Com a pandemia remodulando as expectativas do mercado de turismo no mundo inteiro, a Secretaria de Turismo de Fortaleza (Setfor) também teve de se adaptar para continuar atraindo turistas no momento de recuperação pós-crise.
Mas as iniciativas de melhoria da Capital, segundo o secretário Alexandre Pereira, tem uma base muito clara e que não está focada apenas no viajante de fora do Estado ou do País.
A perspectiva nos últimos anos para a Setfor tem sido transformar Fortaleza em uma cidade que seja amada pelos próprios moradores.
Durante o Diálogo Econômico, projeto de entrevistas sobre a economia cearense do Diário do Nordeste, Pereira comentou os desafios de se administrar os serviços de turismo durante uma pandemia e as estratégias inovadoras pensadas para elevar o potencial turístico da Capital.
O secretário ainda projetou as localidades que deverão ser mais exploradas nos próximos anos, dando perspectivas sobre as metas para a Barra do Ceará e a Sabiaguaba.
Além disso, Pereira também comentou sobre os desafios de se implementar políticas públicas, e sobre o diálogo constante com a iniciativa privada cearense.
Leia a entrevista completa
COMO O SENHOR AVALIA OS IMPACTOS DA PANDEMIA DO NOVO CORONAVÍRUS PARA O TURISMO DE FORTALEZA E QUAIS AS PERSPECTIVAS PARA ESSE FUTURO QUE AINDA TRAZ MUITAS INCERTEZAS PARA VIAJANTES, CONSIDERANDO O PESO DESSE SETOR PARA A ECONOMIA DA CAPITAL?
Eu entendo que a pandemia, e nós estamos passando por ela em um ano e tanto, e eu tive o prazer de ser o secretário de turismo do prefeito Roberto Cláudio quando ele começou e agora do prefeito Sarto, então isso me deu muita responsabilidade na medida que o turismo representa um terço da economia da cidade e para nós é o jeito mais rápido de se recuperar a economia. O turismo movimenta mais de 50 setores.
Eu digo que o turismo movimenta do pipoqueiro ao hoteleiro, na medida que cada turista deixa em torno de R$ 3 mil, e esse dinheiro está sendo gasto desde a chegada no aeroporto, ao motorista de aplicativo, até chegar no hotel.
Ele atravessa a Beira-Mar e chega até o vendedor de coco, vendedor de pipoca, artesanato, bares, barracas de praias. Então, são uma quantidade infinita de setores da microeconomia que se beneficiam desse turista.
E isso impactou diretamente na economia da cidade, com o turismo sendo o primeiro impactado e o último a voltar.
Mas o que mudou com a pandemia? O turismo mudou, mas as pessoas também mudaram. Se alguém passou por essa pandemia e não repensou a vida, essa pessoa, eu brinco, não tem jeito mesmo.
A maioria das pessoas, e todos nós tivemos senão familiar pelo menos um conhecido que morreu pela pandemia, de alguma forma refletiu inclusive sobre essa vida corrida que essa economia e o mundo, e os smartphones, nos colocaram.
Eu tenho uma agenda maluca, e assim, de repente, cheguei no meio da pandemia com uma agenda sem compromissos, e eu fiquei surpreso.
Mas vimos que poderíamos resolver muitas coisas de forma virtual e com trabalho remoto, que é real e tem benefícios. Tudo isso nos mostrou uma nova face da vida que não conhecíamos.
E quando isso muda, muda a forma de fazer turismo, porque as pessoas passaram a valorizar outras coisas e o turista passou a ser mais exigente.
O turista passou a se preocupar se o hotel é sustentável, se o lugar se preocupa com o meio ambiente, como as pessoas e animais são tratados, mas eu enxergo isso como possibilidade.
E Fortaleza vem sendo preparada com infraestrutura e vários projetos porque nós entendemos que o turismo está voltando de uma forma tão forte e com tantas oportunidades que não temos dúvida que a retomada vem com muita força e melhor para o Brasil, primeiro por esse novo turista e o turismo interno brasileiro.
Tínhamos antes 18 milhões de brasileiros indo para o exterior para gastar euros e dólares, indo para Miami, Orlando, Paris, Buenos Aires, enquanto só 6 milhões de estrangeiros vêm para cá.
Então a nossa balança comercial desses turistas está desbalanceada. Mas quem ia para o exterior, agora, está com restrições sanitárias e com medo, e com o dólar e o euro mais caro, então essas pessoas vão viajar internamente.
Então eu tenho hoje a possibilidade de colocar 18 milhões de brasileiros, agora, gastando no Brasil, e precisamos de políticas públicas nacionais para explorar ainda mais essa possibilidade, mas estamos discutindo isso com o Ministério do Turismo.
