Alessandro Attina: número de vagas de estágio deve aumentar 6% no primeiro trimestre

Em entrevista ao Diálogo Econômico, o gerente da regional Nordeste do Centro de Integração Empresa-Escola (Ciee) traça um panorama atual sobre a geração de vagas de estágio

A chegada de novos investimentos em todo o Estado, como o hub de hidrogênio verde, centros de distribuição, conexão 5G, além das expansões da Zona de Processamento de Exportação do Ceará (ZPE), traz uma expectativa positiva quanto à geração de vagas de trabalho. A projeção se estende também aos estágios.  

Em 2020, com o início da pandemia, o mercado sentiu o impacto e sofreu com uma queda de 26,4% no número de vagas de estágio no Ceará em comparação com 2019. Com as melhorias do quadro epidemiológico, o ano de 2021 foi marcado por uma breve recuperação com aumento de 31,7% no número de contratos.  

Apesar disso, o desempenho do ano passado ainda foi inferior ao de 2019, quando, em termos brutos, foram assinados 304 contratos a mais.  

Entrevistado desta semana no Diálogo Econômico, Alessandro Attina, gerente da regional Nordeste do Centro de Integração Empresa-Escola (Ciee), aponta que 2022 é um ano de boas expectativas para este mercado, apesar da projeção de pequeno crescimento do PIB (Produto Interno Bruto), com resultado que pode ainda superar o ano de 2021.  

“Nós trabalhamos com o crescimento de 5% a 6%, vamos sempre calibrando, mas esperamos crescer nessa faixa neste trimestre em relação ao passado. Devemos ter um segundo semestre melhor que o primeiro, estamos observando para que possamos interagir no mercado e provocar esse crescimento maior”. 

Confira a entrevista completa:  

Novos investimentos estão chegando ao Ceará, a exemplo do hub do hidrogênio verde, os centros de distribuição, além da tecnologia 5G. Como isso deve impactar na geração de vagas de estágio? 

Vai impactar significamente, o empresário hoje já se aculturou ao estágio, então a cultura do estágio está mais presente não só nas grandes empresas, de onde o grande volume de vagas surgia no passado, mas também nas médias e pequenas empresas.

Ou seja, hoje, se a gente começar por essa análise, nós recebemos mais oportunidade de estágio do pequeno e médio empresário do que do grande empresário, das grandes empresas geradoras de vagas no estado ou na região nordeste como um todo.

A presença do pequeno empresário ofertando uma primeira oportunidade para o jovem já é uma realidade muito mais constante nos nossos registros.  

Isso consolida a tendência de que, esses novos negócios chegando com a retomada da economia, como também estamos nesse processo, há uma possibilidade, uma intenção maior do empresário em retomar as contratações principalmente dos estágios, que efetivamente se consolidou como uma porta de entrada não só para o jovem, mas para o mundo do trabalho como um todo.

Dessa forma, como esses estudantes podem começar a se preparar para estes mercados? Quais as principais funções a serem ofertadas? 

O programa de estágio ainda tem barreiras a serem vencidas, porque ainda é muito visto num grupo muito repetitivo de oportunidades, aquelas mais tradicionais, como Pedagogia, Informática, Direito, Administração.

Isso representa um grande volume de oportunidades de estágio, mas, com a chegada desses players, tem uma expectativa de crescimento nas áreas técnicas, nas áreas de Engenharia por exemplo, nas profissões ligadas a tecnologia como um todo, então a gente espera sim nos próximos meses ter, no decorrer desse processo de retomada, vagas de logística, por exemplo.  

Por isso, é natural que tenhamos vagas sendo demandadas para suprir essas lacunas visando à formação de uma mão de obra mais à frente.

Se não há naquele mercado, profissionais preparados de imediato para assumir aquelas funções, naturalmente eles são importados de outros estados, mas há a necessidade de você começar a formar uma mão de obra para suprir essas demandas que continuarão crescentes. 

O mercado de trabalho mudou muito nos últimos anos. Com relação aos estágios, o que mudou? Nas vagas e nas exigências? O mercado ficou mais exigente? 

O mercado mudou como um todo, em função de uma maior oferta de mão de obra.

