Meses após ser proposto, o projeto do Poder Executivo (Projeto de Lei Complementar 16/21) que promete reduzir preços dos combustíveis a partir da unificação das alíquotas do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), voltou a ser debatido.
Especialistas ouvidos pela reportagem, porém, acreditam que a promessa não deve se concretizar. A avaliação é de que o PL retira a autonomia dos Estados e não influi diretamente nas variáveis que impactam o mercado. Representantes do setor, porém, defendem a aplicação do projeto.
Além de unificar o valor cobrado pelo imposto estadual, o projeto deve transformar o tributo em um valor fixo em reais sobre os combustíveis.
Se a alíquota do Ceará sobre a gasolina, por exemplo, for de 29% da base de preço do insumo, ela passará a ter um valor fixo em reais independentemente das variações do mercado de combustíveis.
Contudo, segundo o presidente do Conselho Regional de Economia do Ceará (Corecon-CE), Ricardo Coimbra, além de não resolver os problemas das altas de preço dos combustíveis no Brasil, o PL 16/21 ainda gera uma falsa impressão de que os impostos são a principal causa dessa variação.
O economista defendeu que as oscilações constantes no valor de revenda da gasolina e do diesel, insumos mais consumidos no País, vem sendo gerados pela dinâmica de preços atual da Petrobras, aplicado ainda julho de 2017.
O modelo considera os reajustes do mercado internacional do barril de petróleo e sofre influência direta da taxa cambial do dólar frente ao real, que acumula alta de quase 52% nos últimos 5 anos.
"O imposto sobre o combustível é baseado em alíquotas e o que vem fazendo com que haja alta nos preços dos combustíveis é a variação do mercado internacional e a alta do dólar. Se deixarmos de ter uma alíquota e trocar por um valor fixo, não teremos uma variação grande porque o maior impacto está baseado no preço do mercado internacional", disse.
Impacto aos estados
O presidente do Corecon ainda projetou que o PL 16/21 poderá impactar diretamente a arrecadação dos estados, já que o ICMS ainda é uma das principais fontes de recursos próprios das unidades da Federação.
Segundo dados da Secretaria da Fazenda do Estado, em 2020, o Governo do Ceará teve uma arrecadação de R$ 14,497 bilhões, dos quais R$ 13,228 bilhões são referentes ao ICMS.
"Acredito que esse PL pode desorganizar a situação para os estados. Eles já trabalham com um formato de proporcionalidade e o ICMS é muito importante para o Estado. Se há um processo inflacionário a gente prevê que as despesas dos estados vão aumentando, mas a arrecadação também, mas se uma das principais fontes de arrecadação dos Estados cai, você gera um desequilíbrio fiscal para entes que já estão muitas vezes desequilibrados", comentou.
Segundo Coimbra, uma das possíveis soluções seria discutir as mudanças na tributação dos combustíveis de forma mais generalizada, integrada a uma reforma tributária.
"A carga tributária dos combustíveis é elevada, de fato, mas precisaríamos discutir isso aliado a uma reforma tributária para discutir como fazer essas mudanças sem afetar a arrecadação ou ter uma compensação aos estados", explicou.
Boa recepção no mercado
Já o consultor da área de petróleo e gás, Bruno Iughetti, defendeu que o PL 16/21 é uma boa iniciativa para o mercado de combustíveis no Brasil.
A expectativa é de que o novo formato de tributação faça com que as alterações de preço na gasolina e no diesel, por exemplo, não sejam mais sentidas pelo consumidor já que a taxa de cobrança do ICMS será baseada em um valor fixo.
Iughetti afirmou que outros representantes do setor de combustíveis têm recebido o Projeto de Lei de forma positiva.
"No Ceará, temos uma alíquota de ICMS de 29%. Com o novo projeto não se falaria em percentual, o imposto seria um valor fixo por litro e isso traz benefícios. Evita-se que se coloque o preço da gasolina praticado no mercado sobre a influência de um percentual que varia. Teríamos um valor fixo de ICMS e isso é beneficial ao preço", disse.
