Pele de tilápia do Ceará é usada em cirurgias de crianças com deformidades nos dedos das mãos

Método foi capaz de reduzir o número da troca de curativos e o desconforto dos pacientes, além de diminuir os custos do tratamento.

Depois de ser utilizada no tratamento de queimaduras, cirurgias ginecológicas, procedimentos odontológicos e veterinários, a pesquisa cearense da pele da tilápia começou a aplicar o curativo biológico em crianças que precisam passar por cirurgias para corrigir os dedos das mãos que nasceram grudados.

Em setembro, três procedimentos foram realizados no Hospital Sobrapar - Crânio e Face, em Campinas, São Paulo, com peles doadas por uma piscicultura do município cearense de Itarema. Ainda há mais sete cirurgias programadas.

Até então, para corrigir a sindactilia - anormalidade embriológica que ocasiona a junção de três ou mais dedos das mãos ou dos pés, chamada Síndrome de Apert -, as cirurgias poderiam remover pele do abdômen para enxertar no local. 

Contudo, o processo convencional causa mais dor, exige maior quantidade de curativos e nem sempre traz resultados satisfatórios, especialmente nos casos mais graves.

O médico cearense Edmar Maciel, coordenador geral da pesquisa da pele de tilápia e que acompanhou os processos, elenca diversos benefícios do novo uso:

  • redução do tempo cirúrgico
  • ausência de cicatriz no abdômen
  • menor morbidade
  • redução de 50% no número de curativos
  • alívio da dor nos curativos
  • redução nos custos do tratamento
  • boa pega do enxerto após a última cirurgia

Como funciona a cirurgia

“Os pacientes que têm essa síndrome têm problemas nos crânios, nos pés e nas mãos, mas o projeto abrange somente cirurgias das mãos”, explica. O trabalho foi desenvolvido após um ano de preparação e espera pela aprovação em Comitês de Ética. 

A pele da tilápia é colocada no primeiro procedimento. Com cinco dias, é aberto o curativo para avaliar se houve melhora. Entre 10 e 12 dias, remove-se “a capa” da pele e é realizada mais uma enxertia com a pele do próprio paciente.

As peles de tilápia foram doadas pela piscicultura Bomar, de Itarema; processadas com a colaboração da empresa Biotec Soluções; irradiadas no IPEN, em São Paulo, e enviadas em parceria com a empresa LATAM.

Balanço positivo

Entre 2016 e 2021, mais de 300 pessoas vítimas de queimaduras já foram tratadas no Ceará com pele de tilápia, de acordo com a Universidade Federal do Ceará (UFC). Em nenhum deles houve casos de rejeição ou infecção. O método é mais simples e barato, além de menos doloroso.

Atualmente, pesquisas envolvendo a pele da tilápia envolvem 262 pesquisadores em nove estados do Brasil e mais oito países.

Uso comercial

Atualmente, a pele é elaborada pelo Núcleo de Pesquisas e Desenvolvimento de Medicamentos (NPDM) da UFC para uso exclusivo da pesquisa, não sendo produzida de forma industrial e não podendo ser comercializada.

Porém, Edmar Maciel afirma que a equipe está em processo de escolha da empresa que vai registrar o produto na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para, depois do registro, iniciar a comercialização.

Em maio de 2019, o Governo Federal firmou um compromisso de que, tão logo a pele seja registrada, uma comissão analisará a viabilidade de o material ser utilizado no tratamento de queimaduras em todo o Sistema Único de Saúde (SUS).