Eventos sustentáveis reduzem danos e estimulam novo olhar para o meio ambiente

Shows, eventos esportivos e até corporativos estão incorporando uma série de ações e estratégias para se tornarem mais limpos e propagarem mudança de comportamento quanto aos cuidados com o planeta


Um mar de copos, garrafas e latas espalhados pelas vias é o que normalmente se observa ao fim de shows e festas em geral, mas esse cenário tende a mudar acompanhando uma tendência de mercado: eventos mais sustentáveis (ou eventos verdes e azuis), planejados sob uma ótica de redução ao máximo de danos ao meio ambiente e de potencialização de uma cultura de cuidados com o planeta.

Neste segundo episódio da série "Economia do Mar", você entenderá o que são eventos verdes e azuis e o potencial deles de mudar toda uma cultura que dita a relação do ser humano com o meio ambiente, além de movimentar negócios.

O especial multimídia integra o projeto Praia é Vida, promovido pelo Sistema Verdes Mares com foco na valorização e na sustentabilidade desse meio indispensável para múltiplas formas de vida.

No Estado, esses eventos já são realizados e o planejamento de sustentabilidade se aplica a qualquer tipo: shows, festas, eventos culturais, esportivos e corporativos, conforme explica Rebeca Wermont, fundadora da Verdear Eventos, empresa cearense de live marketing de sustentabilidade que trabalha justamente essa proposta há quatro anos.

“O evento sustentável propõe pensar de todas as formas a redução significativa dos impactos que ele causa na sociedade, no meio ambiente, até mesmo nas questões econômicas. Esse evento deve ser pensado de ponta a ponta, desde a sua construção, em como mitigar esses danos e gerar mais valor para essas marcas que estão ali aparecendo. Isso causa muitas vezes um impulsionamento para a mudança cultural da sociedade, porque é possível”, explica Rebeca.

De 2019, surgimento da empresa, até então, já foram cerca de 20 eventos. Tudo começou a partir da paixão de Rebeca pelo setor de eventos e por uma necessidade de mercado observada por ela.

“Eu tenho outro negócio, chamado Ibi Soluções Sustentáveis. A gente trabalha com soluções para o problema do lixo nos lugares, na cidade e a gente começou a entender que os eventos tinham essa grande carência de cuidar do impacto ambiental e social que eles causavam”, detalha Rebeca.

Para ela, eventos são grandes promotores de mudança cultural, de tendência. "Fiz um projeto onde a gente promoveu o primeiro Carnaval Lixo Zero do Ceará. Retiramos mais de 10.000 copos descartáveis de circulação, além de várias outras iniciativas que geraram grande conteúdo". Foi aí que ela decidiu, de fato, transformar a iniciativa em negócio.

Mas o que acontece na prática em um evento sustentável?

No planejamento estratégico, do pré ao pós-evento sustentável, são listadas várias ações para reduzir os impactos daquele evento no ambiente em que ele está inserido e também, de certa forma, educar as pessoas presentes para que aquela ação se perpetue na sociedade.

Entre os exemplos dessas ações está a substituição de copos descartáveis por copos de plástico duráveis, que acabam sendo levados para casa pelos participantes do evento e reutilizados, se tornando uma espécie de souvenir daquele momento. Esse planejamento também inclui a proposta de um descarte eficiente e criativo dos resíduos e uso de itens mais sustentáveis ao longo de toda a concepção do evento (no cenário, por exemplo).

Quando se trata de eventos verdes e azuis, a sustentabilidade precisa estar além do quesito ambiental, abraçando o aspecto socioeconômico, apesar desses três pilares se relacionarem intimamente. Isso ocorre, por exemplo, quando catadores são mobilizados de lixões para os eventos sustentáveis, transformando resíduos como latinhas, por exemplo, em renda para a família. Indo além, esse material pode ainda ser redirecionado a artistas plásticos, que por sua vez transformam o lixo em arte.

"A coleta seletiva é um exemplo, a retirada de copos descartáveis, a contabilização e neutralização da pegada de carbono, o planejamento de como substituir insumos usados na cenografia e na comunicação por itens mais ecológicos, a inclusão de parceiros diretos que possam ter uma grande representatividade, como cooperativas de catadores, como artesãos, como artistas plásticos”, exemplifica Rebeca.

André Comaru complementa que a execução dessas ações incluem a sensibilização de todos os colaboradores do evento para as questões ambientais. "Empoderamos comunidades que trabalham com reciclagem, trazemos intervenções artísticas e fazemos todo um trabalho onde a gente fecha os ciclos", destaca Comaru. 

