O papel de promover o desenvolvimento regional do Banco do Nordeste pode estar em xeque após a publicação da Medida Provisória 1.052/2021 pelo Governo Federal.
A iniciativa visa criar o Fundo Garantidor de Infraestrutura (FGIE) para focar projetos através de recursos da União, mas deverá enfraquecer os bancos públicos regionais ao reduzir de forma progressiva a taxa de administração sobre os Fundos Constitucionais (FNE, FNO e FCO), dispositivo crucial para a geração de receitas destes bancos.
De acordo com o texto da MP 1.052, o FGIE deverá ser gerenciado pela Agência Brasileira Gestora de Fundos Garantidores e Garantias (ABGF) e deverá ter preferências por projetos de "concessões e parcerias público-privadas nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste".
O objetivo, segundo o Governo Federal, é reforçar o apoio a investimentos em obras de "saneamento básico, resíduos sólidos, iluminação pública, habitação social e segurança hídrica".
Contudo, a União poderá minar o poderio financeiro de bancos públicos, como o BNB. Isso porque parte dos recursos do FGIE seria redirecionada a partir dos Fundos Constitucionais de Financiamento do Norte (FNO), do Nordeste (FNE), e do Centro-Oeste (FCO).
O Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR), contudo, reitera que não há correlação entre os recursos dos fundos constitucionais e o FGIE.
A progressão seguirá o seguinte modelo:
- I - 2,1% (dois inteiros e um décimo por cento) ao ano, de 1º de janeiro de 2021 a 30 de junho de 2021;
- II - 1% (um por cento) ao ano, a partir de 1º julho de 2021;
- III - 0,9% (nove décimos por cento) ao ano, no exercício de 2022;
- IV - 0,8% (oito décimos por cento) ao ano, no exercício de 2023;
- V - 0,7% (sete décimos por cento) ao ano, no exercício de 2024;
- VI - 0,6% (seis décimos por cento) ao ano, no exercício de 2025; e
- VII - 0,5% (nove décimos por cento) ao ano, a partir de 1º de janeiro de 2026
Papel prejudicado
A decisão, segundo a Associação de Funcionários do Banco do Nordeste (AFBNB), prejudicará profundamente o funcionamento do BNB, que se baseia consideravelmente nos recursos aplicados pelo FNE para financiar o funcionamento de projetos de desenvolvimento regional.
Atualmente, cerca de 70% dos custos do BNB – que envolvem ações de infraestrutura, pagamentos, treinamentos, qualificação profissional e outros – são garantidos pelo montante gerado a partir da taxa de administração do FNE.
O demonstrativo financeiro do BNB indicou que foram registradas "mais de 711 mil operações" de crédito pelo FNE no exercício de 2020, o equivalente a cerca R$ 25,84 bilhões. No próprio documento, o BNB se refere ao Fundo como "principal funding da Instituição".
Missão do banco sob risco
Com parte do financiamento prejudicado, os funcionários do BNB temem que o Banco seja obrigado a atualizar algumas formas de garantir a operacionalização de projetos, tendo menos condição de assegurar empréstimos de longo prazo com condições mais favoráveis que o mercado convencional.
Rita Josina, presidente da AFBNB, afirmou que, com menos recursos do FNE, será praticamente impossível manter as estruturas físicas, como agências, em todas as áreas de atuação do Banco, reduzindo o alcance da Instituição.
Ela defendeu que isso atrapalharia a "missão do Banco" de buscar projetos de desenvolvimento regional de forma prática e com condições mais vantajosas, já que o BNB teria de buscar outras formas de se financiar.
Uma das possíveis soluções seria elevar o custo de crédito da Instituição.
"Com a redução da taxa de administração, a gente não movimenta e não paga o mínimo possível para se ter um funcionamento correto no Banco. Da forma como está previsto, não se cobre os riscos das operações", disse Rita
"Não podemos pensar na administração de fundo constitucional seguindo a lógica de mercado. Não dá para o cliente tomar esse empréstimo sem essa condição. Estaremos negando crédito de forma acessível e que esteja no escopo de uma política pública", completou.
Micro e pequenos empresários
A opinião é corroborada por Wandemberg Almeida, conselheiro do Conselho Regional de Economia Ceará (Corecon-CE). Ele destacou que a medida terá impacto claro sobre os micro e pequenos empresários no Nordeste, já que eles poderão encontrar uma opção a menos no mercado para financiamento de crédito de forma viável.
