Ceará deve R$ 200 milhões em créditos tributários a empresas de energia renovável, diz Elmano

Memorando de Entendimento foi assinado com empresa Vestas, mas nova lei de uso dos créditos deve beneficiar todo o setor

O Governo do Ceará deve, aproximadamente, R$ 200 milhões em créditos tributários para empresas de energias renováveis. O valor foi revelado pelo governador Elmano de Freitas (PT), em entrevista exclusiva ao Diário do Nordeste.

O setor de energia renovável deve ser o primeiro beneficiado por uma política de pagamentos de créditos tributários. Assim, para resolver a dívida, o governador afirma que o Estado vai negociar uma forma de pagamento parcelado. 

"O governo deve a empresas cearenses um crédito que quando a empresa vende seu produto tem uma parte do tributo que ela recolhe e deveria ser devolvido", explica Elmano.

Se o Estado do Ceará for pagar isso tudo de uma vez, ele não tem condição de fazê-lo. Porque isso vem se passando por anos e anos. Então, o que eu defini foi que nós vamos utilizar esse crédito para fazer uma política que incentiva investimento e emprego. Se eu não posso pagar todo mundo de uma vez, eu tenho que definir um critério de prioridade".
Elmano de Freitas
Governador do Ceará
 

Elmano também conta que já pediu ao secretário da Fazenda, Fabrízio Gomes, a elaboração de um planejamento de pagamento destes créditos.

"Da mesma maneira que planejo o pagamento de precatórios, tenho que ter um planejamento para o crédito tributário. Senão vou deixar uma bomba relógio para o futuro e eu não vou fazer isso com o Estado do Ceará".

Critérios já estabelecidos pelo governo

Pensando em uma forma de pagar estes créditos tributários, o governador afirma que estabeleceu dois critérios-chave para iniciar o processo. O primeiro é que as empresas beneficiadas façam parte de um setor estratégico para a economia do Ceará.

Temos vários setores da economia, mas alguns são mais estratégicos e tendem a alavancar a economia cearense".
Elmano de Freitas
Governador do Ceará

O segundo critério é a empresa tomar uma decisão de fazer investimento e gerar emprego. "Esses devem ser a nossa prioridade", reforça Elmano.

Memorando de Entendimento assinado com a empresa Vestas

Como primeiro passo para o pagamento destes créditos tributários para o setor de energias renováveis, no último dia 9 de agosto, o governador Elmano de Freitas assinou um Memorando de Entendimento (MoU) entre o Governo do Ceará e a empresa Vestas.

O Diário do Nordeste tentou com o Governo do Estado e com a Vestas acesso ao memorando. No entanto, até a publicação desta matéria, a reportagem não obteve retorno. 

"A economia do Ceará tem tudo pra crescer e tenho compreensão de que os governos têm que contribuir para isso. Então, não mediremos esforços para ajudar as empresas com a política tributária de reconhecimento de direitos que as empresas têm a receber do estado”, destacou o governador no dia da assinatura do memorando.

Assim, uma mensagem deve ser enviada para a Assembleia Legislativa do Estado do Ceará (Alece), regulamentando uma nova política tributária para o setor de energias renováveis.

"Não é só para a Vestas. Não posso fazer uma política tributária para uma empresa, tenho que fazer para um setor. Então, neste momento, nós estamos fazendo para o setor de energias renováveis", complementa o governador em entrevista ao Diário do Nordeste.

Ainda sobre o setor de energias renováveis ele reforça que este é "absolutamente estratégico para o crescimento econômico do Estado".

"Vamos fazer a utilização de crédito tributário porque essas empresas vão precisar, daqui a pouco, produzir muita pá eólica, muito aerogerador e elas estão em um momento de dificuldade. Temos que ter sensibilidade de ajudar para que fiquem aqui", diz. 

O governador revela que estados, como a Bahia e Pernambuco, estariam tentando atrair as empresas de energia para seus territórios.

"Minha missão, como governador, é atuar para que elas aqui permaneçam e que possam aumentar os seus investimentos no Ceará. E é isso que estou fazendo", reforça.

Elmano não descarta ampliar essa política para outros setores da economia. "Será onde nós percebermos que há uma necessidade estratégica para aquele setor econômico e que isso irá gerar investimento e emprego para o nosso povo".

O que diz a Sefaz sobre os créditos tributários?

Questionada sobre como funcionam os créditos tributários, a Secretaria da Fazenda do Ceará (Sefaz-CE) informou em nota que o saldo credor do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) fica acumulado nos casos em que o montante dos créditos de ICMS supera o volume de débitos.

Nesse caso, a diferença deve ser compensada no período ou nos períodos seguintes, a fim de ser abatida na apuração do imposto a ser pago por aquele contribuinte ao respectivo Estado.

