto, é que empresas de energia por assinatura utilizam essa forma de geração e vendem a energia gerada nessas pequenas usinas através do aluguel de paineis. 

Isabel Veloso, professora da FGV Direito Rio, explica que o modelo de energia por assinatura explora uma lacuna na legislação. "O marco legal prevê a possibilidade de geração compartilhada. Contudo, o modelo de assinatura vai além, oferecnedo uma estrutura onde consumidores pagam mensalidade, o que se assemelha a uma comercialização indireta de energia, o que não está claramente previsto no marco legal", afirma.

No Brasil, a compra de energia de diferentes empresas é permitida apenas para indústrias e comércios que são da alta tensão, nos eixos do mercado livre de energia

Para consumidores residenciais, a energia é fornecida pela concessionária regulada, definida por região. A única forma de residências não utilizarem a energia da empresa regulada é com a produção da própria energia - prevista na mini e microgeração distribuída.

Se enquadram na MMGD as usinas de energia renovável com potência de até 3 megawatts. A modalidade permite a geração própria de energia para consumo local, remoto e geração de créditos para compensação do consumo. Veja as formas de participação :

  • Autoconsumo local: a energia é gerada e utilizada no mesmo local onde o sistema de energia é instalado;
  • Autoconsumo remoto: a energia é gerada em um local e utilizada em outro, desde que as unidades tenham omesmo titular;
  • Geração distribuída em múltiplas unidades consumidoras: a energia é gerada em um condomínio e repartida entre os apartamentos/casas;
  • Geração compartilhada: diversos interessados podem ser unir por consórcio, cooperativa ou outra forma de associação civil para instalar usina de energia e dividir a produção entre os participantes.

Para se enquadrar na geração compartilhada, todos os consumidores beneficiados pelos créditos de energia devem participar da instalação do sistema elétrico. Esse é o ponto em que pode haver irregularidade.

"Enquanto as empresas que operam no modelo de assinatura argumentam que o aluguel dos painéis solares cumpre essa exigência, o TCU questionou a legitimidade da venda de cotas das usinas, que poderia configurar uma forma de comercialização de energia não permitida", explica Veloso. 

ANEEL NÃO TINHA IDENTIFICADO INDÍCIOS SUFICIENTES

A Aneel informou, em nota, que a fiscalização a essa oferta de energia ainda não tinha identificado indícios suficientes para uma atuação específica. A agência ressaltou que publicou uma normativa em 2022 que deixa explícita a proibição do uso comercial da energia da MMGD

"As áreas técnicas instauraram a tomada de subsídios para avaliar a necessidade de eventuais comandos regulatórios específicos para promover a aplicação do dispostos no art. 28 da Lei nº 14.300/2022, de modo a combater a eventual comercialização de energia no âmbito do sistema de compensação de energia elétrica", diz a entidade.

A agência tem até 24 de setembro para apresentar um plano de ação para melhorar a fiscalização das empresas de energia 'por assinatura'. Eventuais aprimoramentos deve ser incluídos na Agenda Regulatória 2025-2026.  

O modelo de micro e minigeração de energia teve aumento exponencial nos últimos anos, passando 20 megawatts em 2015 para 26 mil megawatts em 2023. O movimento virou tema no Tribunal de Contas devido às isenções fiscais e subsídios que esses projetos de energia recebem.

Os consumidores da MMGD são cobrados pela diferença entre a energia consumida e injetada, ou seja, não arca monteriamente com as parcelas de uso da rede de encargos, segundo o ducumento da corte. 

Os subsídios destinados a essa modalidade energia sofreram alta vertiginosa e chegaram a R$ 7,1 bilhões em 2023. O número cresceu 1.463% em três anos: era de R$ 454 milhões em 2020.

Uma análise da Empresa de Pesquisa Energética indica tendência de continuidade de crescimento relevante da MMGD também nos próximos anos. O TCU avalia que pode haver concessão de subsídios indevidos para determinados grupos e aumento das tarifas para o restante.

"O consumidor deixa de pagar parte da energia para a distribuidora e passa a remunerar outra sociedade, que repassa créditos de energia com desconto em relação à tarifa regulada. Essa sociedade se remunera e captura parte dos subsídios da MMGD que não compuseram o desconto oferecido aos consumidores", argumentou o relator do caso no TCU, ministro Antonio Anastasia.

COMO FUNCIONA A ENERGIA POR ASSINATURA? 

As empresas de energia por assinatura prometem economia na conta de energia mensal sem custo de instalação ou adesão e sem obras ou compras de equipamentos. Segundo anúncios do serviço, o consumidor aluga uma cota nas usinas de energia da empresa. 

A energia gerada na parcela da usina 'alugada' é enviada para a Enel, e os créditos gerados são utilizados para compensar a energia utilizada pelo consumidor. 

Os consumidores pagam duas contas de luz: continuam pagando a tarifa da concessionária regulada, que é a Enel Distribuição no caso do Ceará, e pagam uma fatura da empresa de energia por assinatura. 

A conta da Enel abrange os tributos e taxas de iluminação pública. Já a conta da empresa fornecedora cobra o aluguel das cotas de energia, corresponde ao consumo mensal.

Isabel Veloso explica que, para seguir as determinações da Aneel e se enquadrar na microgeração compartilhada, uma empresa de energia por assinatura deve estruturar suas operações com os princípios das cooperativas

"Cada cooperado deve ter participação equitativa nas decisões, com direito a voto igualitário em assembleia, onde são discutidos e decididos os critérios de administração e eleição da diretoria", explica.

A especialista ressalta que, para que o modelo não apenas simule uma cooperativa, os cooperados devem estar envolvidos ativamente no processo de aquisição dos painéis solares. As empresas também devem garantir que o lucro do negócio seja derivado do aluguel dos painéis solares, e não da venda da energia gerada

LIMITAÇÃO DA MODALIDADE É IMPROVÁVEL

O diretor de regulação do Sindicato das Indústrias de Energia e de Serviços do Setor Elétrico do Estado do Ceará (Sindienergia), Bernardo Viana, argumenta que as empresas não realizam comercialização de energia, e sim o aluguel dos equipamentos de geração.

"Lá em 2017 foi autorizada a geração compartilhada, e foi realmente se acelerando nos últimos três anos. Não tem nenhuma vedação aos consumidores se reunirem para receberem créditos. Eles reúnem através de associação civil ou consórcio", afirma.

O diretor so Sindienergia reconhece que as empresas erram ao fazer publicidade de desconto direto na conta de energia, mas que dificilmente essa modalidade será restrita. "O que as empresas têm fazer é mudar esse marketing, de dizer que vão dar até 40% de desconto nas tarifas. Essa narrativa é do mercado livre de energia [que é aberto apenas para grandes estabelecimentos], não é da geração distribuída", afirma.

Isabel Veloso acompanha a ideia de que dificilmente a Aneel irá proibir a operação de empresas de energia por assinatura. A professora explica que em mercados disruptivos como o da geração distribuída, que desafiam as estruturas regulatórias, novas regras resurgem sempre.

Ao invés de impor uma proibição, a tendência é que a agência adote uma postura regulatória mais robusta, ajustando as regras para assegurar que o modelo opere de forma transparente e, possivelmente, reavaliando os subsídios que seriam cabíveis a esse modelo específico. 
Isabel Veloso
Professora da FGV Direito