Enchentes no Rio Grande do Sul: como a catástrofe climática pode afetar a economia no Ceará?

Economistas apontam como tragédia no território gaúcho afeta inflação e PIB no Ceará

Separados por quase 4 mil km, o Ceará e o Rio Grande do Sul estão interligados economicamente. Apesar da distância, os impactos causados pela maior catástrofe climática da história do estado gaúcho devem reverberar em todo o País, deixando consequências para os cearenses, com o aumento do preço de alimentos e mesmo no Produto Interno Bruto (PIB), que é a soma de todos os bens e serviços produzidos.

As chuvas intensas e enchentes atingiram mais de 92% dos municípios do Rio Grande do Sul, deixando mais de meio milhão de pessoas desalojadas. Segundo a Defesa Civil, os eventos meteorológicos afetaram mais de 2,3 milhões de pessoas. Além dos danos ambientais, há também impacto material, incluindo destruição de moradias, estradas e pontes. Segundo a Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul (FIERGS), as perdas econômicas são inestimáveis no momento. 

Empresas tiveram suas dependências comprometidas, cadeias econômicas serão afetadas por problemas logísticos e estradas, pontes e vias férreas precisarão ser reconstruídas. Entre os locais mais atingidos, estão os principais polos industriais do Rio Grande do Sul, onde estão empresas dos setores metalúrgico, agropecuário e automotivo, provocando impacto significativo para a economia do estado.

Os municípios impactados representam 94,3% do Valor Adicionado Bruto (VAB) do Rio Grande do Sul,  96,1% do VAB industrial, 95,6% dos estabelecimentos industriais, 96,1% dos empregos industriais, 97,1% das exportações da Indústria de Transformação e 96,9% da arrecadação de ICMS com atividades industriais, representando uma repercussão avassaladora em diversos aspectos econômicos.

A seguir, entenda como os danos na região poderão impactar alguns setores da economia cearense.

ELEVAÇÃO DE PREÇOS DE ALIMENTOS

Uma das principais preocupações dos economistas é o impacto das enchentes no setor de alimentos, já que a produção agropecuária foi severamente atingida pelas cheias, resultando na perda de safras, rebanhos, infraestrutura e equipamentos. “A recuperação completa deste setor pode levar vários anos, exigindo um esforço monumental para reconstruir as áreas afetadas e reativar a produção”, aponta o economista Alex Araújo.

O estado é responsável por 70% da produção nacional do arroz, além de ser destaque no cultivo do trigo, aveia e soja. A Empresa de Extensão Técnica e Extensão Rural do estado (Emater-RS) informou à Agência Brasil que a maior parte dos plantios foi cultivada, o que torna o cenário menos severo. Ainda assim, especialistas apontam uma possível elevação no preço de alguns alimentos.

O Rio Grande do Sul se destaca como um dos maiores produtores de arroz, trigo, soja, carne e outros produtos agrícolas. As perdas nas safras e a interrupção das atividades agroindustriais podem gerar escassez de alimentos, aumento de preços. A indústria de processamento de alimentos, dependente da matéria-prima gaúcha, também sofrerá consequências.
Alex Araújo
Economista

João Mário de França, professor do Programa de Pós-Graduação em Economia da Universidade Federal do Ceará, aponta que além da oferta reduzida, um outro problema será enfrentado em um segundo momento: a dificuldade logística de transporte, devido à destruição de estradas e pontes.

Dependendo da magnitude de elevação de preços, se de fato ocorrer, e do peso desses alimentos e produtos agrícolas no cálculo do IPCA isso pode implicar em algum aumento da inflação nacional e local. Mas se o governo federal atuar via CONAB importando esses alimentos e com isso aumentando os estoques reguladores, evitando assim desabastecimento esse impacto nos preços pode ser evitado.
João Mário de França

IMPACTO NO PRODUTO INTERNO BRUTO (PIB)

O Rio Grande do Sul representa cerca de 7% do PIB brasileiro. “É um Estado com peso econômico muito grande”, afirma Ricardo Eleutério, membro da Academia Cearense de Economia (ACE). 

O economista aponta que a tragédia que ocorreu no estado deve impactar negativamente o PIB brasileiro. A estimativa é que tenha de 0,1 a 0,3% de decréscimo no PIB nacional. “Por enquanto estão sendo feitos levantamentos de números, expectativas, mas as coisas podem até se agravar um pouco mais, dependendo da dinâmica desse fenômeno climático que deve ser observado com mais atenção pelo mundo todo, pelos países, pelos estados brasileiros. Esse é um alerta muito, muito importante”, destaca.

O impacto na economia brasileira poderá ser sentido pelos estados, aponta o professor João Mário. “Outro possível impacto para a economia cearense, de uma maneira geral, será via o canal do PIB nacional, que se for mesmo afetado no nível da sua taxa de crescimento prevista para esse ano pela queda do PIB do Rio Grande Sul, que deve ter forte contração, isso pode impactar o crescimento do PIB cearense, já que o comportamento da economia nacional é um componente importante para explicar a dinâmica da economia cearense e seu PIB”, pondera.

“A tragédia no Rio Grande do Sul cria a necessidade de mais recursos financeiros do governo federal para enfrentar o problema do Estado. Então, sim, esse socorro financeiro deve contribuir para um maior desequilíbrio fiscal do país”, defende Ricardo Eleutério. “Mas esses recursos são extremamente necessários para a construção de novas cidades, reconstrução de cidades, reconstrução de toda a cadeia produtiva, ou grande parte da cadeia produtiva, auxílios emergenciais para a população que está desabrigada, sem alimentos, enfim, é uma operação de grande porte que envolve, envolverá o volume significativo de recursos”, acrescenta.

FINANCIAMENTO E CRÉDITO

A situação no Rio Grande do Sul demanda auxílio financeiro para reconstruir o estado. O economista Ricardo Eleutério aponta que o sistema bancário poderá ser impactado com a necessidade de empréstimos para pessoas físicas e pessoas jurídicas.

No entanto, João Mário acredita que o acesso ao crédito e financiamento ao Ceará não será afetado pela demanda do estado gaúcho. “Essas operações são contratadas principalmente com organismos internacionais (Banco Mundial, BIRD,…) simplesmente com o aval do Tesouro Nacional que assim o faz respaldado pela situação fiscal do Estado que atende o que exige a legislação para a obtenção desses empréstimos”, explica.

POLÍTICAS PÚBLICAS

Apesar do distanciamento geográfico entre Ceará e Rio Grande do Sul, o estado nordestino poderá enfrentar desafios em decorrência da catástrofe climática no Rio Grande do Sul. Por ora, o professor João Mário acredita que o governo estadual do Ceará não precisará criar políticas públicas específicas para lidar com a situação.

“Não vejo necessidade por parte da União de nenhuma política pública específica para compensar o Estado, além daquela geral, que vale para benefício de todos os estados, de importar alimentos que terão sua oferta reduzida com a crise evitando pressão sobre os preços e diminuição do poder aquisitivo da população”, pontua.

O economista Alex Araújo ainda aponta a necessidade de aprender com o desastre para evitar ou enfrentar problemas futuros. “Se o evento for o prenúncio das mudanças climáticas, a própria sociedade precisa ter um plano de resposta à crise. Cidades costeiras e ribeirinhas estarão sob risco, com graves impactos sobre as pessoas e as empresas. Acredito que seja necessário ampliarmos os estudos e a discussão desses eventos, dando base científica para a adequada preparação para o futuro”, afirma.