A recomendação recente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) de suspender a vacinação com o imunizante da AstraZeneca, no caso de mulheres grávidas, ressalta que a bula atual do fabricante não recomenda o uso da vacina nesse público sem orientação médica.
A Agência considerou, na decisão, que a aplicação de vacinas em situações não previstas na bula - documento que fornece informações sobre aquele medicamento e seu uso - só deve ser feita de acordo com a avaliação individual de um profissional de saúde.
Mas o que dizem as bulas da AstraZeneca, da Coronavac e da Pfizer, os três imunizantes já autorizados para uso no Brasil e, por consequência, no Ceará?
ASTRAZENECA/FIOCRUZ
A bula produzida pelo Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos da Fundação Oswaldo Cruz (Bio-Manguinhos/Fiocruz) está disponível no site do Ministério da Saúde. A última atualização é do dia 23 de abril.
“Este medicamento não deve ser utilizado por mulheres grávidas sem orientação médica”, diz o documento, avaliando que os dados sobre o uso em mulheres grávidas ou mulheres que engravidaram após receber a vacina são “insuficientes para fundamentar um risco associado com a vacina”.
CORONAVAC
Conforme bula disponível no site do Instituto Butantan e atualizada em 23 de abril, o imunizante não deve ser administrado em gestantes e/ou em mulheres amamentando.
O Instituto afirma que estudos em animais não demonstraram risco fetal, mas que também “não há estudos controlados em mulheres grávidas”. “Este medicamento não deve ser utilizado por mulheres grávidas sem orientação médica”, conclui.
PFIZER/BIONTECH
Assim como as anteriores, a vacina criada pela Pfizer e BioNTech “não deve ser usada por mulheres grávidas, ou que estejam amamentando, sem orientação médica”, de acordo com a bula disponível no site do laboratório.
Ele considera que os dados disponíveis sobre a utilização da vacina em mulheres grávidas são limitados, embora os estudos em animais não indiquem efeitos prejudiciais, diretos ou indiretos, no que diz respeito à gravidez e ao desenvolvimento fetal ou pós-natal.
Posição do Ministério da Saúde
Após uma série de revisões de estudos internacionais, nota técnica do Ministério da Saúde não ofereceu contraindicação para a vacinação do grupo de gestantes, puérperas e lactantes, resguardando o direito de escolha das mulheres quanto à decisão.
Nesta terça-feira (11), o órgão recomendou a manutenção da vacinação, embora reavalie “a imunização no grupo de gestantes sem comorbidades”. “Cabe ressaltar que a ocorrência de eventos adversos é extremamente rara e inferior ao risco apresentado pela Covid-19”, garante.
Opinião de especialista
A médica cearense Liduína Rocha, obstetra e Coordenadora do Comitê de Prevenção à Mortalidade Materna, Infantil e Fetal no Estado do Ceará, considera um “equívoco” os laboratórios não terem incluído as grávidas nos estudos de desenvolvimento das vacinas.
No entanto, ela ressalta que a AstraZeneca foi a única a narrar o risco de um evento trombótico (formação de coágulos sanguíneos) na população em geral - especificamente, de 0,0004%, ou seja, um a cada 250.000.
Além disso, lembra que a Pfizer foi considerada segura por um estudo do Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), dos Estados Unidos, divulgado no fim de abril, após monitorar mais de 35 mil gestantes.
No nosso contexto epidemiológico, as vacinas devem ser recomendadas. No momento em que o país inteiro é orientado a aderir à vacinação em gestantes, houve um único evento adverso. Isso deveria ser dito de uma forma muito habilidosa em função de toda a ansiedade que isso gera e das consequências para a saúde mental”
Morte de grávida no Rio de Janeiro
A médica afirma que o caso da gestante carioca que desenvolveu trombose e faleceu após tomar a vacina da AstraZeneca precisa ser investigado com cautela, para identificar com seriedade se houve ou não nexo causal entre os dois eventos.
"Mesmo sem comorbidades, a chance de uma grávida ter evento trombótico é de uma para 2 mil, uma para 3 mil. De ter com a vacina, é de uma a cada 250.000. Esse possível evento adverso tem de ser muito bem analisado”, diz Liduína Rocha.
Cenário do Ceará
A especialista faz um alerta específico para a epidemiologia de Covid-19 entre gestantes no Ceará: em 2019, foram registrados 57.3 óbitos maternos a cada 100 mil nascimentos, no Estado. Em 2020, com a pandemia da doença, a razão subiu para 92.8.
“Em 2020, 23% dos óbitos maternos foram por Covid. Agora, em 2021, já são 34,8%. Estamos diante de uma doença de potencial letalidade muito maior do que as vacinas”, conclui.