DURANTE ESSE PERÍODO, O QUE MUDOU NA VISÃO ESTRATÉGICA DA GESTÃO MUNICIPAL SOBRE O SETOR DO TURISMO E O QUANTO DESSA ADAPTAÇÃO PODE CONTINUAR MOLDANDO POLÍTICAS PÚBLICAS?
Por incrível que pareça, como eu era secretário na gestão passada e continuei nessa, a gente sempre teve o propósito de, desde o início, que eu nunca acreditei em fazer cidade para turista.
O meu discurso é de que precisamos de fazer uma cidade boa para o morador, com eventos, ações culturais, com trânsito, mobilidade.
Se isso for bom para o morador, será bom para o turista. Todas as grandes cidades amadas por turistas, como Orlando, que tem 60 milhões de visitantes, tem moradores que amam morar lá. Barcelona tem 35 milhões de visitantes por ano, e o barcelonense ama morar lá.
Quem mora em Paris tem um orgulho de morar lá. Na hora que o fortalezense amar cada vez mais onde ele mora, isso vai refletir na quantidade de turistas que vem para a nossa cidade.
Parece um conceito meio aberto, mas fizemos esse trabalho na primeira gestão, e o Estado fazia um trabalho muito bom de promoção lá fora, para mostrar quem somos e o que fazemos.
Mas eu tinha que fazer essas ações para a cidade, até porque eu preciso mostrar a realidade que temos aqui e que vendemos lá fora.
E nesse pós-pandemia, a grande sacada é cuidar ainda mais dessas coisas da cidade. Nos tornamos a primeira cidade "pet-friendly" do Brasil.
Isso é uma política pública e hoje temos mais de 10 hotéis que recebem pets, mais de 100 bares e restaurantes que recebem pets, todos os shoppings recebem pets, temos mais de 10 "cahorródromos" em praças, temos uma secretaria de proteção animal, e o prefeito destinou nessa semana de R$ 300 mil para a causa animal e aos animais de rua. Isso é um diferencial.
Hoje, o mercado de pets, temos mais de 150 milhões de pets no Brasil, sendo 80 gatos ou cachorros.
O grande problema da família que vai viajar é onde deixar o pet. Mas nós dizemos que as pessoas podem trazer os pets que eles serão bem-vindos no hotel, no restaurante, e isso é política pública.
Estamos trabalhando na continuidade disso, melhorando a essência da cidade, o intangível da cidade.
A nossa Beira-mar é linda, mas quem mais curte ela, somos nós mesmos. E temos muitas outras coisas legais que podem nos fazer virar a chave.
APESAR DE TODAS AS QUESTÕES DA PANDEMIA, FORTALEZA VEM SENDO APONTADA COMO UM DOS PRINCIPAIS DESTINOS PARA TURISMO DOMÉSTICO. AO QUE O SENHOR ATRIBUI ESSA PREFERÊNCIA?
Temos vários fatores em conjunto. Primeiro, tivemos um Governo e Prefeitura alinhados em políticas de turismo.
O hub turístico é um exemplo disso, nascendo de uma política trabalhada pelo governador Camilo Santana e o prefeito Roberto Cláudio.
A própria estratégia de promoção, de Fortaleza nos grandes eventos, de Fortaleza e o Ceará ser um celeiro para os esportes de vela, além da infraestrutura.
Não existe turismo sem infraestrutura, contando, com malha, aeroporto, orbas de urbanismo, ciclofaixas, e a localização geográfica também.
Nós somos a porta mais próxima da Europa e dos Estados Unidos.
Nós temos vários fatores, mas eu acho que todas as ações são importantes. Somos a quinta maior cidade do Brasil, com uma desigualdade muito grande e problemas de uma cidade muito grande.
O turista começou a virar moda nas cidades pequenas, mas eu tive a honra em 2019, de ganhar o prêmio de melhor secretário de turismo do Brasil do Ministério do Turismo disputando com 4 cidades pequenas turísticas do País.
Ganhamos por essas ações inovadoras para a cidade. Eu quero que o fortalezense desfrute a cidade, porque se ele fizer qualquer turista vai querer vir para cá.
Claro que temos de fazer a promoção lá fora, e o prefeito Sarto deve anunciar um programa na próxima semana que é ousado para os próximos dois anos.
A gente disputa o mesmo dólar que o Caribe, a Polinésia Francesa e outras regiões.