Ele detalha que, após o evento, é produzido um relatório audiovisual e físico sobre as ações realizadas no evento e metas alcançadas. "Nesse relatório a gente fala sobre números, sobre como isso ajudou a salvar árvores, qual foi a economia de petróleo, a renda gerada para essas pessoas que saíram do lixão para trabalhar em um evento, que saíram de uma cooperativa para trabalhar em um evento".

O sócio da Verdear reforça a importância de ser reforçado nesses eventos o trabalhos dos catadores. "A gente mostra qual a importância desse fomento, das pessoas conhecerem um trabalho de uma classe que hoje é invisível, que são as cooperativas, catadores, catadoras, responsáveis por reciclar quase 90% de tudo o que a gente consegue reciclar no Brasil".

A tendência de eventos mais sustentáveis está em linha com algo que já vem sendo observado no mercado mundial há alguns anos: consumidores estão cada vez mais atentos e preocupados em consumir de empresas que adotam boas práticas socioambientais.

A segunda edição da pesquisa "Impacto ESG no Varejo", realizada pela Mosaiclab para o Instituto para Desenvolvimento do Varejo (IDV) mostra que cresceu o percentual de pessoas que dizem saber sobre ESG (sigla em inglês para Meio Ambiente, Social e Governança), de 50% em 2022 para 62% em 2023.

Além disso, a pesquisa mostra que mais da metade dos entrevistados afirmam estar dispostos a pagar entre 5% e 20% a mais por produtos ou serviços que se importam de fato com a temática ESG.

Se os consumidores querem cada vez mais comprar de empresas preocupadas com essas questões, aí é que as empresas ligam seus radares para o meio ambiente. O problema é que, dentre os negócios que se atentam ao socioambiental, nem todos colocam o assunto da porta para dentro. “Hoje a gente tem realmente muitas empresas falando mais sobre isso e tentando trazer soluções para seus consumidores. Mas é uma linha muito tênue, muito delicada de se tocar, porque ainda existem empresas que não se preocupam genuinamente com isso, que trabalham da porta para fora e dentro não estão fazendo um trabalho de sustentabilidade, não estão trazendo a temática”.

‘Analfabetismo ambiental’

Comaru avalia que no Ceará ainda estamos "muito no princípio do aprendizado, do básico de você falar assim: 'por favor, joga o lixo no lixo'. Então a gente falar de coleta seletiva, de empoderamento de comunidades que trabalham com reciclagem, a gente falar de educação ambiental, de proteção da fauna e da flora, não é algo que não passa a ser pertencimento do município e do Estado como um todo. Então a gente está sim, muito atrasado", lamenta.

Apesar do desabafo, ele se considera otimista, frisando que "precisa ser otimista para trabalhar nessa frente". "Nessa minha visão otimista eu também eu trago uma visão de que já estamos falando mais sobre o assunto, já estamos abordando mais esse tema de ser sustentável, de diminuir o nosso impacto, de multiplicar essa mensagem".

A visão otimista sobre a sustentabilidade, especialmente nos eventos, é compartilhada pelo co-fundador do movimento Winds For Future, Igor Juaçaba. "Às vezes parece um pouco devagar, mas eu, que estou vivendo o ambiente já há vários anos, consigo ver uma curva exponencial. Então, acho que cada vez mais isso cresce", diz.

O Winds For Future nasceu também em 2019 e hoje se consolidou como congregador de inovação e meio ambiente. "Eu acredito muito em inovação, tecnologia e gosto muito de projetos de impacto social, ambiental. Vejo que essa agenda está evoluindo muito nos últimos tempos, em termos de conexão, inclusive com a economia".

De acordo com ele, a ideia quando nasceu o Winds For Future era criar um movimento em um festival que "fosse divertido e que pudesse dialogar sobre as coisas mais importantes do mundo, essenciais para a humanidade".

Com a solidez adquirida pelo movimento ao longo dos anos surgiu o Kite For The Ocean (K4tO), iniciativa para a quebra de recorde mundial de kitesurf e principalmente engajar a população que frequenta as praais a manter o oceano livre do lixo.

Na edição deste ano, encerrada no último domingo de setembro, o K4tO alcançou a marca de 77 mil quilômetros velejados por mais de 600 pessoas. A ideia é que para cada quilômetro, um quilo de lixo seja retirado do oceano até maio de 2024. “Além de botar a mão na massa, a gente busca conectar velejadores, que dão visibilidade também para as empresas. Cada vez você chama esse velejador que está com a marca das empresas e isso é compartilhado nas redes sociais, é divulgado, você está dando destaque para elas. Então esses recursos direcionados para os projetos de limpeza também”.