Ter um lugar próprio para chamar de lar é, para muitos brasileiros, sinônimo de segurança e estabilidade. Esse sonho esteve mais próximo ao longo de 2020 e 2021, quando a taxa básica de juros alcançou a mínima histórica, mas se tornou mais caro à medida que a Selic passou a seguir uma trajetória de altas.
Em janeiro do ano passado, quando a Selic ainda estava em 2% ao ano, a taxa de financiamento imobiliário referenciado na TR era de em média 6,98% a.a., de acordo com dados do Banco Central. Em junho deste ano, com a Selic então a 13,25% ao ano, a média já era de 9,60% a.a.
Nessa conjuntura, houve quem desistiu do sonho da casa própria em meio a um cenário econômico que se soma à inflação e ao desemprego – não à toa, foi registrada queda de 22,5% no número de financiamentos na comparação do primeiro semestre de 2021 e 2022 no Ceará, conforme dados da Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip).
Mesmo assim, ainda segundo a Abecip, 6,1 mil unidades imobiliárias foram financiadas no primeiro semestre de 2022 no Ceará, totalizando R$ 1,4 bilhão de crédito: cearenses que conseguiram encontrar um novo lar, apesar da situação econômica.
Nesta reportagem de dois episódios, você vai conhecer as histórias por trás do ‘boom’ do crédito imobiliário, os desafios e os caminhos para essa aquisição tão desejada — e ainda inacessível — para uma parcela da população.
Em busca de um lar
A publicitária Gabriela Rae, de 29 anos, deu entrada no financiamento de uma casa no Eusébio em julho de 2021, quando a Selic ainda estava em 5,25% a.a., condições mais favoráveis do que as atuais. Porém, a logística de trabalho para o casal, que trabalha em Fortaleza, levou marido e mulher de volta para a casa da sogra.
A ideia para resolver a situação foi de vender a casa recém financiada e utilizar o dinheiro para dar entrada em um apartamento em uma localização mais acessível para o dia a dia do casal. Para isso, o casal está planejando assinar um novo financiamento agora em setembro.
“O novo financiamento vai caber no nosso orçamento porque nossa entrada vai ser maior. Então, mesmo com o aumento de juros, vamos conseguir encaixar no nosso orçamento”, conta.
Gabriela conta que ela e o marido conseguiram uma condição de juros atrativa por conta do relacionamento com o banco. Mesmo assim, a taxa foi bem maior do que a contratada pelo casal para a compra do primeiro imóvel.
Segundo a publicitária, esse segundo bem não deve ser o último a ser financiado. Ela pretende, no futuro, investir no segmento e comprar uma residência maior para morar.
Esse apartamento vai ser um ‘degrau’. Mas temos muita vontade de ter uma casa, por conta dos futuros filhos, amo cachorro e gosto de receber a família e amigos”
Sonho adiado
A publicitária Ana Luiza Ribeiro, de 33 anos, e o educador físico Rodrigo Fisch, de 37 anos, moram com o filho em uma casa alugada, há quatro anos. Recentemente, a necessidade de devolução do imóvel intensificou a pesquisa para a aquisição do bem.
“Fomos ao banco para fazer a simulação, mas vimos que, realmente, o momento está inviável em razão das taxas de juros muito altas, inviabilizando essa compra agora", comenta.
"Há uma frustração [pela decisão de adiar]. É complicado ver um plano prorrogado porque as taxas de juros estão abusivas”, lamenta.
A família decidiu permanecer no aluguel, continuar se organizando financeiramente e "aguardar a situação melhorar". Ana Luiza conta que, quando a condição de crédito era mais favorável, ainda não era o melhor momento para a família, que se preparava para receber o primeiro filho.
Vale lembrar, também, que, naquela época, os trabalhadores do setor privado encaravam as incertezas do mercado, enquanto os autônomos sofriam a perda ou a queda dos rendimentos.
Cautela na hora de financiar
A educadora financeira da Associação Brasileira de Educadores Financeiros (Abefin) Juliana Barbosa indica que quem quer financiar imóvel deve repensar e analisar se realmente faz sentido entrar em um financiamento neste momento.
Segundo ela, mesmo em um cenário de juros altos pode haver boas oportunidades para financiar.
“Se a gente está em um cenário de taxa de juros muito alta e inflação muito alta, pode ter um dono de imóvel apertado precisando de dinheiro na mão, pode ser uma oportunidade para quem está querendo comprar. Existe essa possibilidade de ter oportunidades de imóveis muito abaixo do preço”, exemplifica.
Ela também cita que o IGP-M e o IPCA, que funcionam como indexadores de aluguel, estão elevados, o que pode justificar uma troca do aluguel pelo financiamento a depender dos objetivos de cada pessoa.
Mas a educadora financeira ressalta que este não é o melhor momento para financiar, mesmo para quem já está planejando realizar o sonho da casa própria há algum tempo e tem o valor de entrada guardado.
O que pode fazer agora é dar um passo atrás para depois dar dois para frente. O que pode fazer é pegar o dinheiro para a entrada e investir para os próximos anos. Se você pensar no longo prazo, deixar o dinheiro rendendo em um ano, a taxa de juros deve começar a baixar a partir de 2023, já é um cenário positivo"
Ela recomenda que é importante que se tenha pelo menos 20% do valor do imóvel já guardado para que se possa dar entrada no financiamento. Para Juliana, o sonho pode esperar para ser realizado em um momento econômico melhor.
“Não posso realizar meu sonho de qualquer jeito, tenho que olhar para a conjuntura econômica e entender se o melhor momento para realizar meu sonho é agora. Estamos vivendo um momento de incerteza, eleições. Estamos vivendo um período ainda de desemprego, de alta na inflação. A gente precisa olhar não só o momento de agora, mas como vai estar minha situação daqui a 6 meses? Ter esse olhar mais macro da situação”, coloca.
Setor prevê melhoria no cenário para comprar a casa própria
O conselheiro do Conselho Regional de Corretores de Imóveis do Ceará (Creci), Jonathas Costa, destaca que o crescimento do mercado imobiliário está atrelado à oferta de crédito imobiliário.
“Poucos são os que conseguem comprar um imóvel à vista. As notícias por parte dos bancos são animadoras. Fala-se sobre a ampliação de prazos de financiamento e o percentual do comprometimento da renda”, avalia.
Com essas mudanças, aponta, o potencial de financiamento das famílias aumentam. O especialista observa que o prazo máximo para financiamento das moradias passou de 30 para 35 anos, além da possibilidade de os depósitos do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) serem usados como caução nas parcelas.
Para ele, com essas alterações, o planejamento financeiro para aquisição do imóvel fica mais acessível.
“O grande vilão na aquisição do imóvel com financiamento ainda é a entrada, e, com essas medidas, há como se trabalhar a descapitalização inicial”, calcula.