NESSE PROCESSO DE RETOMADA DO TURISMO, COMO O SENHOR ENXERGA ESSA RELAÇÃO DO PODER PÚBLICO E DA INICIATIVA PRIVADA? COMO TEM SIDO O DIÁLOGO COM OS EMPRESÁRIOS?
Eu como gestor público que vem da área privada vinha com a cabeça dessa área, mas os gestores com quem eu trabalhei sempre elogiaram isso porque eu tinha a visão dos lados da mesa e essa balanceamento dos dois lados.
Não existe política pública que funcione se a população não acredita. Quando nós do turismo pensamos em uma política pública, a população tem de gostar, mas a iniciativa priva tem de acreditar também.
A requalificação da Praia de Iracema, que vem desde a primeira gestão da Luiziane, quando a Praia de Iracema já tinha passado por uma degradação urbana, ela tentava requalificar o local. Mas as pessoas não vinham.
A dinâmica de uma requalificação e de uma política pública é quando as pessoas começam a acreditar.
O prefeito Roberto Cláudio me deu uma missão sobre a Praia de Iracema e viemos aqui para o Estoril, colocando um ponto de urbanismo em uma região degradada.
Imaginávamos que a gente ia virar a chave muito rápido, mas isso demorou muito porque as pessoas demoraram a enxergar, os empresários demoraram a enxergar, mas procura agora um imóvel na Praia de Iracema. Está tudo alugado. As coisas estão acontecendo.
Há uma dinâmica que, se o Poder Público não tiver alinhado com a comunidade, o empresário e o investidor, não funciona.
Até porque o empresário só vai colocar dinheiro onde ele acredita que terá retorno e a comunidade só vai vir quando ela acreditar que virou a chave, que tem segurança, que tem urbanismo, que tem transporte.
Não depende só do Poder Público. Nós somos os facilitadores. A gente tem o trabalho de unir as pontas.
A gente pega um empresário que precisa disso e o Poder Público pode fazer aquilo e a gente une para ter bons resultados.
A burocracia do Poder Público é muito grande, então temos uma velocidade menor do que a do setor privado, então quando os empresários estão juntos as coisas acontecem com mais velocidade, mas eles têm de acreditar também.
MUITOS PAÍSES AINDA POSSUEM RESTRIÇÕES PARA ENTRADA DE BRASILEIROS, E ISSO TAMBÉM LEVADO COMPANHIAS AÉREAS A ADIAR O RETORNO DE VOOS INTERNACIONAIS. ISSO DE ALGUMA FORMA PREOCUPA O SENHOR EM RELAÇÃO À RECUPERAÇÃO ECONÔMICA DO TURISMO NA CAPITAL?
Preocupa, mas isso já está sendo retomado. Tivemos uma reunião na Abav (Associação Brasileira de Agências de Viagens) com o pessoal da Air France, da KLM e da Gol e eles já estão retomando.
O primeiro voo para Paris está previsto para esta sexta-feira (22). Então, os voos estão sendo retomados e os aviões estão todos lotados.
Eu acredito que em janeiro já teremos retomado cerca de 70%, 80% da malha área internacional que tínhamos. E para a malha nacional, estão prometendo que até o final ano ela será regularizada.
HÁ ALGUMA PERSPECTIVA DE COOPERAÇÃO ENTRE PREFEITURA E ESTADO PARA INCENTIVAR O TURISMO INTERNO DE CEARENSES PARA DESTINOS NO PRÓPRIO CEARÁ? O SENHOR ACREDITA QUE ISSO PODE SER UMA ESTRATÉGIA VIÁVEL PARA MOVIMENTAR O MERCADO LOCAL?
Nós temos uma filosofia de que a retomada do turismo começaria com o fortalezense curtindo a própria cidade, até se hospedando em hotéis aqui, e depois iria pegar o carro para viajar dentro do Ceará, então há um ano, mesmo com a pandemia, os hotéis já estavam todos lotados.
O turismo rodoviário aumentou muito e foi aí que eu tinha sacado a questão dos pets, até porque as famílias que viajam de carro querem viajar com os pets.
Tem uma coisa que é engraçada, que, por exemplo, meus filhos conhecem Ubajara, mas não conhecem Juazeiro do Padre Cícero e conhecem o mundo todo, indo morar fora e viajando comigo.
Então, a gente tem belezas no Ceará, que não é só sol e praia, como os monólitos de Quixadá, a serra de Guaramiranga, e os próprios cearenses não conhecem o Ceará.
Então é legal isso ser uma política de Estado, para que o cearense conheça o Ceará e nordestino conheça o Nordeste.
Inclusive, começamos uma parceria com Natal (RN) e São Luís (MA) para que o turista venha para Fortaleza e vá até Natal ou para São Luís, criando a rota do Sol Nordeste.
