Mais de três meses após a suspensão das aulas presenciais de escolas no Estado do Ceará, em razão da pandemia da Covid-19, a Secretaria da Educação do Estado (Seduc) começa a delinear o retorno do ensino presencial. Ontem, a Pasta fez sua 1ª reunião com um Comitê Consultivo multisetorial - formado por 16 entidades - a fim de esboçar um plano para a retomada das atividades em sala de aula. A proposta inicial é de que os alunos retornem às escolas em agosto. A decisão é complexa e ainda será discutida.
As entidades consideram que pontos como: a distinta condição sanitária de cada região do Estado, com avanço de casos no Interior; as especificidades de cada etapa do ensino (infantil, fundamental e médio) para assegurar o distanciamento social dos alunos na etapa presencial; e garantia de verbas para estruturar as escolas diante da demandas de higienização; são algumas situações que devem ser consideradas e discutidas antes de um parecer definitivo sobre o período e a forma do retorno às aulas.
"Não temos ainda uma data, há uma previsão que seja para agosto, mas isso depende da determinação do governador, que escuta os especialistas em saúde", afirmou a secretária da Educação do Ceará, Eliana Nunes Estrela. Segundo ela, a proposta será discutida com o colegiado, mas tudo depende do cenário da infecção no Estado.
"Se tudo ocorrer bem, a previsão é nesse período. E é uma retomada gradual, não são todos os alunos, por isso a gente precisa ouvir a comunidade escolar para saber qual é a prioridade no momento", explica a gestora, ao pontuar que a Seduc propôs que, na primeira fase, voltem pessoas em quantidade igual a 25% da capacidade de cada unidade escolar.
Segundo Eliana Nunes Estrela, o objetivo do comitê é focar na legalidade do retorno, dando legitimidade a partir da troca de sugestões entre os diversos órgãos participantes, por isso, ainda não há uma previsão de quais séries retornarão primeiro, por exemplo.
"Hoje (ontem) nós apresentamos algumas diretrizes, estamos disponibilizando para cada instituição esse plano e vamos ter uma retomada com a contribuição de cada instituição, para ser no plano participativo".
Outra reunião do Comitê deverá ocorrer na próxima semana. As entidades devem opinar sobre a proposta apresentada e também sugerir mudanças. A secretária ressalta também que o ensino híbrido deve continuar "por um bom tempo, até que se encontre uma vacina ou um medicamento, vamos ter que tê-lo ainda", diz. Eliana acrescenta que o Comitê é acompanhado também por representantes da saúde. "Esse processo será construído junto com eles, que vão nos orientar para o que, de fato, a rede escolar precisa, qual o EPI necessário pra eles e de que forma vamos disponibilizar. O certo é que o básico vamos ter que ter na escola, que é agua, sabão e álcool em gel".
Entidades
A analista de educação da Associação dos Municípios do Estado do Ceará (Aprece), Vládia Cosmo, participou da reunião e aponta que "a rede estadual tem questões diferenciadas da educação fundamental" e esse é um dos pontos fundamentais a serem considerados. Isto porque, reflete ela, a adesão à medidas de distanciamento sanitário entre os alunos pode ser diferente a depender da idade dos estudantes de cada série. Além disso, ressalta ela, "tem vários formatos e realidades diferentes. Precisamos fazer o levantamento de tudo para identificar quais são as dificuldades".
Nos municípios do Interior, pondera Vládia, muitos não conseguem garantir as aulas remotas digitais, mas adotam outras formas - seja via rádio ou entrega de tarefas por meio dos pais - para dar continuidade às ações de ensino durante a pandemia. "Já vínhamos fazendo contato com os secretários porque alguns estão com aulas remotas online, outros estão enviando as tarefas". De acordo com ela, a perspectiva é que se garanta um levantamento mais consistente da real situação de cada municípios para se ter mais precisão de qual a condição de cada localidade.
Na reunião, conta Vládia, a Seduc informou que a Empresa de Tecnologia da Informação do Ceará (Etice) está fazendo uma pesquisa com os alunos da rede estadual e com as escolas para investigar a acessibilidade ao ensino remoto e as condições desses alunos. Vládia pondera ainda que a maior preocupação dentre todos os pontos discutidos na reunião é o contato entre os alunos.
"O maior receio é a transmissão do vírus porque a situação está um pouco mais controlada na Capital, mas no Interior muitas regiões estão se tornando epicentros. Então, temos o cuidado e a preocupação de que essas crianças não se tornem um vetor de transmissão e leve para dentro de casa".