Considerando que o Sistema Tributário Nacional possui definição constitucional, e tendo em vista que a Constituição Federal atribuiu ao ICMS a condição de não cumulatividade, o procedimento de apuração e acúmulo de crédito do ICMS ocorre em todas as unidades da Federação.

A Lei Complementar 87/96 estabelece, ainda, que os Estados poderão, nos demais casos de saldos credores acumulados, permitir que esses sejam imputados pelo contribuinte a qualquer estabelecimento seu no estado, ou que sejam transferidos, nas condições previstas na legislação tributária, a outros contribuintes do mesmo estado.

Além disso, sobre como está sendo encaminhado esse pedido do governador para se ter um planejamento de quitação com os contribuintes que já têm créditos acumulados que não são usados, a Sefaz-CE declarou na mesma nota que “estuda ainda outras formas legais de liberação de créditos como medida de incentivo a novos investimentos no estado do Ceará, especialmente no que se refere à produção e geração de energia elétrica por meio de fontes renováveis”, sem dar mais detalhes de como isso deve ser feito.

Segundo o secretário da Fazenda, Fabrízio Gomes, existem empresas que têm isenção ou algum incentivo fiscal, tem uma imunidade tributária, mas mesmo assim, a legislação do ICMS permite que ela faça essa acumulação de crédito. Porém, não é possível usar esses créditos na operação normal de débito e crédito. Assim, a utilização se dá repassando para alguma empresa. 

"Normalmente isso é feito através de leilões, que no caso do Ceará já fizemos vários leilões, São Paulo também faz. Mas esse ressarcimento desses créditos eles vão acontecendo ao longo de vários períodos. Não é uma dívida efetivamente que nenhum estado tem com o contribuinte. É uma sistemática de não cumulatividade onde é permitido que esses créditos sejam compensados em períodos subsequentes e não existe se falar em pagamento financeiro. São compensações ao longo do processo tributário", diz o titular da Sefaz.

Reforma tributária prevê devolução dos créditos a partir de 2033

Fabrízio ainda destaca que a Reforma Tributária já prevê que os estados que tenham esses ressarcimentos de créditos acumulados a passar para o contribuinte terão que devolver esses créditos em até 240 meses, a partir de 2033, corrigido pelo IPCA.

Então, essa é uma sistemática comum em todos os entes federativos que tenham qualquer tributo que seja não cumulativo".
Fabrízio Gomes
Secretário da Fazenda do Ceará

O titular da Sefaz afirma que, agora, o que está se fazendo no Ceará é a tentativa de buscar estudar sistemáticas que permitam fazer o ressarcimento desde que a empresa tenha um projeto de novos investimentos, como é o caso das energias renováveis.

"(Assim), foi assinado um memorando de entendimento onde o Governo do Estado do Ceará se compromete a buscar alternativas para que a gente traga mais dinamismo para esse segmento econômico tão importante para o Ceará que é a questão das energias que vão permitir uma transição energética".

Estados não cumprem a lei

Sobre os créditos tributários e o repasse que os estados precisam fazer para os seus contribuintes, o advogado tributarista Schubert Machado, presidente do Instituto Cearense de Estudos Tributários (Icet), afirma que a lei não é cumprida.

“O estado que me refiro, não é só Estado do Ceará, não, é o Governo Brasileiro, é o governo dos estados e dos municípios. Nenhum desses governos cumpre a lei dos créditos tributários como está previsto na Constituição Brasileira”.

Schubert também explica que esses créditos são perdidos (no jargão, caducam) de cinco em cinco anos. Assim, os estados “enrolariam” o contribuinte, deixando que o prazo expirasse e o crédito não existisse mais.

Além disso, para contribuintes que não conseguem utilizar em nenhuma outra compensação do fisco, os valores, conforme ele, deveriam, sim, ser pagos em dinheiro.

Ele comenta que a Constituição diz que o contribuinte tem direito a manter o crédito e se não tiver como usar, o estado deve pagar em dinheiro esse crédito.

Então, o estado é obrigado a lhe pagar, sim. Mas o que acontece, na prática, é que o estado não paga".
Schubert Machado
Advogado tributarista e presidente do ICET

Outra prática que poderia amenizar esse problema nos repasses é a venda de créditos para terceiros, principalmente nos casos de exportação, porém, o estado precisa autorizar o contribuinte a vender e, segundo o tributarista, não tem autorizado essa operação também.  

"Com isso, o Estado tem ganhado muito dinheiro em cima dessa postura absurdamente ilegal", destaca.

O advogado ainda comenta que todos os anos valores são perdidos por contribuintes que também preferem não entrar na justiça, reivindicando esse direito, já que se vencerem a dívida se tornaria um precatório. 

“Algo tão difícil também do Estado pagar. Ou seja, o contribuinte sai perdendo das duas formas”.