A REESTRUTURAÇÃO DA ORLA DA PRAIA DE IRACEMA ERA UM DOS GRANDES PROJETOS VOLTADOS PARA O TURISMO DA CAPITAL, COM ESSA OBRA CHEGANDO AO FIM, QUAIS AS ÁREAS DEVEM SER MAIS EXPLORADAS PELA PREFEITURA COM POSSÍVEIS OBRAS DE REVITALIZAÇÃO OU PROJETOS NO FUTURO?
Primeiro, a Praia de Iracema ainda tem muito a se fazer, mas eu acho que já viramos a chave e isso é reflexo de uma união de esforços para manter essas ações ali.
Hoje, temos várias secretarias da Prefeitura todos na Praia de Iracema e isso é uma estratégia de ocupação positiva, mas hoje temos duas áreas que estamos dando uma atenção especial.
Temos a Barra do Ceará, com o projeto "Beira-rio", que é uma região para ter a mesma qualidade da Beira-mar.
E hoje a Barra do Ceará tem um potencial muito grande para o kite surfe, o que é um ativo muito positivo. E lá temos um bom mar para velejadores iniciantes. Até temos kite surfe na Praia do Futuro, mas é um mar mais para velejadores experientes.
Eu digo que nos próximo dois ou três anos, estaremos cheios de pousadas e escolas de kite surfe, com estrangeiros vindo passar uma semana inteira só velejando.
A Barra do Ceará, daqui a alguns anos, será um grande polo de investimento.
E a Sabiaguaba é outro local que o Governo do Estado está fazendo um projeto maravilhoso que eu acredito que será um outro polo muito interessante.
CONSIDERANDO TODOS ESSES PONTOS, COMO O SENHOR ENXERGA TAMBÉM A CAPACIDADE DE ATRAÇÃO DE INVESTIMENTOS VOLTADOS PARA O TURISMO DA CAPITAL? DEVE HAVER MUITOS PREJUÍZOS POR CONTA DA PANDEMIA?
Olha, essa questão dos investimentos internacionais estão muito relacionados com duas coisas: estabilidade política e segurança jurídica.
Nós estamos em um momento de instabilidade política, com o Brasil polarizado, e esses investidores pensam se vão colocar dinheiro onde está tudo tranquilo ou aqui?
Perdemos muitos investimentos na época do impeachment da Dilma. E agora temos um presidente que pode entrar em processo de impedimento. O mercado internacional olha e pensa em segurar um pouco.
Mas a parte de hotelaria está muito animada porque o Brasil continua sendo um País de muitas atrações. Temos muito a explorar.
COMO SECRETÁRIO DE TURISMO DA PREFEITURA, QUE POSIÇÃO NO MERCADO NACIONAL E INTERNACIONAL O SENHOR GOSTARIA QUE FORTALEZA OCUPASSE? QUAL A META PARA ESSA ECONOMIA DO TURISMO NA CAPITAL?
Eu tenho duas metas muito ousadas. Uma delas é manter Fortaleza no primeiro lugar como destino no Brasil.
E eu tenho muito orgulho da minha equipe, então quero que a secretaria de turismo seja o melhor lugar para se trabalhar no Ceará, com uma equipe motivada.
Eu venho da iniciativa privada e eu me deparei que temos bons técnicos no Poder Público, mas temos um grande desafio que, quando estamos em uma empresa privada, você é promovido e evolui, mas no setor público é diferente.
Um servidor tem uma perspectiva de 4 anos, porque mesmo que ele não for demitido, a gente pode mudar o secretário.
Então como se motiva uma pessoa com uma visão de só 4 anos, sendo que não é possível promover os funcionários? Isso para mim é grande desafio, mas o prefeito Sarto me deu liberdade para escolher a equipe e eu quero que esse lugar seja um ótimo lugar para se trabalhar no Brasil.
QUAIS OS PRINCIPAIS DESAFIOS PARA O TURISMO NA CAPITAL E QUE TENDÊNCIAS O SENHOR ENXERGA PARA O FUTURO DESSE MERCADO QUE AS EMPRESAS E O PODER PÚBLICO TERÃO DE SE ADAPTAR OU BUSCAR PARA TER BONS RESULTADOS ECONÔMICOS?
Eu enxergo que o turismo vai bombar no próximo ano e que o turismo interno é uma grande oportunidade, mas precisamos de uma política pública para isso e preços.
Não adianta ter bons destinos se a passagem para Buenos Aires ou Miami for mais barata.
Precisamos de uma política para que o brasileiro tenha viagens mais baratas ao viajar no País dele.