Além disso, no Interior, há uma preocupação referente à garantia de deslocamentos dos alunos e o fornecimento de EPIs, já que os municípios alegam ter ainda menos recursos devido à baixa arrecadação em decorrência da pandemia.
A representante do Conselho Estadual de Educação presente na reunião, Aurila Maia Freire, também reitera a necessidade de produção de um diagnóstico mais preciso sobre a atual condição de garantia das aulas. "Teria que haver um plano de contingência em cada município", frisa ela e acrescenta que dessa forma seria possível ter dimensão de como o direito à educação e à aprendizagem tem sido garantido nas diferentes cidades do Estado.
Aurila também enfatiza que "vamos ter que reinventar estratégias de ensino e aprendizagem diante de questões como a necessidade de distanciamento de 1 metro e meio a 2 metros nas salas de aula". Além disso, avalia que as redes de ensino devem se preocupar com a importância do acolhimento e da flexibilização, devido às dificuldades do momento.
"Em 4 meses de aula, não consegue concentrar todos os conteúdos que foram previstos para aquela determinada série. É onde vem o outro desafio que é a flexibilidade do professor, da instituição de ensino, da equipe pedagógica, que possa filtrar os conteúdos necessários, essenciais para uma boa aprendizagem dos alunos".
A supervisora do Núcleo de Direitos Humanos e Ações Coletivas da Defensoria Pública, Mariana Lobo, explica que uma questão ressaltada pela Defensoria Pública é preocupação com os alunos da 3ª série do Ensino Médio. "Queremos que esse plano possa minimizar as desigualdades entre as redes pública e privada, e possa igualar minimamente o ponto de partida desses alunos", explica.
Ela também aponta preocupação com os alunos que não têm acesso à internet. "Apesar de ter claro que o material didático está sendo usado, temos preocupação com aqueles alunos que não têm acesso à internet, nem WhatsApp, nem as videoaulas. Mas a Seduc nesse plano já está prevendo busca ativa pra esses alunos no retorno pra que possa pensar uma série de estratégias voltadas aos que não tiveram acesso às aulas remotas". Segundo Mariana, consta no plano é que seria feita uma busca ativa desses alunos pra conseguir fazer o diagnóstico.
Rede particular tem protoloco, diz Sinepe
O Sindicato dos Estabelecimentos Particulares de Ensino do Ceará (Sinepe) mantém a previsão da volta às aulas nas escolas privadas para o dia 20 de julho, conforme autorizado pelos decretos municipal e estadual no plano de retomada às atividades econômicas no Ceará. No município, decreto foi publicado pela Prefeitura de Fortaleza no dia 14 de junho.
Contudo, a presidente da entidade, professora Andréa Nogueira, explica que esse retorno pode não ocorrer de forma generalizada, pois, cada escola, ao chegar a data prevista irá avaliar as condições para cumprimento dos protocolos sanitários e segurança dos alunos. "A instituição poderá fazer análise desse retorno. Se a escola já está preparada", diz Andréa Nogueira.
Além disso, ressalta ela, a retomada das aulas presenciais deve levar em consideração a localização de cada unidade escolar e os índices relacionados à Covid-19 nessa cidade. "O decreto tem a previsão de acompanhamento da curva do coronavírus. A realidade de Fortaleza não é a do interior do Estado. Cada município vai ser analisado para depois termos um decreto informando quando esses municípios poderão iniciar as aulas presenciais", relata a presidente do Sinepe-CE.
Andréa também informa que o Sindicato já estabeleceu um protocolo setorial para a retomada das aulas. As orientações foram formuladas, conta ela, em conjunto com especialistas da área da Saúde, como infectologistas e epidemiologistas, e também com gestores da educação, como os diretores das instituições de ensino.
"Esse protocolo setorial teve como base o protocolo geral do Governo do Estado, o plano de retorno da Federação Nacional das Escolas Particulares (Fenep), bem como as experiências das escolas de outros países que também retomaram suas atividades presenciais".
Outro ponto mencionado por Andréa Nogueira é que a demanda pelo retorno das aulas presenciais nas escolas particulares no Ceará está relacionada à volta dos pais ao trabalho. Com a retomada gradual dos serviços e das atividades, conta ela "existem pais que vão necessitar deixar os filhos nas escolas para trabalharem. Esse é um dos motivos que nos organizou para prepararmos a escola para o retorno das atividades presenciais no dia determinado pelos decretos".