Durante a pandemia de Covid-19, em 2020, 7.402 crianças de 5 a 10 anos e 3.144 adolescentes foram considerados obesos graves no Ceará. Isso corresponde a 8,65% e 2,52% das 85.555 crianças e 124.639 adolescentes com dados registrados, respectivamente, no Sistema Nacional de Vigilância Nutricional (Sisvan).
Já em 2019, 19.785 (6,97%) crianças e 5.572 (1,6%) adolescentes tinham obesidade grave. A porcentagem aumentou, mas houve uma subnotificação de dados em meio à crise sanitária.
De 2019 para 2020, o primeiro ano de pandemia, houve uma redução na quantidade de dados nutricionais que relacionam o Índice de Massa Corpórea (IMC) e a idade de crianças e adolescentes registrados no Sisvan, o que causou a subnotificação.
Enquanto em 2019 a quantidade de crianças de 5 a 10 anos cadastradas na base de dados era de cerca de 280 mil, durante a pandemia o número baixou para 85 mil. Já o número de adolescentes computados, em 2019, era de 347.556, e em 2020 baixou para 124.639.
Tendência de aumento
Mesmo com a subnotificação, o nutricionista e mestre em Saúde Coletiva Filipe Oliveira de Brito acredita que a tendência de aumento no número de crianças e adolescentes com obesidade observadas nos últimos anos continuou em 2020.
“É fato que aumentou. Não é de agora que essas crianças estão ganhando peso. E o contexto atual favorece o ganho de peso, com o isolamento, a redução do convívio social, a redução das brincadeiras, a não ida à escola. Então, a dúvida estatística que a gente tem é o quanto aumentou”, aponta.
De acordo com o nutricionista, os dados sobre o peso desse grupo que compõem o Sisvan são coletados nos postos de saúde. Após medições de altura e pesagem, Filipe afirma que os dados de magreza, magreza acentuada, eutrofia (que corresponde ao peso ideal), sobrepeso, obesidade e obesidade grave são cadastrados. Com o medo de contágio por coronavírus, várias pessoas deixaram de ir aos postos para acompanhar a saúde.
“As consultas de acompanhamento são uma medida preventiva importante. Quando você consegue acompanhar e prevenir uma doença é muito mais barato para o sistema de saúde e muito mais eficaz para o indivíduo do que quando você reconhece a doença e tem que começar a tratar. Mas como a não ida a um posto de saúde não gera um problema agudo, essa procura acaba caindo”, explica Filipe.
Crianças e adolescentes com obesidade são atendidos por nutricionistas nos postos de saúde que preparam planos alimentares e orientam não só eles, como também os pais. Nestes casos, os hábitos da família podem ser analisados para melhorar a qualidade da nutrição de todos.
Covid-19 e a obesidade
Conforme o especialista, a obesidade gera uma maior inflamação no corpo. Nesse sentido, em um quadro de Covid-19 positivo, o paciente pode desenvolver a forma grave da doença. “Normalmente, essa obesidade é acompanhada de outros fatores, chamados de comorbidades, como a pressão alta, excesso de colesterol e doenças hepáticas. Todos esses estados geram uma maior inflamação no corpo que pode chegar a um quadro mais agravado da patologia. Isso se aplica a adultos, crianças e adolescentes”, ressalta.
Hábitos adquiridos durante pandemia influenciam na nutrição
Sem atividades ao ar livre, com pais sobrecarregados e maiores taxas de ansiedade, crianças e adolescentes têm adquirido hábitos durante a pandemia que podem agravar a qualidade da nutrição. De acordo com o nutricionista, o estresse dos pais em manter a rotina de trabalho, da casa e do cuidado com os filhos pode influenciar na alimentação da família como um todo.
“Nesse momento, é um mecanismo comum a gente acaba procurando comidas hiperpalatáveis, que normalmente são os fast foods, os industrializados, ultraprocessados, que é uma bomba de recompensa no nosso cérebro quando a gente come", diz Filipe.
"Não é a única forma para gerar o relaxamento, mas essa estratégia é extremamente comum: acabar utilizando o alimento hiperpalatável para gerar esse conforto psicológico”, completou.
Deixar de consumir a merenda escolar também pode ser um fator para a piora no “perfil alimentar” da criança, segundo o especialista. Na escola, a ingestão do cardápio montado por nutricionistas muitas vezes é responsável pela maior parte de vitaminas na dieta das crianças. Em famílias com o orçamento mais restrito, Filipe afirma que é comum que pais optem por alimentos mais baratos e industrializados. Ele ressalta que estes alimentos geralmente são pobres de nutrientes e menos perecíveis.
Danos são reversíveis
Apesar disso, Filipe defende que os danos causados à nutrição das crianças, que podem levar à obesidade ou sobrepeso, podem ser reversíveis. Introdução de mais frutas, vegetais e menos processados na alimentação é uma forma de melhorar a saúde deste grupo. Com o fim do isolamento, a adição do exercício físico e convívio com outras crianças também deve melhorar a saúde dos pequenos.