O Ceará tem pelo menos 14,6 mil pessoas acima dos 60 anos que ainda não receberam nenhuma dose da vacina contra a Covid-19. O dado é de um levantamento do Diário do Nordeste com base em dados do vacinômetro estadual disponibilizado pela Secretaria da Saúde do Ceará (Sesa) até a última segunda-feira (14).
No fim de março, a Sesa liberou 81 cidades para iniciar a vacinação do grupo acima de 60 anos, mas em ordem decrescente de idade. Em Fortaleza, a imunização do último grupo, de 60 anos, começou no dia 20 de abril, ou seja, há quase dois meses.
O número atual de faltosos leva em conta a meta estimada da população por faixa etária, disponível no documento, menos a quantidade de idosos que receberam a primeira dose (D1). Entre a população de 60 a 64 anos, a diferença é de 5.933. Já na de 65 a 69 anos, a discrepância é ainda maior: 8.746.
Desde o início da pandemia, os idosos são apontados pelas autoridades em saúde como o grupo de risco com maior propensão a casos graves e à morte por complicações da doença. Ao lado dos profissionais da saúde, eles foram priorizados na ordem de vacinação.
Meta geral alcançada
Apesar da quantidade de faltosos, o Ceará já ultrapassou a meta geral de imunização de idosos. A previsão inicial era vacinar 1.182.393 de pessoas acima de 60 anos, mas, até a última segunda, já foram 1.215.787. Ou seja, 33,3 mil a mais.
Um dos fatores que prejudicam o andamento da imunização é a ausência de dados consistentes sobre a necessidade real de doses, já que está sendo demandado um montante maior do que o previsto. Como o Diário do Nordeste já mostrou, o problema decorre diretamente da falta de atualização do Censo Demográfico.
A faixa etária de idosos com mais de 75 anos, no Ceará, teve vacinadas quase 10% de pessoas além da expectativa, o correspondente a 33 mil doses a mais. Entre quem tinha de 70 a 74 anos, foram 14,6 mil a mais - um aumento de 6,6% da meta inicial.
Dados divergentes
Sem essa definição clara, o processo é atrapalhado, como chama a atenção o professor Krerley Oliveira, coordenador do Laboratório de Estatística e Ciência de Dados da Universidade Federal de Alagoas (LED/UFAL) e membro do grupo ModCovid19.
Prova desse descompasso nos dados é que, segundo cálculos da entidade com base em informações disponibilizadas pelo Open DataSUS, do Ministério da Saúde, o Ceará ainda teria 15,32% da população idosa a ser vacinada - cerca de 181 mil pessoas.
Ainda que os valores absolutos sejam divergentes, o levantamento confirma os dados da Sesa de que os grupos de 60 a 64 anos e de 65 a 69 anos são os mais atrasados na imunização.
Esses dados são super importantes para os gestores acompanharem a evolução da vacinação. Eles precisam estar atentos se o que está sendo divulgado pelo Ministério está batendo com o que eles próprios estão vivenciando no município. São dados atualizados diariamente, mas com um intervalo de tempo, então pode ocorrer de certo município ainda não ter dados atuais porque não informou, além de outros problemas de inconsistência das bases
Dentre os 10 tipos de inconsistências encontradas no tratamento dos dados, as mais comuns são erros de duplicação de registros e pessoas que tomaram a segunda dose sem o registro da primeira.
Depois dessa “higienização”, o cenário de aplicações é comparado com a base populacional do Ministério da Saúde, de 2020. Isso porque, segundo o professor, mesmo as projeções do IBGE variam a cada trimestre. Ele lembra que, por ambas serem estimativas, os números não necessariamente precisam ser exatos.
Idosos “invisíveis”
A vacinação avançou para etapas seguintes sem concluir os primeiros grupos, como constataram os voluntários do projeto "Cadastra Eu!", idealizado por alunos dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Universidade Federal do Ceará (UFC).
O grupo realiza mutirões em Fortaleza para o cadastramento de pessoas sem acesso à internet ou à informação.
Segundo a voluntária Raquel Almeida, já foram cadastrados três idosos: um de 69, um de 71 e outro de 76 anos. Este último deveria estar imunizado, pelo menos, desde fevereiro.
Aquele de 71 anos, morador da comunidade Serviluz, estava esperando a imunização em casa, quando nem mesmo estava inscrito. Ele achava que estaria na lista automaticamente.
“Tem gente que diz que eles estão esperando para escolher a marca da vacina. Coisa nenhuma. O que vimos foram pessoas que não estão sabendo como se cadastrar e nem têm meios para isso”, lamenta a estudante.
Após os cadastros, os idosos foram orientados a procurar o ponto de vacinação mais próximo de casa. Conforme os relatos colhidos na comunidade, o poder público não chega até lá dando direcionamentos sobre o sistema de imunização.
Eu me perguntei se isso aconteceu porque o idoso é isolado ou se era desinteresse da família. Mas o que vimos foi que a família toda não tem esse conhecimento de internet. É algo muito estrutural, todos eles estão sendo excluídos do processo
Estratégias de busca
Diante dessas lacunas, o ideal é que se faça uma busca ativa das pessoas que não conseguiram se vacinar, na opinião do imunologista e professor da UFC, Edson Teixeira, ainda que o ritmo de vacinação no Estado tenha crescido quase quatro vezes em junho, em relação a janeiro.
É preciso que, através dos dados de mapeamento que as equipes de Saúde da Família têm, buscar essas pessoas, nem que seja para vaciná-las em casa. Não podemos ficar esperando, essa coisa tem que acontecer ao mesmo tempo. Não é para deixar lacuna e depois voltar”, considera.
Para minimizar o problema, uma estratégia adotada pela Secretaria Municipal da Saúde de Fortaleza (SMS) foi permitir que idosos cadastrados que ainda não foram chamados para a primeira dose (D1) da vacinação possam se dirigir a qualquer ponto de vacinação da Capital, sem necessidade de agendamento prévio.
A mesma logística vale para pessoas com a D2 da AstraZeneca atrasada. Quem está com a segunda dose (D2) da CoronaVac atrasada deve esperar a próxima repescagem.