Nós vivemos um momento de retração nos anos anteriores, então você tem bons profissionais disponíveis no mercado, consequentemente, os departamentos de recursos humanos passam a subir um pouco mais a régua e com isso vai chegando degrau por degrau até a questão dos estágios.

Por dois fatores que o estágio passa a ser visto de uma forma mais estratégica pelas organizações, então o empresário passa a ter uma exigência maior nesse processo de captação de jovens, isso se reflete não só nas questões técnicas, mas muito nas questões comportamentais, os chamados soft skills.

Hoje, tem pessoas que buscam jovens, caçam talentos adequados àquela cultura da organização, então eu diria que, além de o estudante ter que dominar bem a área de atuação que ele quer, ele precisa ter um conhecimento além do que está nos bancos acadêmicos.

E como consegue? Lendo, pesquisando, buscando esse conteúdo. Ele precisa se preocupar com a questão do trabalho em equipe, do espírito de liderança, aquelas soft skills que são mais observadas pelos recrutadores para que possa se tornar mais competitivos na busca de uma oportunidade de destaque.   

Muitos jovens acreditavam no passado recente que o melhor estágio é aquele que paga mais, o jovem fazia essa correlação, hoje ele já percebe que às vezes está perdendo tempo numa empresa que paga bem e ele não aprende nada.

Hoje, o estudante procura aliar o aprendizado a uma boa remuneração, a uma boa qualidade de estágio, uma empresa que esteja alinhada também com o pensamento dele, aquela questão de que as empresas tenham uma política ecológica mais correta, tenham um tratamento mais respeitoso ao ser humano.

Nós temos um mercado muito mais complexo, tanto do ponto de vista de quem está buscando como de que também temos no jovem o sentimento da escolha.  

Acho que aí entra a importância desses estudantes participarem dos projetos de extensão para desenvolver esses soft skills, por exemplo?  

Não tenha dúvida, toda experiência que o jovem possa ter além da acadêmica propriamente dita, além da sala de aula vai agregar para o currículo dele, consequentemente, vai se tornar mais competitivo nos processos seletivos e, assim, conseguir uma vaga no mercado de trabalho.

Eu cito ainda as empresas juniores, trabalhar junto com professores orientadores, na monitoria, todo tipo de experiência em que há relações interpessoais, em que há entrega, acompanhamento, liderança, todas essas características que poderá desenvolver serão oportunas para o desenvolvimento dele e serão observados pelo recrutador no processo seletivo.

As situações que a gente vivia no passado de que o histórico escolar garantia uma boa vaga mudaram, é sim um fator de análise, um pré-requisito, mas isso não é mais uma garantia de um bom estágio, essa garantia está nesse processo de desenvolvimento pessoal.  

Falando em exigência, há mais vagas exigindo mais de estagiários, até mesmo funções de contratado. Hoje, vemos ainda um aumento de casos de burnout. No que os chefes precisam ter cautela?   

A gente está vivendo esse mal do século. Comentei até outro dia que se tem uma profissão que vai despontar como uma de sucesso é a Psicologia.

O jovem de hoje tem uma ansiedade muito grande, uma cobrança muito maior que de outras gerações. Ele é muito mais bombardeado por informações, o que consequentemente geram cobranças e esses males.

O que eu sempre oriento e falo nas conversas é que a gente tem que dosar na nossa carreira o equilíbrio. Se determinada situação está te causando estresse, você tem que analisar o porquê e buscar trazer esse trem para os trilhos de novo.

Tudo em excesso, seja uma cobrança por parte do gestor, um ritmo de atividades além da capacidade de absorver do profissional, não vai acabar bem.

No caso do estágio ou vai acabar com o desligamento precoce e aí a empresa vai perder a oportunidade de desenvolver aquele talento e o jovem a oportunidade de continuar naquela organização.

O que eu sempre recomendo é o diálogo, vamos conversar, alinhar e o gestor tem obrigação nesse papel muito mais que o jovem, mas é uma relação ganha-ganha, quando você está numa situação de desequilíbrio há uma forte tendência de você interromper abruptamente aquilo ali.  

