Normas de redução do fornecimento de energia e atrasos em infraestrutura de linhas de transmissão ameaçam inviabilizar novos investimentos de empresas de parques eólico e solar, no Ceará. Segundo o setor, os entraves já causaram prejuízos de R$ 1,2 bilhão, neste ano, no Brasil.
As companhias consultadas pela reportagem, no entanto, não pretendem desistir do mercado cearense, ainda que defendam cautela em razão da urgência de uma solução regulatória para a questão. O problema é ocasionado porque a geração dessas usinas é limitada pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS).
Isso significa que, mesmo em condições climáticas favoráveis à geração de energia, o órgão regulador impõe restrições à produção das empresas. Por exemplo, nos últimos meses do ano no Ceará, período de maior insolação e intensidade dos ventos, a capacidade das usinas pode ser interrompida por determinação do ONS.
O mecanismo é chamado de “curtailment” (em português, seria corte de geração). Os impactos dessa regra impõem desafio para todo o Nordeste. Conforme o diretor regulatório da Associação Brasileira de Energia Eólica (Abeeólica), Francisco Silva, o rombo de R$1,2 bilhão foi contabilizado somente pelo setor eólico, até setembro deste ano.
"É um prejuízo gigantesco. Isso não se restringe apenas ao Ceará; nossos investidores estão revisando todos os planos de investimento em função dessa situação, pois percebem que a incerteza em relação ao projeto em desenvolvimento é muito maior do que conseguem quantificar e precificar”, ponderou.
O ex-secretário de Energia e Telecomunicações do Ceará e presidente da Energo Soluções em Energias, Adão Linhares, acrescentou que a limitação representa uma “preocupação diária” do segmento, já tendo dialogado com o governo do Estado nas últimas semanas para buscar uma solução.
“Se o operador corta a energia produzida, o investidor se questiona sobre as vantagens do Nordeste brasileiro e se não seria melhor permanecer na Europa, uma vez que o excedente pode ser utilizado para gerar hidrogênio, para mobilidade elétrica, para data centers e outras atividades", disse, durante evento sobre Energia Offshore, nessa quarta-feira (16), na Federação das Indústrias do Estado (Fiec), em Fortaleza.
“O nosso potencial ninguém discute, mas o investidor é imediatista quanto aos resultados de seus investimentos. Por isso, essa situação está preocupando os investidores e levando-os a avaliar a desistência de investir no Brasil”, completou.
Para esse problema, o setor defende o ressarcimento às empresas pelo período em que não puderam gerar energia, com o intuito de honrar os compromissos contratuais assumidos durante o impedimento.
Processo de linhas de transmissão precisa ser acelerado
Outro entrave relatado é o atraso na disponibilidade de linhas de transmissão para o escoamento da produção. Durante o evento, o diretor de Geração Centralizada do Sindicato das Indústrias de Energia e de Serviços do Setor Elétrico do Ceará (Sindienergia), Luiz Eduardo Moraes, destacou que a velocidade da infraestrutura não acompanha a dos projetos.
“Demanda e infraestrutura precisam estar em sinergia. Atualmente, estamos enfrentando um problema de excesso de energia no mercado, enquanto a infraestrutura de transmissão é insuficiente, especialmente no Nordeste, que atua como exportador para o Sudeste”, afirmou. Ele ponderou, contudo, que esse é um processo demorado para atender à capacidade de geração.
Quatro empresas com atuação no Ceará demonstram preocupação
A gigante chinesa SPIC relatou que os cortes de energia causaram prejuízo, em média, de 40% a 50% nas receitas do Complexo Solar Panati, no Ceará, e Marangatu, no Piauí.
“Uma parte desses cortes está relacionada ao atraso de 12 meses que teve a linha de transmissão Pacatuba Jaguaruana 2. Além da perda de receita, os projetos precisam arcar com todas as despesas de O&M [Operação e Manutenção], de tarifas de transmissão, financiamentos e compra de energia no mercado livre para honrar com os contratos celebrados pela nossa empresa junto aos clientes”, afirmou.
Por essa razão, a companhia diz haver risco de impactar os planos de crescimento da empresa. Para a EDP, os cortes de geração eólica e solar representam um importante desafio para o sistema elétrico brasileiro.
“Seu crescimento elevado desde 2023 tem trazido grandes prejuízos em projetos de geração renovável em operação, de forma que os agentes, associações e instituições setoriais têm buscado alternativas para mitigar os efeitos desses cortes que ainda ocorrem nas usinas renováveis conectadas a importantes locais do setor elétrico brasileiro”, comentou, sem quantificar perdas.
De acordo com a Engie Brasil Energia, a infraestrutura de transmissão não acompanhou este crescimento da geração, que se desenvolveu de forma acelerada. Por isso, apontou, os projetos de transmissão em implantação requerem atenção e comprometimento de todos os agentes envolvidos para serem executados com seriedade e dentro do prazo.
“A demora para iniciar a operação dos sistemas de transmissão impacta diretamente o fluxo de escoamento da geração, causando prejuízos tanto aos geradores, quanto aos consumidores”, apontou.
Já CPFL Energia disse que os cortes de geração eólica fazem parte de um debate sendo tratado pela companhia junto as autoridades do setor elétrico. A empresa ressaltou possuir planos de longo prazo no Ceará e, portanto, “não tem qualquer intenção de desistir de investimentos”.
ONS diz que medida é necessária: 'não é conservadora'
Em nota, o ONS frisou atuar em conformidade com os critérios de segurança previstos em Procedimentos de Rede, cujo objetivo é prever a limitação do escoamento de geração em montantes compatíveis com a capacidade dos geradores eólicos e solares fotovoltaicos de suportarem variações de tensão na rede provocadas por falhas em equipamentos de geração ou transmissão.
"Não se trata de operação conservadora, mas de garantir a confiabilidade do suprimento a toda carga do sistema”, informou. A entidade enfatizou estar trabalhando com agentes de geração e fabricantes para melhorar o desempenho desses equipamentos.
Adicionalmente, mencionou haver restrições de geração devido ao excesso de produção no sistema e a indisponibilidades na rede de transmissão. Para todas essas situações, afirmou, o ONS trabalha junto à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) para atualizar os processos e normativos referentes a cortes de geração, de modo a minimizar o impacto aos agentes afetados.
Procurada, a Aneel não respondeu aos questionamentos até a publicação desta matéria. Quando as respostas forem enviadas, este texto será atualizado.
Ceará pediu estudo para ressarcir empresas, diz governador
O governador Elmano de Freitas (PT) informou que se reuniu com a Aneel e o Ministério de Minas e Energia para solicitar uma solução em relação aos cortes e às linhas de transmissão.
“O ONS estabeleceu um conjunto de exigências que limita a capacidade de escoamento da produção existente no Ceará, no Rio Grande do Norte, no Piauí e na Bahia. Por isso, conversamos com os órgãos, e o presidente da Aneel garantiu a realização de um estudo rápido”, afirmou. Segundo o governador, o levantamento inclui a análise de ressarcimento dos parques prejudicados.
“Pedimos que o estudo seja acelerado ao máximo para que as empresas possam ser efetivamente ressarcidas, evitando a inviabilidade de negócios que são fundamentais, seja para o fornecimento de energia, para data centers ou para o Hidrogênio Verde, que deve avançar consideravelmente no Ceará”, completou.