A pandemia do novo coronavírus gerou impactos econômicos para a população em diferentes níveis, e um dos grupos mais prejudicados foi o dos jovens. No Ceará, o número de pessoas de 19 a 24 anos que terminaram o ano de 2020 sem estudar nem trabalhar cresceu 13,6% frente a 2019, atingindo 353,8 mil jovens.
Conforme levantamento da consultoria iDados, a partir de informações do Pnad Contínua do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), este é o maior número dos jovens chamados 'Nem Nem' para o período desde o início da série histórica que começa em 2012.
O resultado do quarto trimestre de 2020 no Estado é o terceiro maior do Nordeste e o sexto do País, atrás apenas de São Paulo (1,14 milhão), Minas Gerais (524,6 mil), Rio de Janeiro (463,3 mil), Bahia (462,8 mil) e Pernambuco (412,5 mil).
Proporcionalmente, o Ceará encerrou o ano com 39,1% dos jovens dessa faixa etária sem estarem matriculados em alguma instituição de ensino e sem exercerem alguma atividade econômica.
Desigualdade de acesso a oportunidades
O coordenador do Laboratório de Estudos da Pobreza (LEP) da Universidade Federal do Ceará (UFC), Vitor Hugo Miro, ressalta que a situação deste grupo de jovens que não estudam nem trabalham é bastante determinada pelas condições socioeconômicas das famílias e do meio em que vivem.
"A condição destes jovens é resultado das desigualdades de acesso à educação e oportunidades de trabalho. Realmente, estariam compondo um grupo da força de trabalho menos qualificada, pela baixa escolaridade e falta de experiência. A situação mais preocupante ocorre quando estes jovens abandonam a força de trabalho, desistem de procurar por vagas de emprego e se tornam completamente inativos", afirma.
Ele lembra que, mesmo antes da pandemia, o contingente de cearenses nesta situação já era preocupante e que ainda não apresentava uma melhora significativa em razão do fraco desempenho econômico até 2019. No fim daquele ano, o número era de 311,4 mil jovens, o correspondente a 35,1% do total da faixa etária.
"Infelizmente, a pandemia resultou em maiores restrições à recuperação econômica e seus reflexos sobre o mercado de trabalho são mais severos para os trabalhadores com menor qualificação formal e em setores mais vulneráveis, como é o caso dos informais", explica Miro.
O momento mais grave no Estado foi o segundo trimestre de 2020, quando o número de jovens sem estudar e trabalhar chegou a 428,6 mil (46,5%), período que coincide com o pico da primeira onda de covid-19 no País.
Evasão escolar
O coordenador do LEP indica que, apesar de serem necessárias, as medidas de distanciamento social implementadas, assim como as dificuldades de acesso às aulas online, acabaram por afastar os alunos da escola, resultando em um maior potencial de evasão escolar.
Ao mesmo tempo, Miro afirma que as empresas ficaram menos propensas a abrir oportunidades para os mais jovens por conta da crise desencadeada pela pandemia, de forma a dar preferência a profissionais mais experientes.
"A magnitude desse efeito também foi condicionada pelas características socioeconômicas do Ceará, como uma força de trabalho menos escolarizada, pela elevada proporção de trabalhadores informais, e uma estrutura econômica com elevada participação de setores de serviços, comércio, turismo e eventos, bastante afetados pelas medidas de combate à Covid-19", explica.
A piora do número de jovens Nem Nem no Ceará foi o dobro do observado na média do Brasil, que sofreu elevação de 5,4% no quarto trimestre de 2020 em relação ao último trimestre de 2019. Em números absolutos, 5,8 milhões de jovens brasileiros não estavam estudando nem trabalhando no fim do ano passado.
Mercado de trabalho
O diretor geral do Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará (Ipece), João Mário de França, atribui o agravamento desse cenário no Ceará bem como o ritmo mais robusto de alta à retração do mercado de trabalho em função da pandemia. Segundo ele, quando há crise econômica, é natural que esse indicador cresça.
"Quando tem um choque adverso como esse, tem um aumento da dificuldade de absorção desses jovens no mercado de trabalho e muito deles, vendo essa dificuldade, deixam até de procurar emprego. Boa parte desses jovens Nem Nem poderiam estar inseridos no mercado, buscando oportunidades, mas a economia está muito retraída e com baixa absorção".
Ainda assim, ele ressalta que o nível de escolaridade dos cearenses continua crescendo e que, tão logo a retomada econômica ganhe fôlego e novas oportunidades sejam criadas, eles irão conseguir uma colocação mais facilmente.
Segundo França, a proporção de jovens entre 15 e 17 anos com ensino fundamental completo no Estado no quarto trimestre de 2020 foi de 73%, patamar superior ao do Nordeste (62,1%) e ao do Brasil (67,6%).
Ele ainda indica que a parcela de jovens com idade entre 18 e 29 anos com o ensino médio completo chega a cerca de 70%, resultado novamente melhor que a média regional (64,6%) e bem próxima da brasileira (71,22%).
"É importante que haja uma elevada quantidade de jovens com ensino fundamental e médio completo, porque na hora que tiver a retomada da economia, estando melhores educados, esses jovens podem acessar mais facilmente o mercado de trabalho", afirma.
Auxílio emergencial
O diretor geral do Ipece ainda indica a possibilidade de que o maior impacto do auxílio emergencial no Ceará e no Nordeste como um todo tenha contribuído para o crescimento dos jovens Nem Nem em ritmo superior no Estado.
A hipótese é que, tendo uma fonte de renda garantida pelo Governo Federal, os jovens tenham preferido cumprir mais rigorosamente o isolamento social.
"Muitos jovens não foram em busca de trabalho, porque estavam com algum rendimento, uma complementação que permitia cumprir as medidas de isolamento social. Pode ser que esse movimento mais acentuado tenha sido causado pela própria estrutura do mercado de trabalho, que é mais precária, mais informal, mas pode ser que o auxílio emergencial e outras políticas estaduais complementares de renda tenham feito esses jovens preferirem ficar em casa", argumenta.
Segunda onda e perspectivas
Conforme a avaliação de ambos os especialistas, a segunda onda da pandemia ainda deve ter feito com que o cenário tenha piorado novamente nesses primeiros meses de 2021, tendo em vista o retorno de medidas mais restritivas. As projeções para os próximos meses, no entanto, são divididas.
França acredita que, com o avanço da vacinação, o segundo semestre do ano deve ser de recuperação econômica e, consequentemente, de abertura de vagas, elevando a absorção dos jovens cearenses, cujo nível de escolaridade está subindo, segundo ele.
"Tudo está condicionado à vacina. Imagino que ao longo do segundo semestre comece a melhorar essa absorção", aposta o diretor-geral do Ipece.
Já o coordenador do LEP prevê um cenário mais desafiador com relação ao aproveitamento dessa mão de obra menos qualificada, de forma que não devem haver muitas melhoras ainda este ano.
"Não se espera um cenário melhor para 2021. O cenário de pandemia permanece, as restrições para as atividades escolares ainda estão em vigor e muitos destes jovens se sentem desencorajados a se manter estudando", lembra.
Miro ainda pontua que parte da responsabilidade de garantir emprego para esses jovens passa a ser do poder público, representando um novo desafio.
"A inserção no mercado de trabalho representa um desafio ainda maior no âmbito da formulação de políticas públicas. Tanto que o Ministério da Economia está desenvolvendo uma política denominada, por enquanto, de Bônus de Inclusão Produtiva, direcionada para a qualificação e inserção desses jovens no mercado de trabalho", revela.