Em entrevista exclusiva ao Diário do Nordeste nesta sexta-feira (20), o economista Muhammad Yunus, ganhador do Nobel da Paz em 2006 pelo seu trabalho na fundação do microcrédito, fala sobre a importância de expandir as políticas socioeconômicas e de empréstimo para pessoas pobres, e garantir que elas possam virar empresárias.
O "banqueiro dos pobres" está em Fortaleza para participar do Conexão ODS, o maior encontro de sustentabilidade fora do eixo Rio-São Paulo do País, e falou sobre a criação no imaginário de um mundo onde haja zero pobreza, zero desemprego e zero emissão líquida de carbono para podermos focar nos problemas de sociais.
Essa mentalidade é proposta em seu novo livro, lançado no Brasil recentemente pela editora Voo, "Um mundo de três zeros – A nova economia de zero pobreza, zero desemprego e zero emissões líquidas de carbono".
Yunus ainda comentou sobre paz e disse que é preciso parar de pensar em paz somente quando há guerras, e que se deve estar preparado para isso mesmo antes de pegarmos em armas. Segundo ele, atualmente vivemos em uma civilização cega por dinheiro, e que é importante focar boas práticas empresariais que pensem no povo.
O professor natural de Bangladesh tem 83 anos e revolucionou a economia social e foi inspirador de diversos programas de microcrédito com o Crediamigo, a nível nacional, e o Banco Palmas, no Ceará, com empréstimos para pequenos empreendedores e pessoas em situação de vulnerabilidade.
Abaixo, confira a entrevista completa com o "pai do microcrédito":
Diário do Nordeste: Em 2006, você recebeu o Prêmio Nobel pelo seu trabalho com microcrédito para pessoas pobres, que hoje é referência em economia. Dezessete anos depois, vemos grandes mudanças, mas a desigualdade ainda é um grande problema. No Brasil, por exemplo, uma pesquisa de 2021 mostrou que mais de 62 milhões de pessoas vivem na pobreza, especialmente na região Nordeste. Qual o porquê disso e quais são os próximos passos?
Muhammad Yunus: Em 17 anos nós percorremos um longo caminho. À época, quando o Prêmio Nobel foi declarado que ia para mim, o mundo se questionou: "O que é microcrédito, quem esse é homem e o que ele faz?". Todos esses anos depois você pode ir a qualquer lugar no mundo e falar sobre isso, e todos vão entender do que você está falando. Você fala sobre replicar esse modelo em países como Brasil, onde temos alguns exemplos, e você vê que a familiaridade foi estabelecida. Nós estamos no estágio intermediário. Agora, é uma questão de expansão. O microcrédito é algo que deve ser garantido a todo ser humano, e nós podemos fundar instituições que garantam isso. A próxima fase é torná-lo universal. Todo mundo deve ter o direito de pegar empréstimo em bancos para se tornarem empreendedores. Conseguir um emprego não deve ser o máximo para o ser humano. Nós devemos dar uma chance para que todo mundo se torne um empresário. Se você tem acesso a recursos financeiros, você pode mudar sua vida e todo o mundo ao seu redor.
DN: Professor, em seu novo livro, você fala sobre pobreza zero, zero desemprego e zero emissões líquidas de carbono. Você acha que isso é possível no nosso sistema atual? Como mudar esse cenário?
MY: Do jeito que o mundo está agora, nós estamos na iminência de destruir-nos uns aos outros cada vez mais rápido. No livro, eu falo em construir um novo caminho sem distrações, e isso incorre em criar um mundo imaginário que seria sustentável, feliz e onde possamos sempre compartilhar coisas uns com os outros. É assim que se você cria um mundo com os três zeros.
A nossa civilização atual é baseada na ganância e na maximização da pobreza. Nós fomos cegados pela vontade de ver e ter dinheiro, e não conseguimos ver os danos que isso causa ao mundo. Então, por que não criamos um caminho separado focado em salvar esses planetas, e criar uma nova civilização, que estará florescendo e crescendo para trazer paz? Não haverá aquecimento global, desemprego e nem pobreza lá. Isso é um ideal, mas eu acredito que tudo isso pode ser feito. Tudo que as pessoas primeiro imaginarem pode sim acontecer. Então, a gente imagina, difunde, e faz os mais jovens acreditarem que é possível.