O conselheiro ainda lembrou que os recursos do FNE, além de necessários para financiar projetos de infraestrutura e energias renováveis, são consideravelmente relevantes para o funcionamento do CrediAmigo, um dos maiores projetos de microcrédito da América Latina.
"Os micro e pequenos empresários vão ser prejudicados. Quando a gente reduz a taxa de administração, a gente fragiliza o banco que perde condições de atender o público. Temos uma alta taxa de pobreza no Nordeste e enfraquecer o banco traz danos ao setor produtivo e para a população em si. A MP deve acabar enfraquecendo o BNB e outros bancos públicos", disse.
Preocupação interna
Internamente, a MP 1.052 foi recebida como um ponto de grande preocupação para o funcionamento do BNB. Segundo um funcionário da Instituição, que preferiu não se identificar, a medida representa uma "significativa perda de receita do BNB".
"A primeira coisa que alguns funcionários pensam é que deve haver redução na participação dos lucros, mas o cenário é muito maior do que isso. Essa medida atrapalha o funcionamento do Banco porque esses recursos são muito importantes para manter gastos com infraestrutura e poder oferecer créditos acessíveis na Região", disse.
"Essa medida prejudica muito a missão do Banco", completou.
Uma das perspectivas levantadas internamente é que a MP é uma forma de a União reaver recursos durante a crise gerada pela pandemia do novo coronavírus. Contudo, no modelo proposto, a decisão acaba enfraquecendo os bancos públicos e pode acabar elevando o nível de desigualdade regional.
Outro funcionário afirmou que a medida pegou todos de surpresa, até porque a menção aos bancos públicos acontece de forma "tímida", sem muitas referências.
"Já existia um escalonamento de taxa de administração pela MP 812/2017, se não me engano, em que a menor taxa chegaria a 1,5% em 2023. Mas essa MP pegou todo mundo de surpresa. Agora o BNB, que tem de se pagar, deve fazer um estudo para mensurar os impactos", afirmou.
Internamente, a perspectiva é de que a direção do Banco do Nordeste não conteste a MP 1.052 para não entrar em choque com o Governo Federal e os ministérios da Economia e do Desenvolvimento Regional.
Posição do BNB
Oficialmente, o BNB emitiu uma nota dizendo apenas que está avaliando os impactos da Medida Provisória.
"Essa MP traz impactos para os bancos administradores dos Fundos Constitucionais, FNE, FNO e FCO. Na condição de administrador do Fundo Constitucional de Financiamento do Nordeste (FNE), o Banco está avaliando os reflexos dessa Medida Provisória na operacionalização desse Fundo", diz a nota assinada por Hailton José Fortes, diretor de relações com investidores.
Articulação
Nos bastidores, no entanto, os funcionários do Banco, por meio da AFBNB, estão buscando contato com os parlamentares que representam o Nordeste no Congresso Nacional para tentar reverter as mudanças da MP 1.052.
Rita Josino afirmou que os parlamentares têm se mostrado receptivos aos pleitos e que estão buscando a criação de emendas à MP para reduzir o impacto ao financiamento dos Bancos Públicos.
Contudo, ainda será preciso aguardar essas articulações para saber as possíveis mudanças no texto do Documento.
Resposta do Governo
O Governo Federal, via Ministério do Desenvolvimento Regional, afirmou que "as alterações trazidas pela MP 1.052/2021 vão beneficiar empreendedores e produtores rurais do Norte, Nordeste e Centro-Oeste que terão R$ 8,5 bilhões a mais disponíveis, até 2024, nas linhas de financiamento dos Fundos Constitucionais (FNO, FNE e FCO)."
A ampliação do volume de recursos disponíveis se dará, diz o Ministério, pela redução nas taxas administrativas dos bancos operadores dos Fundos Constitucionais de Financiamento. Já em 2021, a medida disponibilizará R$ 750 milhões para os empreendedores dessas regiões.
"É falsa a afirmação de que a medida provocará o enfraquecimento dos bancos públicos, haverá, na verdade, uma equalização com as taxas que são praticadas no mercado. A título de comparação, a Caixa Econômica Federal recebe 0.5% como taxa de administração do FGTS, já os bancos que operam os fundos constitucionais recebem 2.1% pelo serviço, além das demais taxas de remuneração das disponibilidades. A redução será gradual até 2026".