Crise da Evergrande pode desequilibrar cadeias mundiais e trazer mais inflação ao Brasil e Ceará

Movimentação de investidores para evitar perdas poderá elevar pressão inflacionária no Brasil e até gerar impactos em todo mercado internacional

O mercado internacional e a bolsa brasileira, a B3, sentiram a pressão que uma das maiores incorporadoras na China poderá causar nas cadeias globais caso não consiga quitar os débitos. Analistas comentam que o impacto sentido, de leve queda no início do dia, nas bolsas pelo mundo, foi apenas uma sinalização da crise que poderá vir, mesmo em patamar menor da observada em 2008, causado pela quebra do banco Lehman Brothers (Estados Unidos). No Brasil, a previsão é de aumento da pressão inflacionária e perdas para empresas de mineração. 

Investidores dos principais mercados estão observando com atenção desde o fim da última semana a situação de uma das maiores incorporadoras da China, a Evergrande, empresa que hoje atua no mercado de construção civil e outros segmentos, como logística. 

A empresa, a terceira maior do segmento na China, tem uma dívida de mais de US$ 300 bilhões com bancos nos Estados Unidos, Europa e outros mercados. Os investidores começaram a se preocupar quando foram realizadas algumas análises sobre o fluxo de caixa da Evergrande, demonstrando que a empresa poderá ter dificuldades de quitar partes dos débitos vencendo já na próxima quinta-feira (23). 

Entenda o caso

Com o medo de que a Evergrande passe por um cenário de iliquidez, sem condição de pagar essas tomadas de crédito no mercado, os investidores começaram a recuar de posições de maior risco do mercado, vendendo ações e outros papéis. O foco era garantir bons resultados antes de uma possível crise em cadeia que pode ser gerada caso a Evergrande quebre. 

Caso a incorporadora chinesa não consiga quitar os débitos gerados pela tomada de crédito nos bancos internacionais, o resultado negativo deverá ser incorporado pelas instituições financeiras, que pelo montante, devem dificultar os processos de tomada de crédito no futuro próximo.

Efeito cascata

Segundo o economista, Alex Araújo, os bancos pelo mundo poderão elevar juros, taxas e dificultar a tomada de crédito, gerando uma cascata de aumentos de custos financeiros no mercado pelo mundo. O cenário, de fato, é parecido com o da crise de 2008, gerado pela bolha imobiliária nos Estados Unidos. 
 
"Há um medo de contaminação do mercado financeiro global. É uma das maiores incorporadoras da China e ela se endividou muito, só parte dessa dívida é de bancos americanos e europeus e nessa semana ela tem de pagar 80 milhões de dólares. O receio é que, se ela ficar inadimplente, isso poderá ter um impacto no mercado financeiro na totalidade por causa desse montante, que é enorme. São 300 bilhões de dólares", explicou Araújo. 

"O pagamento de parte da dívida dela é quinta-feira e ela não se pronunciou se não iria pagar, mas começaram a fazer os cálculos de fluxo de caixa e houve uma preocupação, mas só quinta-feira que teremos a certeza. Enquanto isso, os investidores foram saindo dessas posições de maior risco, gerando a queda nas bolsas pelo mundo. Esse é o assunto da semana", completou.

Crise de 2008

Contudo, a possível crise gerada pela Evergrande poderá ser menor que a de 2008. Segundo o head nordeste da VLG, Henrique Zimmermann, há uma expectativa de que o governo da China tenha "aprendido com a crise que aconteceu nos Estados Unidos" e possa tomar ações para evitar que o impacto seja totalmente absorvido pelo mercado. 

"O ponto principal é saber qual será a atitude da China. O mercado financeiro antecipou a crise e tivemos um sell-off global com medo de que isso pudesse se alastrar no mercado mundial, mas há a esperança de que os chineses tenham aprendido com a crise que aconteceu nos Estados Unidos a China deverá socorrer a empresa e os fornecedores envolvidos para reduzir as perdas, gerando um remédio para evitar que haja uma crise maior ainda, até porque eles têm um plano sério de crescimento no país", explicou Henrique.

"Mas se o governo deixar a empresa quebrar, isso pode desencadear fatores mais complicados e podemos ter uma crise global, mas alguma medida deve ser tomada nos próximos dias, até porque temos algumas dívidas de alguns milhões de dólares estão vencendo nessa semana", completou. 