DN: Você também fala muito sobre mega poderes de transformação no livro. O que são eles?
MY: Os mega poderes de transformação são detidos pelos mais jovens. Essa população mais nova ainda não está contaminada por pensamentos ruins, e são eles que vão mudar o mundo. Então cabe a eles ter ideias brilhantes e nos guiar para essa nova civilização. Eles ainda não sabem o tanto de poder que possuem dentro de si.
DN: Como você acha que podemos estimular as pessoas a entender e defender os três zeros?
MY:O começo é sempre com os jovens. Isso tem que partir dos 12 anos de idade. Nós estimulamos eles a criarem "clubes dos três zeros". Um clube pode ser formado com cinco jovens que se juntam e vão explicar aos seu público-alvo como se tornar uma praticante dos três zero. E como isso é feito? Garanta que você faça sua parte e, por exemplo, não consuma plástico e use combustíveis fósseis. Desse modo, eu não me torno um causador de problemas ao mundo. Se você estiver tendo dificuldade, pergunta a um amigo ou a outro clube. Nós devemos fazer isso passo-a-passo para relembrar as pessoas que estamos vivendo em uma civilização destrutiva para, então, antes que o mundo nos destrua, nos criemos uma nova civilização para nos redescobrir como seres humanos. A partir daí, só podemos criar um novo estilo de vida atencioso e baseado no compartilhamento. É aí que o negócio social se torna muito importante.
DN: Vivemos em um mundo cheio de guerras e disputas políticas, os países estão se fechando e as pessoas estão ficando mais individuais. Como alcançar a paz e unificar o mundo?
MY: Às vezes nós só falamos sobre paz quando vemos terríveis guerras acontecendo. Se não há uma guerra iminente, nós esquecemos da paz. Mas nós promovemos guerras, mesmo quando não há nada para guerrear. Nós criamos instituições e políticas para lutar na guerra e nos preparamos com máquinas, armas e equipamento para matar pessoas. É uma parte da nossa vida, todo país faz isso. Como podemos querer paz? Na nossa mente, nós falamos disso, mas não com seriedade o suficiente.
Por isso, nós precisamos de um Ministério da Paz, uma indústria da paz, onde não teremos mágoas uns contra os outros, e uma "brigada da paz", para treinarmos pessoas sobre como garantir uma vida pacífica. Temos que treinar nos crianças desde cedo com a paz, para que nós possamos nos proteger em vez de nos matar.
Temos que trazer a paz como ponto focal, e não algo para apenas depois de todas as coisas horríveis terem acontecido. Antes de nos matarmos, vamos garantir que a paz reine, e é por isso que falamos de um mundo de três zeros.
DN: Agora, professor, o que você acha das empresas implementarem o conjunto ESG? Como não usá-lo apenas como aparência, o que é um grande problema hoje em dia?
MY: ESG (conjunto práticas sociais, ambientais e de governança) começou, pois as escolas de economia só estão ensinando seus alunos a fazer dinheiro para empresas. Fazer outra coisa não está nos currículos deles, então focar apenas no financeiro como resultado tem feito o mundo sofrer. Nós estamos destruindo o planeta, e as boas coisas estão desaparecendo e as ruins estão tomando conta. Algumas pessoas criaram o ESG para que os negócios tenham preocupação social e que se pense no próximo. Para isso, você tem que seguir um caminho que não seja destrutivo, pois senão sua economia será destrutiva e excludente. O que queremos é salvar o planeta, então o ESG vem como um dos passos para isso.
Ao mesmo tempo, é preciso ter cuidado para que você não caia na prática conhecido como greenwashing, que é verbalmente falar que tem boas práticas, mas não fazer e vender a ideia errada. Para isso, nós convidamos pesquisadores e a imprensa para fiscalizar e expor empresas que fazem isso para que eles se tornem realmente preocupados. ESG é bom, mas nós ainda estamos destruindo o mundo em muitas maneiras, então por que nós não construímos negócios sociais?