O Tribunal Regional do Trabalho do Ceará (TRT/CE) reconheceu, em decisão na última sexta-feira (2), vínculo empregatício entre um motorista de Uber e o aplicativo de viagens individuais. Apesar da determinação, especialistas em Direito do trabalho ressaltam que um impacto significativo nas relações de trabalho ainda deve demorar a aparecer.
A relação entre o aplicativo e os motoristas é tema de discussões judiciais para além do Ceará. Em abril, o TRT de Campinas também tomou decisão favorável a um motorista, reconhecendo o vínculo trabalhista.
O tema é polêmico, já que os contornos das características que definem a relação trabalhista 一 pessoalidade, não-eventualidade, subordinação, e onerosidade 一 tornam-se turvos na relação de trabalho mediada pelo aplicativo.
O juiz do trabalho e professor de Direito trabalhista Otávio Calvêt afirma que a decisão da Justiça cearense só deve ter implicações práticas para os demais motoristas da plataforma se o caso seguir para o Tribunal Superior do Trabalho (TST).
E, até o momento, o entendimento do TST tem sido contra os motoristas. Em maio, o Tribunal reiterou pela quarta vez o entendimento de que não existe vínculo de emprego entre a Uber e os motoristas parceiros.
Entendimentos divergentes
Não existe um consenso entre os próprios especialistas em Direito sobre se o motorista de Uber deve ser considerado ou não um funcionário, gozando, desta forma, dos direitos trabalhistas estabelecidos na CLT.
A empresa de transporte individual já se posicionou diversas vezes como uma plataforma digital que coloca em contato os motoristas autônomos que desejam prestar serviço de transporte e os usuários que desejam contratar referido serviço.
Para Câlvet, a relação entre os motoristas e a Uber não é trabalhista nem de prestação de serviços 一 está no meio dos dois.
“Quem pensa como eu, chega à conclusão de que haveria a necessidade de uma regulamentação nova para essa nova forma de trabalho. Para nós, na área trabalhista, existe um certo consenso de que essas pessoas que estão se lançando nessa forma de trabalho precisam de uma proteção. O grande debate é qual o modelo de proteção seria adequado”.
Membro da Comissão de Direito do Trabalho da Ordem dos Advogados do Brasil - Secção Ceará (OAB-CE), Daniel Scarano considera que a decisão é delicada porque a repercussão do tema pode mudar ou até inviabilizar os serviços da empresa de transportes no Brasil.
Ele acrescenta que a definição sobre o caso também não leva em consideração apenas questões jurídicas, mas também políticas.
“Ser empregado traz alguns benefícios, mas também traz alguns compromissos que talvez alguns motoristas não queiram assumir. É algo que tem que ser amplamente discutido antes de ser pacificado”, pondera.
Próximos passos
Ainda cabe recurso à decisão da Justiça do trabalho cearense. Isso significa que a defesa da Uber ainda pode recorrer e levar o caso ao TST no prazo de oito dias.
Daniel Scarano explica que, a depender da decisão do TST, pode ser aberto precedente para que novos motoristas entrem na Justiça requerendo o direito.
O caso pode, ainda, seguir para o Supremo Tribunal Federal (STF), caso seja aberto um recurso extraordinário alegando repercussão em matéria constitucional.
Otávio Calvêt pontua que é provável que outros motoristas ajuízem ações requerendo direitos trabalhistas após a positiva do TRT.
“Sempre que sai uma decisão favorável para um caso específico, causa esse efeito anexo, outras pessoas vão na busca para esse mesmo direito. Mas essa decisão ainda não é definitiva, ainda cabe recurso. Todas as vezes que chegou no TST, o trabalhador perdeu, então é para ser visto ainda com cautela”, alerta.
Sobre o caso
No caso julgado pelo TRT do Ceará, o motorista relatou que prestou serviço para a Uber no período de dezembro de 2016 a setembro de 2017 e teria sido desligado da empresa após envolver-se em um acidente sem vítimas.
Ele ainda detalhou ter trabalhado das 8h às 23h, de segunda-feira a domingo, sem carteira assinada.
Ao ingressar com a ação trabalhista, o motorista pediu reconhecimento do vínculo de emprego e o consequente pagamento das verbas rescisórias.
A Justiça do trabalho cearense acatou a sentença da 9ª Vara do Trabalho de Fortaleza, segundo a qual o encerramento do contrato de trabalho foi sem justa causa. Ao todo, foi determinada indenização de R$ 20 mil.