Pontos polêmicos do texto da medida provisória que trata da privatização da Eletrobras (e não diretamente relacionados ao assunto), os chamados 'jabutis', podem encarecer ainda mais as contas de luz e ainda prejudicar o desenvolvimento das energias renováveis no Nordeste, avaliam especialistas consultados pela reportagem.
O principal “jabuti” da MP, aprovada na noite de ontem (17) pelo Senado e que volta agora à Câmara dos Deputados, se refere a uma espécie de priorização da energia produzida por usinas termelétricas a gás natural.
O texto exige a contratação dessas usinas por 15 anos - e os senadores elevaram a potência a ser contratada, de 6 mil megawatts (MW), proposto no texto original, para 8 mil megawatts. Com a MP, a capacidade de geração térmica do País será ampliada em 36%.
Essa priorização, conforme o consultor de energia da Federação das Indústrias do Estado do Ceará (Fiec) e presidente da Câmara Setorial de Energias Renováveis do Ceará, Jurandir Picanço, vai na contramão do que o mundo tem feito: buscar uma geração de energia cada vez mais limpa.
“Está sendo criada uma obrigatoriedade de contratação de usinas térmicas, que são mais caras e são poluentes. Isso é contrário a todo o desenvolvimento que está acontecendo em outros países, que estão buscando encerrar as atividades de suas usinas térmicas”, explica Picanço.
Energia mais cara
Ele reforça que, além de se tratar de uma energia mais cara e que contribui com a poluição do meio ambiente, a maior contratação de energia térmica representa projetos eólicos e solares que deixarão de ser contratados, área em que o Ceará e o Nordeste vêm se destacando nos últimos anos.
“É um problema para o Nordeste sob esse aspecto do investimento, do desenvolvimento, porque a usina térmica não possui a mesma capacidade de gerar o desenvolvimento que a energia renovável tem. A energia renovável emprega mais e não importa combustível. Lamento que isso tenha sido aprovado no Senado”
Outro ponto discutido no texto da MP é a prorrogação por mais 20 anos das contratações do Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica (Proinfa), que, na avaliação de Jurandir Picanço, não tem impacto positivo para o setor.
“A manutenção do Proinfa também não tem o menor sentido. São usinas antigas que seriam substituídas por novas usinas”, destaca o consultor de energia da Fiec, que frisa ser favorável à privatização da Eletrobras, mas que lamenta os pontos acrescidos ao texto.
Oportunidade em risco
O presidente do Sindicato das Indústrias de Energia e de Serviços do Setor Elétrico do Ceará (Sindienergia-CE), Luis Carlos Queiroz, também se coloca favorável à privatização, mas com ressalvas em relação aos jabutis dentro da MP.
"A privatização, da forma como foi enviada para o Congresso, faz todo sentido. O Governo, logo após a pandemia, não tem como fazer esses investimentos, ou tem, mas com prazos longos. E a necessidade desse investimento é agora”.
“Mas a respeito dos jabutis, isso é uma grande perda, porque temos uma grande oportunidade de aproveitar o sol e o vento, de investirmos em energia renovável, que é a coqueluche do mercado diante da descarbonização do mundo”, destaca Queiroz.
Na avaliação dele, a priorização da energia térmica a gás toma um espaço que poderia ser ocupado pelas energias renováveis. “A gente espera que isso seja revisto na Câmara dos Deputados, que a nossa bancada nordestina entenda que o sol e o vento são a nossa bênção”, pontua Queiroz.