O Brasil parou em 2018 quando os caminhoneiros, contrariados pelo preço do diesel, fecharam rodovias e declararam greve. Agora, em 2021, grupos de autônomos ameaçam voltar à mesma situação.
O fantasma de uma nova greve dos caminhoneiros espreita o País desde fevereiro deste ano, com diversas paralisações isoladas e quatro promessas de um movimento nacional que acabaram não concretizadas até o momento. O último ato ocorreu no dia 1º de novembro, mas não teve forte adesão em todo o País.
Três pautas motivam os caminhoneiros a ameaçar parar as atividades: o descumprimento da atual tabela de fretes, a aposentadoria de trabalhadores da classe e, ainda, o preço do diesel.
Há chances reais de uma greve?
Para o presidente do Sindicato das Empresas de Transportes de Cargas e Logística do Estado do Ceará (Setcarce), Marcelo Maranhão, podem haver movimentações localizadas, mas “não há clima” para uma mobilização nacional como ocorreu em 2018.
Ele destaca que a mobilização é feita por grupos menores e tem motivações mais políticas e, segundo ele, não há riscos de desabastecimento. A Confederação Nacional do Transporte (CNT) já se posicionou contra a greve dos caminhoneiros.
“A frota das empresas hoje representa 76% da frota nacional, o que garante o abastecimento. Não tem consistência e os grandes órgãos da iniciativa privada foram já ao ministro e garantiram que se o governo der segurança para que a frota rode, os empresários garantem o abastecimento no País”, pontua.
O presidente do Sindicato Transportadores Rodoviários Autônomos de Bens no Estado do Ceará (Sindicam), Clóvis Fava, reforça que a paralisação não é apoiada pelo sindicato. Ele destaca que a greve não resolveria os problemas e teria o poder de agravá-los.
“Hoje nós temos uma demanda muito grande de caminhões e uma pouca oferta de transporte. É preciso que o país cresça novamente, que o país volte a funcionar normalmente. Tem que desenvolver a economia, não existe necessidade de fazer greve porque ela não vai resolver nada, só vai prejudicar”, reforça.
Por que os caminhoneiros ameaçam entrar em greve?
Preço do diesel
Estopim de 2018, o preço dos combustíveis ainda é pauta da paralisação de caminhoneiros. Os manifestantes protestam contra o valor cobrado nas bombas pelo diesel, que custa em média R$ 5,211 no País, conforme o último levantamento semanal da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).
“Falar de caminhoneiros significa falar de um universo heterogêneo onde há empresas grandes de transporte e profissionais autônomos. No momento, a ameaça de greve da categoria é motivada por um problema comum, entre eles, que é a explosão do preço do diesel. A motivação é econômica e não política”, pontua o professor da Faculdade de Economia, Administração, Atuária e Contabilidade da Universidade Federal do Ceará (UFC), Jair do Amaral Filho.
Uma das principais críticas nesse sentido é em relação à Política de Paridade Internacional (PPI) da Petrobras, que nivela os preços nacionais em relação aos do mercado internacional, em dólar.
“A política de preços da Petrobras é absolutamente condizente com a empresa que ela é, privada (empresa de capital aberto). Só que isso tem um preço, e ninguém quer pagar esse preço e ninguém quer pagar esse preço porque a Petrobras sempre foi uma empresa que queria segurar a inflação. Não estamos acostumados com economia de mercado e não temos concorrência”, contextualiza o coordenador do Centro Mackenzie de Liberdade Econômica, Vladimir Fernandes Maciel.
O governo federal tem buscado medidas para conseguir segurar o preço do diesel. Na semana passada, o Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) determinou o congelamento do ICMS dos combustíveis por 90 dias.
Tabela de fretes
Outra queixa dos caminhoneiros é em relação ao cumprimento da tabela de piso mínimo fretes, que foi uma das principais conquistas da greve de 2018. Apesar de a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) estabelecer preços mínimos a serem cobrados para a realização de transporte de cargas, eles nem sempre são cumpridos.
“Um dos problemas que pode surgir é a questão do reajuste da infame tabela de preço mínimo do frete. Por enquanto nada ocorreu, não sei qual o tempo de tolerância deles para isso. É uma tabela que beneficia muito mais o setor privado e muito menos o motorista individual”, coloca Vladimir.
A medida espera julgamento com relação à sua constitucionalidade no Supremo Tribunal Federal (STF), mas vem sendo adiada. Os caminhoneiros cobram uma agilidade nesse processo para que a tabela seja de fato colocada em prática.
Aposentadoria
Outro ponto que consta nas manifestações é a aposentadoria especial para a classe. Até a Reforma da Previdência, os caminhoneiros podiam se aposentar com 25 anos de contribuição na função, independentemente de idade e sem incidência do fator previdenciário.
Com a mudança, é necessário ter no mínimo 60 anos para obter o benefício e a aposentadoria é proporcional.
Os manifestantes cobram uma mudança nessa regra. O texto que garante aposentadoria especial para a classe está em tramitação no Senado Federal.
Problema difícil de resolver
Vladimir Fernandes relembra que o País tem uma dependência muito grande da via rodoviária desde o governo de Juscelino Kubitschek, o que torna o abastecimento mais vulnerável.
Ele reitera que, por mais que os problemas relatados pelos caminhoneiros sejam reais, a solução não é tão simples.
“A demanda é legítima, e, em um mundo ideal, teria uma política de transição. Mas no mundo real, para ajudar o caminhoneiro, tem que abrir mão de algum gasto, vai empurrando com a barriga e vai piorando. Isso vai ficar para 2022, com cara de 2018”, diz.
Jair do Amaral destaca que a solução para afastar a ideia de greve é complexa e difícil, já que, segundo ele, quase nada foi feito desde a greve de 2018 para reformar o sistema de formação de preços dos combustíveis no Brasil.
“Eu diria que todas as soluções paliativas, como congelamento do ICMS, bolsa caminhoneiro, congelamento de preços dos combustíveis, etc. não conseguirão trazer solução satisfatória”, afirma.
Ele reforça que a cadeia produtiva de produção e refino de petróleo no Brasil precisa de mais competitividade para conseguir uma redução dos custos de produção. “A questão é que esses problemas demandam tempo para serem solucionados”, pondera.