O setor calçadista cearense recuperou o fôlego na geração de empregos em 2024. É o que indicam dados da Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados) com base em registros do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). Apesar disso, a alta produção de produtos na Ásia, principalmente na China, preocupa o setor, que teme pelo impacto nas exportações do Estado.
A Abicalçados, inclusive, chama de "invasão chinesa" o crescimento das importações pelo Brasil do produto asiático, principalmente, a partir de um possível acordo de livre comércio entre o Mercosul e a China. Segundo a associação, o acordo aumentaria a "invasão" de calçados asiáticos nas lojas brasileiras.
Ceará é o segundo maior empregador do Brasil
De acordo com dados da Abicalçados aos quais o Diário do Nordeste teve acesso, nos oito primeiros meses de 2024 foram gerados 3 mil empregos na indústria calçadista do Ceará, leve alta, de 0,7%, na comparação com o mesmo período do ano passado. Somente em agosto, 1,5 mil novos postos de trabalho foram criados no Estado.
O segmento de calçados é o segundo que mais emprega em todo o Ceará, atrás apenas da indústria da construção civil. Em agosto de 2024, o saldo de postos de trabalho no Estado no setor era de 68,3 mil empregos.
Nos dados divulgados pela Abicalçados, o Ceará representa o segundo maior mercado de empregos no setor calçadista do Brasil, atrás do Rio Grande do Sul. Já na geração de postos de trabalho, o Estado também ficou na segunda posição, com São Paulo na liderança, gerando 4 mil empregos entre janeiro e agosto deste ano na área.
Ainda segundo a associação, o cenário nacional trouxe "saldo positivo" na geração de empregos. O Brasil encerrou agosto com a criação de 12,4 mil postos de trabalho, fechando o oitavo mês do ano com 293 mil trabalhadores na indústria calçadista. Apesar do volume, o número representa queda de 2,5% na comparação com igual período de 2023.
Asiáticos participam com destaque do mercado brasileiro e incomodam indústria local
De acordo com o Comex Stat, plataforma do Ministério da Indústria, Comércio e Relações Exteriores, entre janeiro e agosto de 2024, foram importados US$ 324,17 milhões (cerca de R$ 1,77 bilhão na cotação atual) em calçados. Os países dos quais o Brasil mais compra o produto são Vietnã (44%), Indonésia (19%) e China (14,2%).
O maior importador de calçados do País é Minas Gerais, responsável por 49% de todas as compras internacionais do item. O Ceará tem uma participação mais tímida, de cerca de 2%. Segundo o Comex Stat, o Estado adquiriu, nos oito primeiros meses deste ano, US$ 6,37 milhões (aproximadamente R$ 35 milhões).
Para efeitos comparativos, o Brasil exporta mais do que o dobro em valor agregado de calçados: US$ 717,47 milhões (R$ 3,92 bilhões). Estados Unidos, com 21%, e Argentina, com 19%, são os principais compradores da indústria calçadista nacional.
O Ceará, por sua vez, aparece com destaque no cenário exportador brasileiro. O Estado é o segundo que mais exporta calçados no País, mas teve queda de 27,6% na comparação com igual período do ano passado. Entre janeiro e agosto deste ano, foram US$ 135 milhões (R$ 737,6 milhões) comercializados com o exterior, participando de 19% do mercado nacional.
Concorrência asiática pressiona o setor
O setor calçadista no Brasil produziu mais de 500 milhões de pares de calçados até agosto de 2024, alta de 4% em relação a 2023, situação comemorada pelo presidente-executivo da Abicalçados, Haroldo Ferreira.
“O mercado interno brasileiro, ancorado no crescimento das rendas das famílias, vem dando boa resposta para a indústria de calçados”, expõe.
Esses resultados, no entanto, estão sob ameaça e podem, em médio e longo prazo, prejudicar a empregabilidade do setor. Isso porque a China, um dos principais exportadores de calçados no Brasil, vem "avançando no mercado brasileiro", como explica o presidente-executivo da entidade
"Com a prática de dumping — quando a empresa exporta produtos com valor abaixo do preço de mercado —, esses calçados entram no Brasil com valores subfaturados e provocam uma concorrência desleal com as produtoras brasileiras", diz.
Para proteger o mercado interno, Haroldo Ferreira esclarece que vigoram uma série de medidas para evitar a concorrência do produto importado, seja com taxas de importação ou com tarifas antidumping, prorrogadas até 2027 pelo governo do então presidente Jair Bolsonaro (PL), em 2022.
Seria uma tragédia a China poder enviar seus produtos para o Brasil sem taxa de importação e sem tarifa antidumping — hoje em US$ 10,22 por par. A indústria calçadista brasileira não só pararia de empregar, por falta de pedidos, mas correria sério risco de seguir existindo.
O mercado chinês atualmente representa 14,2% das importações de calçados no Brasil. Quando é analisado o recorte asiático, esse número salta para mais de 80%, conforme dados do Comex Stat.
Preocupação importante
Mesmo com a balança comercial favorável ao mercado brasileiro, o economista Wandemberg Almeida alerta para a "entrada predatória do calçado chinês" no setor calçadista cearense.
"Isso traz uma forte dor de cabeça para os investidores. Sabemos que o preço médio de um par de um calçado é R$ 15, cerca de US$ 3. É um preço muito baixo, que acaba mexendo com a competição e com o nosso mercado", defende.
A gente vê essa crescente nas exportações do mercado chinês, concorrência mais difícil de ser enfrentada, e começamos a enxergar uma cadeia que vem sendo claramente atingida, porque o preço praticado para a exportação é diferente do que é praticado no mercado interno, e isso acaba provocando uma concorrência desleal com a indústria brasileira.
Para o economista, é preciso garantir o bom funcionamento do setor calçadista cearense pela importância em cadeia da atividade econômica, responsável por uma alta empregabilidade na indústria e por elevadas cifras de exportação.
"A importância do setor de calçados é tão grande que a gente começa a verificar tanto na parte de comércio exterior, como também no comércio interno, trazendo novas oportunidades, fechando novos negócios e tendo uma grande interação com outros setores, que acabam se beneficiando. Podemos chamar esse efeito de transbordamento, onde esse setor, dada sua importância e relevância, começa a trazer contribuições para setores vizinhos", classifica.
Importação não é problema, diz Secretaria do Trabalho
Apesar da preocupação do setor local com as importações, a Secretaria do Trabalho do Estado do Ceará (SET) aponta que a geração de empregos mostra fôlego no setor.
É o que explica Renan Ridley, secretário em exercício da pasta. Ele destaca a inauguração desta segunda-feira (30) da segunda fábrica da Grendene no Crato, na região do Cariri cearense, que gerou 1 mil novos empregos formais. A empresa calçadista investiu R$ 30 milhões na nova unidade.
O Ceará tem crescido muito, principalmente no setor calçadista. Essa semana foi inaugurada a ampliação da fábrica da Grendene no Crato. São mais de 1 mil empregos na região do Cariri. É um setor que tem impactado positivamente na geração de empregos no Estado. Quase 70 mil pessoas trabalham dentro da fabricação do setor calçadista.
Para o titular em exercício da pasta, como a indústria cearense, em especial a calçadista, continua com bons resultados econômicos evidenciados pelo Produto Interno Bruto (PIB) do Estado, "a tendência é de que a gente continue gerando mais empregos" no segmento.