Também vejo que o jovem hoje em dia é muito mais questionador, então acho que é mais fácil de você chegar, quando tem essas situações, dessa provocação e evitar a ruptura.

Na outra ponta, o que observo, é que esse movimento de excesso de trabalho é característico de todas as funções, então a gente está vivendo esse momento.

O gestor tem que sempre estar acompanhando de perto e observar se aquele jovem está tendo esse excesso de atividades que prejudica até o desempenho dele, e fazer essa adequação, porque ele está em processo de formação, então tem que ter um olhar e uma atenção maior para com ele.

Hoje, as dinâmicas das relações são muito mais abertas, então essa troca de informações é muito mais presente e deve ser sempre estimulada no momento em que houve uma situação adversa do ideal.

Estamos vivenciando desde 2020 a pandemia, que causou um impacto direto nas relações de trabalho. Com isso, você acredita que o modelo home office deve ser mais aderido pelas empresas?  

Do ponto de vista do negócio, vai depender muito do segmento. Eu acredito que vão ter segmentos que o presencial ainda seja a melhor forma de se trabalhar, outras empresas continuam no home office, mas há uma tendência de a pandemia terminar esse ano, desde que, lógico, o mundo avance na vacinação, mas muitas empresas vão continuar no home office, outras, a exemplo do Ciee, vão no trabalho no modelo híbrido.  

Ainda é muito prematuro emitir uma opinião, mas acredito que vai depender muito da natureza do negócio da empresa.

Essas fintechs, por exemplo, e outras empresas de tecnologia não necessariamente precisam desse ambiente tradicional de trabalho, você pode obter resultados até melhores nesse arranjo remoto, outros negócios precisam efetivamente do modelo presencial, não tem como avançar muito, o entretenimento por exemplo. Então, vai depender muito do ramo de atividade.  

Para o profissional, especialmente para o estagiário, esse contato presencial é fundamental até para criar um networking. De que forma isso é afetado?  

Eu entendo dessa forma também, lógico que há formas virtuais de fazer networking, Instagram, LinkedIn, Facebook, enfim.

Você consegue nessas redes sociais estabelecer um networking, mas não tenha dúvida que o presencial, o olho no olho, ainda faz toda diferença e, nesse ponto, não só os estagiários que perderam, o mercado como um todo também. As carreiras precisam dessa interação para que possam se encaminhar melhor.  

2021 foi um ano de recuperação na geração de vagas de estágio após baixa em 2020. Qual a expectativa para 2022? 

Apesar da economia, da previsão do PIB ser de praticamente de estagnação, com crescimento muito pequeno, a gente tem uma expectativa muito positiva com relação aos estágios.

Habitualmente, os estágios têm um crescimento significativo em anos eleitorais, como este que a gente está vivendo, esse é um fator favorável.

A gente percebe também que, normalmente, o que acontece é que o pequeno empresário não tem condição de fazer um investimento imediato nesse processo de retomada, então ele começa com a contratação de estagiário para depois efetivá-lo, então esse também é outro fator positivo.  

Quando a economia está crescendo pouco, o empresário fica mais resistente, o estágio passa a ser uma alternativa interessante de crescimento, então isso nos dá uma expectativa de crescimento positivo para 2022, a questão do momento eleitoral, de uma retomada lenta, mas que para o empresário ele precisa fazer a roda girar, então deve investir na geração de oportunidades.  

Existe uma projeção? 

Nós trabalhamos com o crescimento de 5% a 6%, vamos sempre calibrando, mas esperamos crescer nessa faixa neste trimestre em relação ao passado.

Devemos ter um segundo semestre melhor que o primeiro, estamos observando para que possamos interagir no mercado e provocar esse crescimento maior.

O grande problema, com o olhar do empresário, é que teve a terceira onda da pandemia, o que provocou uma puxada de freio, além disso, é ano eleitoral em que ele espera mais para saber como e quando investir, mas ele já vem com esse freio puxado há muito tempo, então ele precisa fazer o negócio crescer para mantê-lo.

Logo, temos esse cenário que deve ser um pouco mais lento no primeiro quadrimestre para depois termos um crescimento maior nos meses seguintes.