Diante da possibilidade do fim do auxílio emergencial a partir de janeiro de 2021, setores da indústria e do comércio mostram preocupação com a perda desses recursos em um momento no qual algumas atividades ainda estão dando os primeiros passos de um longo e doloroso processo de recuperação. Nesta semana, o ministro da Economia, Paulo Guedes, afirmou que, diante da queda dos casos de Covid-19 e da "forte retomada econômica", o benefício deverá ser extinto no fim deste ano. "Do ponto de vista do Governo, não existe prorrogação de auxílio emergencial", enfatizou Guedes.
Para Freitas Cordeiro, presidente da Federação das Câmaras de Dirigentes Lojistas do Ceará (FCDL), os benefícios concedidos pelo Governo Federal para atenuar os efeitos da pandemia têm sido, até agora, fundamentais para o setor varejista. Ele diz que o corte do auxílio neste momento poderia criar um cenário de incerteza para o setor, sobretudo, se forem adotadas novas restrições ao funcionamento do comércio, na hipótese de piora no panorama sanitário.
"Hoje, uma das minhas maiores preocupações é com o fim desses benefícios. É com eles que o varejo vem se movendo. Tanto a flexibilização da legislação trabalhista como o auxílio emergencial têm feito uma grande diferença e têm surpreendido com os resultados positivos do varejo", avalia Cordeiro.
"A economia tem dado uma resposta melhor do que achávamos inicialmente e parte dela está andando por si só, mas o que fez diferença foi essa massa de recursos que foi injetada. Então, se houver uma segunda paralisação, e não houver esses benefícios, volta tudo à estaca zero". Em recentes declarações, o governador do Estado, Camilo Santana, tem descartado veementemente a possibilidade de novo "lockdown" no Ceará.
Apesar da sinalização do Planalto de pôr fim ao auxílio, Cordeiro acredita que, se necessário, haverá um movimento para prorrogá-lo. "A população tem que consumir, e o Governo sabe disso. A grande questão é até onde essas fontes de recursos vão suportar esse benefícios", diz.
No caso da indústria, o volume de recursos dos auxílios tem contribuído para impulsionar a produção, diante do aumento do desemprego e queda na renda das famílias.
"A suspensão do benefício a partir de janeiro poderá fazer muita falta, e isso assusta vários setores que poderão continuar funcionando precariamente", diz José Dias, vice-presidente da Federação das Associações do Comércio, Indústria, Serviços e Agropecuária do Ceará (Facic). "Apesar de grande parte da indústria já ter voltado quase na sua totalidade, nem toda a população voltou ao trabalho. E ainda existe uma falta de recursos do mercado".
Criado em abril pelo Governo Federal, o auxílio emergencial foi estendido até 31 de dezembro por meio da Medida Provisória nº 1000. O Governo começou a fazer os pagamentos em maio e, inicialmente, iriam até julho. Depois foram prorrogados uma primeira vez até setembro e, uma segunda vez, até dezembro. No início, o valor era R$ 600, mas passou para R$ 300 nas últimas parcelas.
Inflação
Caso o benefício seja realmente extinto, a expectativa é que haja uma redução da pressão inflacionária, além de alívio fiscal para o Governo em 2021. Na primeira quinzena de novembro, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo - 15 (IPCA-15) registrou alta de 0,81%, após ter avançado 0,94% em outubro, segundo informou, ontem (24), o IBGE. Com o resultado, o índice acumula uma alta de 3,13% no ano e de 4,22% em 12 meses.
"Com o fim do auxílio, o efeito inflacionário será visível. Ele já vem demonstrando isso com a redução do valor de R$ 600 para R$ 300, porque parte significativa desses recursos está sendo direcionada, principalmente, para o consumo de alimentos. Então, devemos observar nos próximos ciclos um arrefecimento do processo inflacionário em função da queda da demanda", diz Ricardo Coimbra, presidente do Conselho Regional de Economia do Ceará (Corecon-CE).
Empregos
Com a continuidade da recuperação da atividade econômica, o aumento do nível de empregos formais deverá compensar, em parte, a suspensão. "Estamos em um processo de retomada econômica, com recuperação significativa dos empregos perdidos durante a pandemia", ressalta Ricardo Coimbra. "Estima-se que de 1,5 milhão de empregos perdidos, cerca de 1,2 milhão já foram recuperados, o que reflete na capacidade de consumo das pessoas pela atividade econômica, mitigando um pouco a perda do auxílio".
Do ponto de vista fiscal, Coimbra diz que o fim do auxílio dará um alívio para as contas públicas em 2021, mesmo que haja a migração de alguns beneficiários para programas de renda mínima. "O auxílio causou um aumento do endividamento público em 2020 muito elevado. O que não ocorrerá a partir de 2021. Há a perspectiva de migrar parte dos que receberam o auxílio para um novo programa de renda mínima. O problema é que ainda não se encontrou uma fonte para esses recursos", diz.
Prorrogação?
Sobre a continuidade do programa de auxílio, o economista Lauro Chaves, conselheiro federal de economia e professor da Uece, diz que dependerá de um acordo político no Congresso. "Depende de como se vai tirar recursos de tamanha magnitude dentro do orçamento para financiar essa conta. A necessidade de um programa de renda mínima é quase um consenso, mas é preciso identificar de onde vão sair os recursos para manter o programa".
Apesar de o ministro Paulo Guedes dizer que o Governo não trabalha, neste momento, com a hipótese de prorrogar o auxílio emergencial, a equipe econômica estuda como pode estender o pagamento do benefício caso haja novas restrições a atividades econômicas.
A principal dúvida entre os técnicos seria como estender o pagamento do auxílio sem furar o chamado teto de gastos, a regra que proíbe que as despesas cresçam em ritmo superior à inflação. Nas duas prorrogações anteriores do auxílio, a equipe econômica acabou tendo de ceder porque não havia definição sobre um novo programa social para abarcar mais beneficiários.
A emenda constitucional do teto de gastos permite o uso de crédito extraordinário, fora do limite imposto pela regra (a inflação de um ano antes), para bancar despesas que sejam imprevisíveis e urgentes. Mas há dúvidas se esse expediente pode ser usado de novo, já que o fim do auxílio já estava previsto para 2020.
Se o Congresso decidir por articular a prorrogação, sem ser via crédito extraordinário, as despesas com o pagamento do auxílio vão concorrer com o teto de gastos no espaço orçamentário, cortando ainda mais despesas discricionárias (aquelas que não são obrigatórias, como investimentos), que já estão baixas.