Entre as possíveis ações do governo chinês está a compra de parte do capital da Evergrande, aplicando a estatização de uma parcela da companhia, ou um trabalho de intermediação das dívidas da empresa com bancos e fornecedores com foco de abrandar o impacto no mercado financeiro. 

Mercado imobiliário

Segundo Alex Araújo, um dos erros da gestão da Evergrande foi calcular que a demanda por imóveis no mercado chinês iria se manter em crescimento durante o momento atual. Contudo, indicadores mostram uma estabilização desse mercado no país asiático, o que deve pressionar os resultados financeiros da empresa, que buscou um grande volume de crédito no mercado internacional para financiar obras e investimentos. 

A estratégia da Evergrande levou a empresa a ter entre 1,2 milhão e 1,5 milhão de pessoas com imóveis negociados na planta, que não garantem o retorno do investimento caso a empresa quebre. O fato causa uma pressão ainda maior no mercado chinês.

Contudo, o economista ponderou que a crise em potencial deste ano deve ter impactos diferentes da de 2008, que contou com mecanismos de fraude no sistema financeiro americano relacionados à expansão de crédito imobiliário.   

"O mecanismo que aconteceu é muito parecido com 2008, que é o efeito em cadeia que uma empresa com grandes volumes no mercado pode gerar se ficar inadimplente. É parecido, mas naquela época tivemos uma fraude e isso gerou muita especulação do mercado financeiro e a crise", disse Araújo.

O erro, dessa vez, foi calcular que a demanda continuaria aumentando, mas hoje há vários prédios que estão parados sem vender na China, mas esse componente é o mesmo. Muda a origem, mas o mecanismo é o mesmo e isso preocupa, sim", completou.
Alex Araújo
economista

Quais devem ser os impactos no Brasil?

E apesar da distância, e de o Brasil não financiar os recursos da Evergrande, o mercado nacional deverá sentir, sim, os impactos dessa crise em potencial. 

De acordo com Alex Araújo, o mercado de commodities já está sendo impactado pela redução da demanda no mercado chinês, fazendo com que as mineradoras brasileiras sintam resultados negativos nas próximas semanas. Ele projetou que a demanda e o preço do aço já caíram no mercado e isso deve reduzir os lucros de empresas com a Vale. 

Além disso, com os investidores internacionais buscando ativos de maior segurança em um momento de instabilidade, o Brasil deverá sentir uma pressão inflacionária ainda maior nos próximos meses. 

Como os investidores deverão buscar comprar dólar, a moeda americana deverá se valorizar ainda mais frente ao real, gerando uma nova pressão nos preços dos produtos no mercado interno. 

"O natural é que os investidores procurem proteção no que é mais seguro então há aumento do dólar e do ouro. Eles saem das posições mais arriscadas e levam para fora, e é natural que o dólar aumente, e isso pode gerar uma pressão inflacionária no Brasil, mas é de curto prazo", disse.  

"O melhor cenário seria a China assegurar a liquidez da Evergrande, e caso eles não deem teremos um pico de estresse, mas a tendência é que isso se acalme, porque os fornecedores sentem e negociem as dívidas com a empresa. Mas se as coisas não se acertarem, essa pressão poderá ser maior aqui no País", completou. 

Reflexos no Ceará 

Sobre o mercado cearense, os especialistas afirmaram que não deverá haver reflexos específicos. De acordo com Araújo, o Ceará deverá sentir as pressões inflacionárias nos preços dos produtos assim como o resto do mercado nacional.

A perspectiva é corroborada pelo especialista em direito marítimo, Larry Carvalho, que projetou um aumento dos valores dos fretes marítimos gerados no mercado internacional como efeito da crise da Evergrande, o que deve gerar altas nos preços dos produtos importados no Estado e até mesmo dos serviços de transporte de mercadoria no Ceará e no Brasil. 

O que é a Evergrande?

A Evergrande foi fundada em 1996 e se tornou a terceira maior incorporadora da China. Esse tipo de empresa é que inicia o processo de construção e comercialização de um imóvel. A companhia identifica as oportunidades, adquire o terreno, estrutura o projeto para então começar os estudos de viabilidade.

A empresa teve a primeira oferta pública de ações em 2009, na bolsa de valores de Hong Kong, e ela teve uma rápida ascensão no mercado chinês a partir de grandes projetos urbanos no decorrer das últimas décadas. 

A empresa também atua no ramo de saúde, indústria fonográfica, e desenvolve projetos no setor de alimentos e bebidas, como empresas de grãos, óleos, laticínios e água mineral.