As pessoas estão recebendo bem, sim, e a proposta é bem-vinda. Temos visto uma repercussão positiva pelo segmento de combustíveis no Estado", completou.
O consultor, no entanto, confirmou que a variação do dólar e política de preços da Petrobras têm sido os principais fatores de variação do preço dos combustíveis no País.
"A variação mais recente da gasolina foi recorrente da queda do preço do barril do petróleo e de uma desvalorização do dólar frente ao real. O dólar e o preço do mercado internacional continuam sendo os principais fatores, sim", disse.
Autonomia ferida
A perspectiva desses impactos majoritários nos combustíveis é defendido pela secretária da Fazenda do Ceará, Fernanda Pacobahyba, que projetou uma baixa efetividade do PL 16/21 em reduzir as variações de preços repassados ao consumidor.
A representante do Governo do Estado ainda afirmou que o Projeto deverá, na verdade, gerar um aumento de carga em alguns estados, que vivem cenários diferentes do Ceará.
O presidente tem defendido, de forma equivocada, que o aumento nos preços dos combustíveis é causado pelo ICMS, mas são outros. O primeiro deles é o dólar, mega valorizado no Brasil, e o segundo é a política de preços da Petrobras. O ICMS sobre o óleo diesel, no Ceará, é o mesmo desde 1997, nunca mudamos", disse.
"Em estados baseados no agronegócio, que exporta muito a produção, faz parte da natureza desse mercado terem alíquotas mais baixas, assim como no Nordeste, a tendência é ter alíquotas mais altas, mas não temos como chegar em uma alíquota média, porque essa conta não fecha comparando as várias realidades", completou.
Pacobahyba também destacou que a tendência dos preços dos combustíveis, nesse momento, baseado no mercado de commodities (petróleo), é de novas valorizações. A movimentação poderá gerar novas altas na gasolina e no diesel nos postos brasileiros e cearenses.
"Se temos o ICMS de 25% em uma base que é mil, vamos ter um retorno de 250 reais, mas se o preço do petróleo sobe, como isso é a base do tributo, é óbvio que o valor sobe. Mas o que aumenta é a base, porque os combustíveis são commodities e eles são vendidos em dólar. E com as economias mundiais estão em retomada, a tendência é desse preço aumentar", explicou.
Criticas ao modelo político
A secretária da Fazenda ainda criticou o presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Ela defendeu que os modelos econômicos aplicados por ele e pelo Governo Federal têm gerado variações de preços em setores específicos, trazendo impactos diretos à população.
Além dos preços dos combustíveis, Pacobahyba relacionou as tendências inflacionárias do setor de alimentos às políticas federais nos últimos anos.
"(O PL 16/21) fere as autonomias dos estados, que é quem pode dispor sobre o ICMS. Só que o presidente acabou criando o problema, assim como no caso do arroz, que teve alta recente de quase 100%. A inflação em alimentos está altíssima, mas isso não tem relação com os valores do ICMS, porque não mudamos nada. A política aplicada por ele (presidente Bolsonaro) causa reflexos", afirmou.
Possíveis soluções
Como alternativa ao PL 16/21, o presidente do Corecon-CE destacou que o Governo Federal poderia criar um modelo progressivo de tributação dos combustíveis ou até mesmo garantir reduções para as compras de empresas ligadas a serviços de transporte público ou privado, como os ônibus, táxis e motoristas de aplicativos.
Poderíamos ter o combustível com um imposto progressivo, com indivíduos de classes mais ricas pagando mais. O combustível poderia ter uma tributação se vai para transporte público ou para atividades que vão beneficiar a população, como os transportes por aplicativo. Mas o diesel que vai ser comprado pelas empresas de transporte público esse combustível pode estar carimbado e ali termos uma redução tributária", disse.
Além disso, ele defendeu a aplicação de modelo utilizado na cobrança do Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA), em que veículos mais novos recebem uma tributação maior.
"Além disso, poderíamos ter tributos mais elevados para veículos mais novos, apesar de que isso daria um pouco mais de trabalho, mas manteria o volume de arrecadação e daria à população de que ela está pagando menos imposto", ponderou.