Telemedicina ganha adesão no Ceará por efeito da Covid-19

Uso de videochamadas, telefonemas e troca de mensagens para consultas e acompanhamentos médicos foi fortalecido com as restrições de circulação; 200 mil ligações foram feitas em serviço de saúde pública

Os atendimentos virtuais ganharam mais espaço na agenda dos médicos cearenses desde que a maior recomendação para manter a saúde passou a ser a permanência em casa - com a primeira confirmação do novo coronavírus no Estado, no último dia 15 de março. Convivendo com essas limitações por cerca de três meses, parte dos serviços presenciais agora são retomados, mas os profissionais analisam como a telemedicina pode continuar depois do fim da pandemia da Covid-19.

Por telefone, 200.392 cearenses receberam orientações sobre o novo coronavírus no canal TeleSaúde, da Secretaria da Saúde do Estado (Sesa), desde a criação da plataforma no dia 18 de março. Outros 328.181 atendimentos foram feitos por meio do WhatsApp (203.753), sites (118.011), Facebook (6.390 e Telegram (27).

Pelo Ministério da Saúde, foram prestados 99,7 mil atendimentos pré-clínicos automatizados para o público cearense. Além de 27,5 mil ligações ao Canal 136, 2,9 mil sessões no aplicativo e 596,2 mil por busca ativa. Pela plataforma Doutor Saúde, da Prefeitura de Fortaleza, 8.696 sessões foram feitas desde o início do funcionamento, em abril.

O serviço virtual para consultas e acompanhamentos médicos foi liberado pelo Ministério da Saúde no dia 20 de março, enquanto durar a pandemia, devido às orientações para isolamento social. Essa decisão colocou em prática o tema debatido há cerca de 20 anos no País em que surgiram alguns mitos, como analisa Luiz Roberto de Oliveira, coordenador do Núcleo de Tecnologias e Educação a Distância em Saúde (Nuteds), na Universidade Federal do Ceará (UFC).

"Inúmeras vezes você vê pacientes que reclamam que foram ao médico e não foram bem tratados porque não tiveram atenção e empatia. Na realidade, o que faz a telemedicina ser boa ou má é exatamente a maneira como o médico se comporta independentemente de ele estar à distância ou não", reflete.

Cada paciente deve ter sua condição analisada para verificar se a teleconsulta pode ser efetivamente aplicada. "É uma questão de bom senso do médico e também de preparo, porque o médico precisa aprender como usar essas novas ferramentas, esse novo meio de fazer a sua propedêutica (examinação) com segurança para o paciente e para o exercício profissional dele", destaca.

O médico Rodrigo Astolfi também precisou se adaptar aos meios virtuais para atender pacientes durante o período de maior rigor do isolamento social em Fortaleza. "Eu que sou ortopedista, que preciso fazer exame físico do paciente, na minha área não ajudou muito. A gente talvez consiga fazer, no futuro, triagem e atendimento de pacientes que estão em regiões remotas para adiantar algumas orientações, mas ainda é bastante limitada".

Ainda assim a alternativa foi relevante para o acompanhamento pós-operatório de alguns pacientes como Thamara Alves, 29, que realizou a segunda cirurgia de Hallux valgus, conhecida como joanete. "Eu fiz uma cirurgia no pé uma semana antes de ser decretado o isolamento social e eu fiquei me perguntando como daria continuidade ao tratamento, foi quando o dr. Rodrigo ofertou a opção de telemedicina. Eu pude ter o acompanhamento com a mesma qualidade do hospital, mas com a segurança de ficar em casa", ressalta. Por meio de videochamadas, a professora de idiomas faz consultas periódicas.

Devido a uma bronquite alérgica, Thamara Alves teve maior receio de sair de casa, além das dificuldades com o transporte interrompido em Caucaia, onde mora. "É algo muito novo, a gente gosta mais do contato físico de ir na clínica ou no hospital, mas a tecnologia chegou para ficar. Se a gente usa em outras áreas, por quê não também usar essa possibilidade para cuidar da saúde à distância em alguns momentos?", comenta.

Contato

Os pacientes de Vanuza Chagas, médica pediatra, dependem da observação feita pela profissional e dos responsáveis para o acompanhamento da saúde. Nos meses em que ir ao consultório presencialmente ofereciam mais risco aos pequenos, as videochamadas foram a solução.

"Esses atendimentos têm foco em orientações de amamentação, de vacinação, cuidados gerais com a prevenção do coronavírus e dando orientações sobre introdução alimentar. Em pacientes com sintomas de Covid ou outros sintomas clínicos, deixando sempre claro a limitação de não poder fazer o exame físico, orientamos a busca dos serviços de emergência".

Cada consulta é registrada em um prontuário eletrônico e as receitas médicas podem ser feitas por meio digital. Ainda no início, era comum os pais irem buscar o documento físico. "A telemedicina veio dar tranquilidade, dar aproximação com as famílias, como dar sequência em alguns aspectos da puericultura (acompanhamento do desenvolvimento dos bebês)". Foi o caso da nutricionista Nonata Viana, 33, que já realizou três consultas por videochamadas para evitar ir às ruas com o filho Edilson Neto, de oito meses. Dessa forma, o processo de medição e pesagem do bebê pode ser feito em casa e registrado, bem como as demandas simples que surgem nesse período.

Essa segurança, principalmente para crianças em processo de desenvolvimento, foi um dos aspectos positivos observados pela especialista, mas que não dispensam os encontros presenciais. "Se aplica bem no período curto e em determinadas situações, mas agora que voltamos ao presencial dá para se fazer uma consulta mais completa", conclui.

Aplicação

Existem três objetivos na área da saúde, como explica o professor da Faculdade de Medicina, Luiz de Oliveira, que podem ser alcançados com a telemedicina: a melhora da qualidade do serviço, a inclusão de mais usuários e a redução de gastos. "Temos dificuldades de ter especialista de determinadas áreas em todas as cidades que precisam deles. Então, é uma questão de equidade, de tornar o sistema de saúde capaz de atender o maior número possível e evitar exclusão de saúde", avalia.

As informações remotas também podem contribuir para a formação de novos profissionais, como acrescenta Luiz de Oliveira. "Saúde digital é uma coisa que deveria ser ensinada nas graduações de todos os cursos da área da saúde. Um médico, enfermeiro, dentista, farmacêutico, para citar as áreas mais tradicionais da saúde, não devem entrar no mercado de trabalho sem saber o que é saúde digital", destaca.