Como é trabalhar para uma empresa no exterior ganhando em moeda estrangeira? Veja dicas

Receber em moedas estrangeiras diante do real desvalorizado se torna vantajoso, mas é necessário se atentar a questões tributárias, de idioma e cultura

Com dólar, euro e outras moedas estrangeiras valendo bem mais que o real, a contratação por uma empresa de fora do país pode ser a chance de ver a renda mensal ser multiplicada em pelo menos 5 vezes apenas pelo câmbio. 

Empresas de países da América do Norte e Europa já realizavam contratações internacionais antes da pandemia, mas a normalização do trabalho remoto tornou a possibilidade mais próxima, sobretudo para profissionais da área de tecnologia. 

Quem quer começar a trabalhar para fora do país precisa superar a barreira linguística, se atentar a diferenças culturais e apostar no networking para estabelecer contatos.  

Já quem já tem diante de si uma oportunidade deve buscar um contador ou estudar com cuidado a legislação tributária do país para evitar pagar impostos duas vezes. 

Trabalhando para fora 

Para o desenvolvedor de software Felipe Hespanhol, de 36 anos, a primeira oportunidade de trabalhar para fora do país veio em 2019, ainda antes da pandemia. O contato veio por meio de LinkedIn. 

“Eu estava trabalhando há uns anos em umas empresas no Rio de Janeiro e recebi um contato do LinkedIn para trabalhar remoto para uma empresa americana. Na época, essa empresa tinha uma operação no Brasil e me pagava em reais”, conta. 

Pouco tempo depois, outra empresa também dos Estados Unidos entrou em contato com o profissional por meio do mesmo canal. Todo o processo de assinatura de contrato ocorreu por meio digital. Segundo ele, a proposta de trabalho sempre foi remota e não há planos de uma volta presencial. 

Recebendo em dólar, o valor do salário que cai na conta é diferente a cada mês. 

“Eu recebo em uma plataforma de recebimentos de fora do país, não sei exatamente como funciona esses trâmites, tem alguns bancos intermediários, mas eu recebo na minha conta o valor em reais. O salário muda de acordo com o câmbio”, diz. 

Tributação 

O recolhimento de impostos é um dos principais pontos de atenção no caso desse tipo de vínculo de trabalho. O doutor em direito tributário pela USP e advogado da Schneider & Pugliese Advogados, Diogo de Andrade Figueiredo, explica que o trabalhador deve seguir as regras tributárias do país no qual reside. 

Portanto, o fato de trabalhar para uma empresa do exterior não impede que ele pague os impostos brasileiros – mesmo que o salário já tenha sido tributado na fonte.  

Com base na tabela progressiva, o funcionário seria tributado no Brasil na alíquota máxima de 27,5% para imposto de renda, que incorre sobre salários acima de R$ 4.664,68. Caso o trabalhador tenha recebido o valor já reduzido de impostos, a Receita Federal pode permitir que seja paga apenas a diferença, a depender do país. 

“Isso não se aplica para toda e qualquer situação porque, para pessoa física, só admite esse desconto de crédito pago no exterior em situações que o Brasil tenha acordo de tributação ou que exista a reciprocidade de pagamento, se eu demonstrar que o outro país autorizaria esse desconto de crédito se fosse um residente lá prestando serviços para uma empresa brasileira”, destaca o advogado. 

Conforme Figueiredo, o trabalhador deve realizar o recolhimento dos impostos no último dia útil do mês seguinte ao recebimento por meio do Carnê-Leão. Deixar para lidar com a parte tributária só no momento da declaração de IRPF pode gerar problemas. 

Se ela não efetua o recolhimento via carnê-leão, na hora do IRPF isso vai constar. É mais complexo, tem que ver se tiveram outras despesas. Mas o resultado prático é que pode acontecer pagamento de tributo com juros e multas
Diogo de Andrade Figueiredo
doutor em direito tributário pela USP e advogado da Schneider & Pugliese Advogados

PJ 

Uma alternativa para evitar uma bitributação como pessoa física é optar pela abertura de uma pessoa jurídica para receber os rendimentos. É o que fez Felipe Hespanhol.  

“Tem duas formas de eu declarar isso para o governo, uma forma é como pessoa física. Se eu declarar como pessoa física pago a alíquota máxima. Eu hoje abri empresa, estou como PJ. Emito uma nota fiscal para cada salário que eu recebo e aí eu declaro como recebimento via PJ”, conta. 

Conforme Diogo, a carga tributária para a pessoa jurídica pode ser menor. Não há incidência de PIS/Cofins nem de ISS, caso seja comprovado que os resultados foram obtidos no exterior. 

“A PJ é tributada, mas eu não preciso comprovar a existência de acordo nem a existência de reciprocidade. O crédito recolhido no exterior já é garantido de forma automática, é um pouco mais simples que na física. A pessoa física receberia dividendos da PJ, que hoje em dia não são tributados no Brasil”, detalha. 

O advogado pondera, contudo, que por mais que haja vantagens tributárias no PJ, o trabalhador precisa considerar outros custos para manter uma empresa, bem como o regime adotado. 

“Não é tão simples. Tem que ver o regime da pessoa jurídica, se é real ou presumido. Pessoa jurídica tem custos de manutenção, vai ter que ter contador, declarar manutenções acessórias. Não dá para dizer que é melhor ou pior, depende de cada caso concreto”, coloca. 

Networking e conexões 

Conseguir um emprego no exterior exige do candidato um bom uso de redes sociais profissionais e a construção de vínculos com pessoas no mercado o qual se pretende atuar. Para a gerente da prática de transição de carreira da LHH, Paola Dazzan, a busca é semelhante do que seria para uma vaga brasileira, com especificidades de cada país. 

O primeiro ponto a se adequar é com relação ao idioma: não dá para trabalhar para outro país sem ser fluente na língua utilizada. As redes sociais são o segundo passo. 

Usar mídia social ao meu favor, quem são as pessoas que eu posso me conectar, participar de fóruns de discussão. Quanto mais conectado você tiver àquilo que você quer fazer, seja mudança de país, uma empresa específica, você se torna mais visível
Paola Dazzan
gerente da prática de transição de carreira da LHH

A especialista indica ao candidato listar empresas-alvo e buscar conexões com quem trabalha nesses locais. “Tem que ter um cuidado muito grande para fazer isso de maneira planejada e organizada para não se expor negativamente”, alerta. 

A diferença cultural também deve ser levada em consideração na hora de escolher para qual país trabalhar. Pode ser frustrante para o funcionário trabalhar em um ambiente em que suas habilidades não são valorizadas por simples questão cultural. 

O fuso horário pode ser uma questão de difícil adaptação, a depender do país. O ideal é buscar lugares em que a questão de horários não precise mudar completamente a rotina no Brasil – ou considerar se a oportunidade de emprego vale a pena colocar a própria vida em um fluxo diferente. 

Áreas mais demandadas 

Paola reconhece que algumas áreas têm maior demanda de outros países, como tecnologia e logística. Mas, segundo ela, qualquer profissional consegue realizar a transição de carreira caso esse seja seu objetivo, caso tenha as competências necessárias. 

“O que eu faço necessariamente, como eu transfiro para outro segmento? Que segmentos podem absorver minhas competências? Não é porque você não é de tecnologia que você não tem competência para trabalhar nesse segmento”, defende. 

Ela considera que, com o avanço do trabalho híbrido como uma cultura mais difundida, se tornará cada vez mais comum trabalhar para qualquer lugar do mundo e de qualquer lugar no mundo. É necessário, apenas, planejamento e preparação.